Como é sabido, um dia, a mulher já foi restrita ao afazeres do lar, enquanto o homem tinha a responsabilidade financeira do sustento. Com o tempo, essa responsabilidade passou a ser compartilhada, ambos passaram a trabalhar fora e a serem, juntos, responsáveis pela renda familiar. Podemos entender essa nova condição como um avanço para a mulher, que expandiu seus domínios e habilidades. O homem, por sua vez, permaneceu em sua zona de conforto e, de uma forma geral, não expandiu sua área de atuação, não aprendeu os afazeres de casa. E o trabalho — dentro e fora — não foram divididos de forma equilibrada.
É claro que cada família se organiza como bem quer e ninguém tem nada com isso, também é óbvio que as observações anteriores são generalizantes e nem todos os casos se encaixarão nelas. Mas é muito comum observar mulheres, de todos os tipos, nitidamente sobrecarregadas, de todas as gerações, profissões, e até mesmo as que são sustentadas.
Se eu fosse mãe teria propriedade pra dizer que estamos errando na criação dos meninos, eles crescem dando “ajudinhas” em casa, como colocar o lixo pra fora, passear com o cachorro e trocar uma lâmpada, sem nenhuma preocupação com a organização do lar. Se tornam adultos sem iniciativa doméstica, e é possível que se vangloriem pelo lixo, cachorro e lâmpada. Enquanto a mulher se desdobra em várias para dar conta das compras, comida, roupa, banheiro, filhos, trabalho e de si. Sim, beleza e bom humor também são exigidos dela.
Nesse contexto de sobrecarga, surgem as empregadas domésticas e as babás e com elas a terceirização de um tipo de afeto — tomar conta é um tipo de afeto, alimentar os outros é uma forma de amor, cuidar da casa deveria integrar a família, que, em um mundo ideal, trabalharia como equipe. Surgem, então, os dedos apontando a mulher como culpada por ter saído para trabalhar fora de casa. Vejam vocês, elas expandem suas áreas de atuação e ainda são criticadas.
Parece démodé essa discussão, mas as mulheres vivem esse dilema até hoje – querem e/ou precisam trabalhar fora e não podem contar com o parceiro para a divisão de tarefas em casa. Até mesmo as que são sustentadas, não são sustentadas “gratuitamente”, estão sob a rédea dos horários e desejos do marido, talvez para elas a pressão seja ainda maior.
Ontem eu fui ao salão de beleza (coisa que não faço com regularidade), e no ambiente de manicure com outras mulheres havia uma cliente inquieta, receosa de que o marido passasse para buscá-la antes do término de sua unha. A mesma mulher, que estava com um filhinho pequeno e vestia roupas de ginástica, comentara sobre o silicone que havia ganhado do marido e mostrara os seios a todas que ali estavam. Eu achei tudo muito esquisito, mas fiquei quieta, não tenho nada com isso. Só que essa atitude de levantar a blusa e exibir os peitos como quem mostra um aplicativo no celular me chamou muito a atenção e eu parei para repará-la: expressão acelerada, olheiras, magra, roupas de ginástica, vinda da academia, loira, cabelo impecável, unhas de silicone, peito empinado, filho pequeno (provavelmente o silicone veio depois da amamentação)… O celular tocou, ela atendeu rapidamente, e com cuidado, desceu uns dois tons ao falar com ele, a manicure brincou “sensualizando a voz, ela ama muito esse homem”…
A voz parecia um misto de idolatria e medo. Parecia. As pessoas chamam de “amor” um monte de coisa que talvez não seja. Fiquei quieta, não tenho nada com isso. Mas pensei naquele corpo magro, as olheiras, o filho, o receio de atrapalhar o marido, a pressa, o silicone, a obrigação de agradar. Sim, há muita expectativa e obrigação sobre as “bonecas de luxo”, e, ao contrário do que a gente pensa, talvez não seja tão fácil e nem tão confortável. Depende do que cada um considera conforto.
Parando para pensar bem, batalhadoras independentes, donas de casa ou barbies bancadas, somos todas oprimidas pela obrigação de provar, a todo momento, que somos boas no que fazemos, “apesar” de mulheres. Isso indigna a algumas poucas, mas aproxima a todas nós.