Ontem, quinta-feira, saiu mais uma pesquisa Ibope[1] sobre a intenção de votos para Presidência da República nas eleições deste ano. Vou tratar daquilo que vem me chamando a atenção nos últimos processos eleitorais. E, me parece, segundo mais esta pesquisa, que não será diferente neste ano: o crescimento dos votos nulos e brancos.
Na pesquisa ‘estimulada’ (aquela onde se apresenta os nomes dos candidatos) com Lula candidato, temos 22% de nulos/brancos, que se somar aos 6% que ‘não sabe ou não respondeu’, dão 28%. Sem Lula como candidato, temos 33% e 8% respectivamente, num total de 41%. Na pesquisa ‘espontânea’ (aquela que não apresenta os nomes dos candidatos – nesta, também o Lula estava em primeiro lugar), o percentual de nulos/brancos é de 31%, com 28% no ‘não sabe ou não respondeu’, em total de 59%.
Qualquer pesquisa rápida em fonte segura na internet vai constatar que estes percentuais estão crescendo em eleições majoritárias e municipais nos últimos anos/pleitos. E, contando com as margens de erro ‘pra lá e pra cá’, os números são preocupantes a ponto de ousar afirmar que são necessárias mais pesquisas, claro que mais sistematizadas, aos moldes da universidade, para compreender as razões desse crescimento. Neste momento quero apenas pautar minhas inquietações, suspeitas e hipóteses sobre este assunto.
Antes, quero deixar claro que respeito este posicionamento político-eleitoral. Não vou julgá-lo. Posso até não concordar, mas, jamais vou sentenciá-lo! Muito menos rotular o ato e pessoas, em especial, com impropérios! Faz parte da democracia esse posicionamento. E em nosso próprio sistema eleitoral é previsto e oferecido as opções. É evidente que quanto mais cidadãos participam de um processo de escolha, mais fortalece e mais legitima o resultado e a prática de relações de poder democráticas. Quanto a isso não tenho dúvida alguma até aqui.
Votar nulo ou em branco é uma forma de manifestar ideias, posicionamentos e comportamentos no âmbito da vida política, não se reduzindo apenas ao rótulo da alienação. Por exemplo, pode significar sim ‘um tanto faz’ para ‘o bem ou para o mal’ ou mostrar que no ‘elenco de candidatos’ não se sente representado por nenhum deles. Não posso condenar ninguém por pensar assim em momentos eleitorais. Acho imprescindível, a cada pleito, ‘fazer leituras’ desses percentuais que estão sempre presentes, mesmo que os índices sejam baixos ou ínfimos/desprezíveis. Eles sempre dizem alguma coisa sobre a realidade local, regional e nacional. Eles sempre expressam visões de mundo.
Exatamente por isso — expressar ideias e comportamentos existentes na sociedade real —, sinto-me de uns anos para cá preocupada com os ‘números desse tipo de voto’. Eles já passaram, para mim, do que chamamos de razoabilidade ou de previsibilidade em nosso contexto sócio-histórico. Algo de novo está no ar na vida política brasileira, trazido pelo crescimento expressivo dessa forma de votar e de vivenciar as relações de poder. Suponho que haverá implicações tamanhas para o avanço ou não da nossa jovem democracia se ficarmos indiferentes ou se reduzirmos tudo ao ‘analfabetismo político’!
Por que será que CRESCE o número de pessoas que falam: ‘eu odeio política’? Ou, que ‘nenhum político presta’? E mais, num tempo de curta duração, se pensarmos que a primeira eleição direta depois da Ditadura empresarial-militar ainda não fez trinta anos? E que nesses 29 anos tivemos conservadores e progressistas e também um mix deles no poder?
Não me satisfazem respostas que buscam explicar tal fenômeno, como: ‘foi a Rede Globo’, ou ‘foi o golpe de 2016’, ou ‘foi a corrupção’, e parar por aí! Eu ficaria super confortável pensando assim! Mas não consigo! Globo e golpe fazem parte. A corrupção também. Porém se compreendo que o crescimento dos votos nulos e brancos é fruto de um processo histórico, não posso ‘ler somente as partes isoladas de um todo’. Nem posso justificar tal quadro apenas porque este fenômeno está acontecendo em outros países e por isso está acontecendo aqui. Para mim não basta!
É claro que existem razões comuns e intercessões entre o mundo e nós, e entre nós e o mundo. Mas, dialeticamente pensando, temos as razões próprias/internas desse processo, deixadas muitas vezes de lado, por nossas esquerdas e direitas, tal como uma tradicional relação ‘senhor e servo’ com o mundo (rico!).
Pensar a ‘partir de nós’ na vida política, como ponto de partida e/ou de chegada, tem sido muito difícil e não é de agora! Exige, em especial, não se alimentar da miséria material e imaterial de nós mesmos, ou seja, de uma sociedade construída de certa forma até aqui. Os nossos crescentes ‘votos nulos e brancos’ (que vem de diversas frações de classes), no seu silêncio, podem representar um ato de discordar com o que foi feito; pode ser um ato extremo, um pedagógico grito: ‘acordem desse berço’! ‘Acordem’, não há mais lugar ‘para o mais do mesmo’!
O crescimento dos ‘votos nulos e brancos’ pode estar também articulado à infeliz e letal despolitização emancipadora empreendida por omissão e/ou por estratégia dos governos lulistas, negando suas origens históricas, utilizando da cooptação ou da força ‘bruta’ com os movimentos sociais tradicionais, por exemplo.
Se as razões para os números desses votos trazidos pela última pesquisa do Ibope, passarem pelas ideias levantadas, e, se eles se tornarem tendência à realização, teremos no futuro próximo um desafio político enorme e novo — decifrar o enigma de uma jovem democracia, que viveu em todo o seu tempo numa realidade econômico-financeira de crise estrutural, que teve conservadores e progressistas em seu leme, que terá em pouco tempo quase metade de seus cidadãos eleitores votando nulo ou branco. Parece estranho, mas seria como se cada voz ‘dessa quase metade’ afirmasse: ‘eu sei o que eu não quero. O que quero…ainda não sei”.
Em outras palavras, a porta do potencial para ‘rir ou para chorar’ estará aberta.
[1] Fonte: https://g1.globo.com/politica/
Muito lúcida a explanação. Parabéns à jornalista
Ainda acho que vai surgir um “Salvador da Pátria “ .Um herói