Desde o impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff (PT), o debate nacional tem sua realidade pautada no mundo virtual. Foi nas redes sociais que um diretor da Conspiração Filmes, de sólida formação cultural, passou a ganhar notoriedade como formador de opinião. E delas saiu para tentar uma vaga à Câmara Federal pelo Novo. Ricardo Rangel se tornou conhecido tanto por suas críticas ao lulopetismo, quanto à sua reprodução em papel carbono na nossa “pior direita”. Ele defende a queda de Dilma — “estava nos levando à destruição” — e a prisão de Lula, enquanto afirma: “Bolsonaro é o candidato mais despreparado que já tivemos”.
Folha da Manhã – Como e por que um sócio-diretor da Conspiração Filmes, maior produtora de audiovisual do Brasil, decide entrar na política, se candidatando a deputado federal?
Ricardo Rangel – Acredito que o Brasil chegou a esta situação calamitosa porque as pessoas decentes e comuns da sociedade civil se afastaram da política. Quanto menos nos envolvemos, pior a política fica. E quanto pior fica, menos queremos nos envolver. Para romper esse círculo vicioso, é preciso que as pessoas decentes e comuns voltem a se envolver em política. Daí minha decisão. Naturalmente, contou na decisão o fato de eu estar num momento da vida que me permite isso.
Folha – Com o advento do Facebook, você se tornou um formador de opinião do novo mundo virtual. A partir de 2014, com o início da operação Lava Jato e a acirrada disputa presidencial entre Dilma e Aécio, redundando no impeachment da primeira dois anos depois, você se tornou conhecido como severo crítico do lulopetismo. O Brasil ficou melhor com a queda de Dilma, a ascensão de Temer e a prisão de Lula?
Ricardo – Digamos que acho que o Brasil está melhor do que estaria se tivéssemos continuado no caminho em que estávamos. Dilma estava nos levando à destruição. Temer, num primeiro momento, foi positivo, conseguiu aprovar coisas importantes como o teto de gastos e a reforma trabalhista. Depois da gravação do Joesley, entretanto, Temer se tornou um morto-vivo, incapaz de fazer coisa alguma. E o país está imobilizado desde então. Quanto a Lula, sua prisão é boa no sentido de que é bom que se cumpra a lei, o que não é comum no Brasil. A lamentar apenas a recorrente narrativa fantasiosa do golpe, que dificulta a reconciliação entre petistas e não-petistas.
Folha – Inegável que o Brasil teve avanços sociais nos 13 anos de administração petista. Mas, economicamente, passou a errar já no segundo governo Lula, com o PIB elevado a “chineses” 7,53% em 2010, para eleger Dilma a primeira vez. A conta veio com desemprego, fechamento ou encolhimento das empresas e maquiagem de números, inclusive nas famosas “pedaladas fiscais”, que levaram ao impeachment e à maior recessão da nossa história recente. James Carville, estrategista de campanha do ex-presidente estadunidense Bill Clinton, estava certo: “é a economia, estúpido?”
Ricardo – Os 7,53% do PIB em 2010 foram o refluxo do crescimento zero em 2009, resultado da crise global decorrente da bolha imobiliária nos Estados Unidos. Na média daqueles anos, o Brasil cresceu menos do que os Brics e a América Latina. Mas, voltando para o Jim Carville, eu acho que ele tem razão: a economia continua sendo o principal, especialmente num país com as dificuldades do nosso. A corrupção deixa todo mundo indignado, mas o escândalo do Mensalão não impediu Lula de se reeleger em 2006. E a Lava Jato não impediu Dilma de se reeleger em 2014. Se não estivéssemos em recessão, não teria havido impeachment.
Folha – A inteligência política de Lula é inegável. Por isso mesmo, acredita que seu maior erro foi escolher Dilma como sua sucessora? E da ex-presidente, entre tantos equívocos, seu maior foi manter Guido Mantega na Fazenda e aumentar a aposta no nacional-desenvolvimentismo? Ou foi sua tentativa de girar 180º com o liberal Joaquim Levy, tentando salvar o que já parecia perdido no começo do seu segundo governo?
