Ontem se completou (aqui) um ano do início do Ocupa TB. Foi em 9 de maio de 2016 que os artistas de Campos ocuparam (aqui) o Teatro de Bolso (TB) Procópio Ferreira. Posteriormente, sem ter o atendimento da sua pauta de reivindicações, nem o cumprimento promessa da reabertura do teatro (aqui) por parte do governo Rosinha Garotinho (PR) — que o mantinha fechado desde o final de 2014 —, a ocupação terminou em 6 de junho do ano passado. O TB só seria reaberto (aqui) em 27 de março de 2017, pelo governo Rafael Diniz (PPS).
Entre ontem e hoje, o blog buscou alguns dos ex-ocupantes do Teatro de Bolso, muitos deles jovens. Não só para registrar seus testemunhos daqueles 28 dias de sonho, em que os artistas de Campos assumiram o controle do seu mais tradicional palco de Campos, como para colher suas impressões das consequências daquele ato de ousadia, um ano atrás, na realidade presente.
Entre elogios e esperança da classe quanto à nova gestão municipal, como sugestões e algumas cobranças, quem também deu jurisprudência ao episódio foi um sociólogo que não participou do movimento, mas recentemente concluiu (aqui) seu doutorado na Universidade Estadual do Norte Fluminense (Uenf) com a tese: “Palco e resistência: a geração do Teatro de Bolso”.
Seja para conhecer melhor e não deixar se apagar o que houve há um ano — ou há 34, quando outro grupo de jovens, liderados pelo então ator Anthony Garotinho, também ousou ocupar o TB — leia com atenção os depoimentos abaixo:
“O que eu vejo hoje com relação ao teatro, nessa nova gestão, e especialmente com relação ao teatro, um ano depois da ocupação, é que o nosso tão querido TB já se encontra a pleno vapor. Ou pelo menos, já vejo dentro das possibilidades reais, o teatro voltando a ser gradativamente dos artistas e da comunidade. Vejo também que, com relação à cultura de uma maneira geral, já existem iniciativas interessantes e diálogo com as universidades, como Uenf e UFF por exemplo. E creio que os resultados dessa parceria serão benéficos a todos. É cedo para avaliar uma gestão que iniciou há poucos meses e com tanta defasagem, mas vejo algumas mudanças positivas no âmbito artístico-cultural de nossa cidade. Mas, claro, sempre há o que avançar e melhorar. E acredito que já que estão surgindo parcerias com as universidades, seria muito bom iniciar esse dialogo com o IFF, que possui hoje as licenciaturas em Teatro e Música. A cultura e a arte na cidade com certeza terão muito a ganhar realizando parcerias com a academia, num processo de pensar juntos novas formas de intervir artisticamente no bojo da nossa sociedade. A arte é uma ferramenta essencial no trabalhos de inclusão, socialização e re-socialização. Por exemplo, como utilizá-la de modo descentralizado com o intuito de atingir o máximo de pessoas? E essa foi uma questão muito discutida nos dias de ocupação. Um ano passou e hoje nos encontramos com uma gestão limitada financeiramente, mas que pelo menos na parte artística e cultural, se mostra interessante e interessada pela demanda dos artistas locais”.
Michelle Belcanto, atriz, dançarina, professora e ocupante do TB
“Toda e qualquer manifestação artística e cultural é válida. Artista é cheio de fome, é cheio de sede, de inquietações e com um turbilhão de coisas pra propor e realizar. Com o Ocupa TB não foi diferente, tínhamos um bando artistas de várias vertentes que estavam reivindicando a reabertura de um espaço público, um espaço que estimula a produção artística local, que gera renda, que forma plateia, que deixa uma cidade mais alerta. Foram dias de muito aprendizado e companheirismo, dias que tentamos entender ou desvendar o que restava da classe artística de Campos, que parecia ter sido hipnotizada por anos e que está aos poucos revivendo através de novos soldados que estão surgindo.
