“Eu quero que meu canto torto, feito faca, corte a carne de vocês”
(Belchior)
É pouco o que faço, mas é o que posso. Sou um passivo cronista do caos, numa formosa vila plana, que já viveu da cana e hoje cata os tesouros dos abismos do pré-sal.
Vontade era de escrever com punhais e todas as variações de armas brancas, aos invés do teclado do computador. O ideal era molhar a ponta da faca, no sangue sujo das jugulares dos mais debochados algozes das Américas e decretar seu degredo para os vazios, a perder de vista, da geográfica solidão que termina nas geleiras do Ártico. Incluindo Trump, naturalmente.
Mas, ao invés da jornada heroica, me contento por expurgar as falanges de demônios que redemoinham em minha raiva civil, com a fidalguia literária que, dizem, caracteriza meus escritos, o meu hereditário bom-mocismo, que me atrai para as margens do Paraíba, onde acabo as tardes, na nostalgia da bossa nova, enquanto o “barquinho vai, a tardinha cai” e mesmo avisado por John Lennon que “o sonho já acabou faz tempo”, espero que um novo band líder de uma nova jovem guarda me resgate do porão da depressão imposta pelo tempo presente e restaure os embalos do “Iê-Iê-Iê”. Isso é o que me resta neste fim de festa.
Quando os dias eram de chumbo, o estado era opressor e homicida; agora é cínico, porque se autoproclama democrático, e pratica o latrocínio institucional; rouba e mata com armas diferentes: epidemias, que já estavam banidas há décadas, doenças intratáveis por falta de equipamentos basilares em hospitais violados e tiros a esmo nas guerrilhas urbanas contra o crime, cada vez mais organizado e economicamente global.
O que me deixa assim, nesse estado, é o licor que, às vezes, bebo além das medidas e uma amargura nesse coração provinciano, que sonhou ser o que não será jamais. A compreensão que minha valentia não me leva pelas vielas deste país saqueado, sob a noite que disfarça a miséria entre homens, mulheres, velhos e crianças, tramando um levante contra o Poder déspota e ladrão. Por mais que isso pareça détraqué.
Mas que nada, depois da notícia crua e cruel que flagra o deputado correndo, pateticamente, entre os carros de um bairro elegante de São Paulo, com a mesada semanal do presidente da República, tudo exposto, como uma fratura, na tela da TV, a indignação passageira dá lugar a comoção que a novela provoca e faz chorar. Roteiro da indefectível indústria cultural. “É esse o povo que temos”, teria dito Prestes sobre a índole passiva do brasileiro “profissão: esperança”
Darcy Ribeiro e Gilberto Freyre já decodificaram o DNA do brasileiro, que, diferente do “negro norte, americano forte com o brinco de ouro na orelha”, reza por seu patrão, quando ainda nem estão, definitivamente, cicatrizadas as vergastadas nas suas costas.
Há muito tempo, que o dramaturgo “pernambucano” que nasceu na Paraíba, mestre Ariano Suassuna fala que existe o Brasil real e o Brasil oficial. Cada vez mais divorciados, mais distantes. O Brasil real é o seu povo pacífico, resignado, generoso e trabalhador explorado. O Brasil oficial é o país do Temer atemporal, da máquina paquidérmica, perdulária, escandalosa, irremediável, herdeira do Primeiro Império, adúltero, patrão de mercenários.
Continuamos assim: elite e plebe. Nesse contexto histórico que alternou personagens, mas não mudou suas origens, não cabe discussões ideológicas ou posições políticas. Não percamos tempo e energia com esta pendenga inútil. A contenda, senhores, é entre quem rouba mais e quem rouba menos. E só.
Versos de um poema de Maiakóvski iluminam, a história de nossas dores: “(…)Nestes últimos vinte anos nada de novo há no rugir das tempestades”.