Levantamos muitas pautas com a finalidade do reavivamento das políticas públicas culturais, pautas ‘gordas’ como chamávamos, para que pudéssemos enxugá-las de acordo com as prioridades. Porém, nenhuma delas foram atendidas até hoje, com exceção da reabertura do Teatro de Bolso, que reabre sem o efetivo conserto do ar condicionado e sem que o nosso desejo de gestão compartilhada fosse atendido — ainda. De certo que este modelo deve ser pensado e repensado diante da estrutura de muitos grupos que temos.
A sensação é: saímos perdedores, após 28 dias de tanta luta sem que pelo menos um desejo fosse atendido e ainda enganados com a promessa de reabertura no prazo de 60 dias (primeiro de 45 dias, depois estendido e igualmente não cumprido). Mas nos sentimos vencedores, de ter ao menos podido chamar a atenção da sociedade para um fato que se agrava na cultura de nossa cidade que era o fim dos equipamentos culturais. Mas a luta ainda nem chegou ao fim e como costumávamos dizer, durante a ocupação: ‘não paramos ainda’.
Hoje, tenho um panorama mais positivo no que tange à gestão pública cultural da cidade. A vontade é muita, no que vejo de meus amigos que estão elencando o grupo de gestores. Precisamos pensar a cultura que fazemos como um plano pro futuro, sem esmolas, sem pires, sem favoritismos. Esperamos que essa vontade realize grande feitos para cultura dessa cidade e desejo que não parem nunca, porque nós, do lado cá, não vamos parar de cobrar jamais. Haverá sempre um ‘vagabundo’ para ocupar com suas artes espaços frustrados”.
Alexandre Ferram, ator e ocupante do TB
“Confesso que foi extremamente triste ter visto o TB naquele estado, um ano atrás. Estou feliz que tenha sido reaberto, mesmo que algumas de nossas pautas ainda não tenham sido atendidas. Vejo que a situação da cultura ainda se encontra caótica. É um imenso desperdício que o Palácio da Cultura ainda esteja parado! Entendo que seria utópico querer que todas as ‘casas culturais’ fossem reabertas de uma só vez. Porém já passou da hora de arrumar algumas coisas por aqui”.
Lua Monteiro, atriz, fotógrafa e ocupante do TB
“Já se passou um ano desde o dia que nos reunimos debaixo da ponte Leonel Brizola e partimos pra ocupação do Teatro de Bolso Procópio Ferreira, o nosso querido TB.
Ocupação essa que duraria três semanas, mas sem que de lá saíssemos os mesmos. Abrimos a porta por baixo, não precisamos de pé-de-cabra, entramos confusos, mas entrar seria o mais fácil.
Penso que estar do palco muda muita coisa, tanto de perspectiva, quanto de empatia. Opinião e sentimento, tudo aflora e vem a aflorar desse lugar de sujeito que é o palco.
E eis aí a arte, produto pouco consumido por esses tempos na planície goytacá. E um representante desse deplorável cenário era o TB, (então) fechado há mais dois anos, com obras paralisadas e nenhuma perspectiva de nada. Motivos pr’uma ocupação mais do que sobravam. Mas mesmo assim ouvimos um tanto de críticas, desde ‘invadiram o espaço e não têm esse direito’, até de que ‘isso tudo não dará em nada’. E, sim, desmerecer nossa luta e chamá-la de vã era o que mais doía, ou pretendiam que doesse. Mas a resposta está dada.
Na verdade, penso que a resposta já fora dada desde aquela época. Respondemos quando enfrentamos um cerco romano promovido pela Guarda Municipal. Enquanto impedia a entrada de água e comida ao TB, esquecia que o teatro já quebrou a quarta parede. Respondemos quando limpamos e reorganizamos em mutirões todo o teatro. Respondemos quando reabrimos o TB para todos e demos oficinas, cursos, exibimos peças, apresentações musicais, circenses, sarais, yoga e o que mais se quisesse fazer. Respondemos quando resistimos! Respondemos quando o TB (re)existiu!
Fomos ponta de lança de um movimento que não era anti-garotinho nem anti-nada — ou não só isso. Éramos, e somos, um movimento pela arte; pela arte como direito!
E só a arte se permite a antropofagia, e o teatro talvez seja o que melhor encarna esse ideário. E na planície só uma arte crítica e antropofágica pode honrar os goytacá!
Ocupa tudo! Viva a arte!”
Johnatan França de Assis, poeta, estudante de psicologia e ocupante do TB
“Estávamos em um intervalo entre aulas no IFF Campus Centro, primeira turma do curso de Licenciatura em Teatro, quando sentamos para ouvir uma amiga de turma e militância que pareceu dar a luz a uma ideia que vinha sendo gerada no nosso inconsciente coletivo. Nascia assim o movimento #Ocupa Teatro de Bolso. Fizemos posteriormente algumas reuniões com um número ainda restrito de artistas, para que pensássemos estratégias de mobilização da classe. O que aconteceu naturalmente, pois esta classe, assim como toda a comunidade, comungavam do mesmo sentimento de indignação para com a antiga gestão do Teatro de Bolso, que estava visivelmente sucateado. Tendo em vista esta conjuntura, com a adesão popular ao movimento, ele foi crescendo vertiginosamente. Marcamos em seguida uma manifestação pacífica que ironicamente sairia em caminhada da vulga Ponte da Rosinha até o Teatro de Bolso Procópio Ferreira, que no passado havia sido ocupado por aquela que dá nome a ponte. Esse encontro tinha algo de mágico, que é bem peculiar da atmosfera teatral. Foi assim que marchamos para consumar aquela ocupação, que se deu de forma pacífica, mas não menos tensa por isso. Enfrentamos face à face a pressão do antigo governo.
A ocupação do Teatro de Bolso foi legítima e deu visibilidade nacional àquela causa. Dentre outras coisas, ela exigia a necessária reforma do teatro, o compartilhamento de sua gestão com a classe artística e maior participação da comunidade na construção das políticas culturais da cidade. No curto prazo foi importante, pois a comunidade enfim teve acessibilidade àquela casa que, por anos, se encontrava de portas fechadas. Durante a ocupação foram realizadas oficinas, apresentações, festivais, recitais e cultos. Os passarinhos estavam soltos, mas sabiam onde era seu ninho! Tinha sempre o suficiente para comer e dormíamos em um templo da arte”.
Saullo Oliveira, ator, estudante de Teatro, músico e ocupante do TB
“Começo salientando que não fiz parte do planejamento da Ocupação, porém a abracei e convivi no Teatro de Bolso quase todos os dias em que este esteve ocupado. O Ocupa Teatro de Bolso foi um movimento que teve como característica mais importante demonstrar na prática a vontade dos artistas de moverem a cultura municipal. Enquanto estávamos ocupados, organizamos e participamos de oficinas, shows, aulas, inclusive organizamos o espaço para uma peça,‘Pontal’, reabrindo o palco do Teatro de Bolso, que de conhecimento público, estava fechado há mais de dois anos. O local estava em situação de descaso, com paredes sujas, mofo, materiais de infra-estrutura caros se desgastando com o tempo e com a falta de manutenção. Dentre suas consequências, destaco a característica principal da ocupação, em minha opinião particular: demonstrar a seriedade que os artistas campistas têm com seus trabalhos, abrir discussões sobre a importância do teatro e da cultura na cidade, onde somos invisíveis e equivocadamente vistos como “vagabundos” e “desnecessários” para grande parte da população, fato demonstrado em muitos comentários sobre o Ocupa TB nas redes sociais, onde fomos julgados de forma agressiva e preconceituosa. Provamos que os artistas campistas existem, são trabalhadores sérios, dignos , dedicados e seus projetos são essenciais para a sociedade, em um espaço físico bem estruturado. Para nós o acesso da população à arte e à cultura é um direito completamente necessário, que não deve ser gravemente agredido, como estava sendo com o Teatro de Bolso desrespeitado e sofrendo sérios descasos do poder público, que praticamente o deixou em situação de abandono”.
Átalo Willian Sirius, ator, estudante de Teatro, carnavalesco e ocupante do TB
“Acho que o movimento é vitorioso, o teatro está aberto e acessível aos grupos e produtores. E acho que a ocupação do teatro foi um ato civil que estimulou a virada do pleito político na cidade. Provou que era possível mudar. Mas, política cultural não é apenas um equipamento cultural aberto e funcionando. Tem todo um somatório de fatores que fazem essa coisa toda funcionar. Reparar os demais espaços, criar novos, deixar que os agentes culturais atuem em parceria com os gestores de forma harmônica e construtiva e renovar as mentalidades. Acho que é um processo que não deve ter amarras, deve ser libertário e permanente. Devemos nos manter em constate estado de ocupação”.
Lívia Amorim, estilista, produtora do coletivo cultural Casinha e ocupante do TB
“Quando Fernando Rossi, em entrevista concedida à minha pesquisa de tese em Sociologia Política pela UENF, caracterizou a sua produção teatral e de sua “geração” dos anos de 1980 como aquela que atuou na “trincheira da resistência”, o jovem ator e diretor campista, naqueles idos, aludia a sua experiência artística e de seus colegas de teatro amador como uma tarefa mobilizada pelo sentimento e prática de “luta” em favor da causa do Teatro de Bolso, inaugurado por meio do engajamento dos artistas campistas ainda na década de 1960.
Este histórico espaço teatral campista, que esteve recorrentemente fechado pelo Poder Público Municipal durante os anos de 1980 sob a justificativa de realização de reformas em seu prédio, simbolizava já a partir daquele tempo, para os grupos campistas de teatro amador, a materialização de uma “estrutura de sentimentos”, categoria cara ao crítico galês Raymond Williams. Isto significa dizer que a luta pela reabertura do Teatro de Bolso, expressa no ato de ocupação deste espaço realizada pelos jovens artistas em meados de 1983, para além da busca por garantia das condições materiais de suas produções teatrais também simbolizou um processo de afirmação de suas identidades artísticas e de seus engajamentos políticos a partir de uma experiência afetiva de luta em nome do teatro.
Depois de mais de três décadas após a histórica ocupação de 1983, jovens artistas de teatro, estudantes secundaristas e ativistas da cultura iniciaram um novo processo de ocupação do Teatro de Bolso em maio de 2016. Em suas pautas, a luta pela reabertura daquele espaço teatral significou também o anseio pela construção, democrática e coletiva, de uma política pública de cultura para a cidade de Campos. A contribuição política verificada com o processo de ocupação do teatro pelos artistas no ano passado, dialogou, de modo fundamental, com o histórico de luta em favor do Teatro de Bolso: o sentimento de luta em nome da questão cultural pelos artistas identificou o Teatro de Bolso como lócus privilegiado para a ativação de um cenário de reconstrução da esfera artístico-cultural local.
Reaberto pela Prefeitura Municipal oficialmente em março deste ano, o Teatro de Bolso, sob a gestão de Fernando Rossi, personagem oriundo das fileiras da geração dos artistas dos anos de 1980 (a qual, não por acaso, caracterizo como “Geração do Teatro de Bolso”) experimenta a reconstrução gradual de sua rotina de produções artísticas como parte do horizonte de formulação de uma política, efetivamente pública e democrática, para a cultura de Campos. O desafio posto para o Teatro de Bolso, neste sentido, é o de ser cotidiamente construído e reconstruído pelos artistas que o reconhecem enquanto uma casa histórica para a vida artística campista, tendo sido criada e recriada por meio das lutas político-culturais que forneceram sentido à sua história”.
Glauber Matias, professor e doutor em sociologia política na Uenf com a tese “Palco e resistência: a geração do Teatro de Bolso”