Ricardo – Sim, a escolha de Dilma foi o maior erro de Lula. Ele tem isso de não deixar ninguém sobressair, queria alguém que ele pudesse controlar. Mas há uma parte que é o imponderável. Ninguém sabe como teria sido a relação de Lula com Dilma, se ele não tivesse tido o câncer. Quanto a Dilma, seu maior erro não foi Mantega, Mantega apenas fazia o que ela mandava. E Levy era um dois de paus, nunca mandou nada. O Brasil não mudou de rumo com sua nomeação. O maior erro de Dilma foi sua própria arrogância. Ela não ouve ninguém, e, quando erra, insiste no erro até o fim.
Folha – Na última quarta (01), o presidente do TSE, ministro Luiz Fux, negou um pedido de inelegibilidade de Lula. Mas antecipou (aqui) seu juízo sobre a condição do ex-presidente, enquadrado pela Lei da Ficha Limpa: “inelegibilidade chapada”. Após o abraço de afogado no governo Dilma, a esquerda brasileira se deixa arrastar em outro mergulho profundo na insistência com Lula?
Ricardo – Sem dúvida. A insistência de Lula em lançar sua própria candidatura, e o atraso em escolher outro candidato, pode ser um golpe de misericórdia no PT. Já o acordo com o PSB parece ter inviabilizado Ciro. A esquerda que defende Lula, incluindo Ciro, vai se tornando menos relevante. Sobra a esquerda independente, de Marina, que tem suas próprias dificuldades.
Folha – O primeiro marco capital das redes sociais na vida pública se deu na eleição de Barack Obama à presidência dos EUA, em 2008. Depois, entre 2010 e 2012, a Primavera Árabe balançou o mundo islâmico em três continentes. No Brasil, o fenômeno se repetiu nas Jornadas de Junho de 2013, prenúncio do que aconteceria entre 2015 e 2016, quando as ruas impuseram o impeachment de Dilma. No novo método, a direita brasileira superou a esquerda, que perdeu as ruas e o poder?
Ricardo – Acho que qualquer afirmação sobre a direita brasileira é enganosa, porque ninguém sabe mais o que é direita. No Brasil, parece que qualquer coisa que não seja o PT e seus satélites é direita. Vai de Bolsonaro ao PSDB, o que, claro, não faz sentido nenhum. Ou não deveria fazer. “Esquerda” virou uma espécie de marca fantasia para designar todo mundo que defende Lula. Mas creio que o importante, tanto em 2013 como agora, é que a população está dando um recado de profunda insatisfação com a situação que vivemos e com os políticos. O voto em Bolsonaro é menos a favor dele do que contra todo o resto.
Folha – Protagonista dos protestos pelo impeachment, o MBL depois enveredou por outras questões polêmicas, como a cruzada contra a arte e os artistas brasileiros (aqui) em 2017. Agora, em 2018, a pouco mais de dois meses da eleição, o movimento teve (aqui) 196 páginas do Facebook e os 87 perfis falsos que as operavam excluídos. Seus defensores acusaram “censura” e comemoraram um pedido de explicação do MPF de Goiás. Não é irônico que quem prega menos intervenção do Estado na iniciativa privada, celebre uma ação do Estado (o MPF) sobre a empresa de Mark Zuckerberg?
Ricardo – Claro, não faz sentido nenhum. Ou bem você acha que o Facebook é uma empresa como outra qualquer, e os usuários que se consideram lesados por conta de quebra de contrato que entrem na Justiça, sem que o MPF tenha nada com isso; ou bem você acha que o Facebook deve ser regulado. Neste caso, quem regula é uma agência, de acordo com legislação criada pelo Congresso, e o MPF continua não tendo nada com isso. O MBL, assim como a maioria dos autoproclamados liberais brasileiros, nada tem de liberal.
Folha – Com a recessão, a Lava Jato e a ameação de impeachment, o PT passu a investir no conceito marxista da “luta de classes” como argumento de defesa. E, na base do “nós contra eles”, reproduziu em papel carbono esse radicalismo histérico de direita. Também não é irônico que um conceito europeu do séc. XIX, aplicado pela esquerda ao Brasil do séc. XXI, tenha estimulado o crescimento de uma direita que lembra o pior produzido pelo homem no séc. XX?
Ricardo – O PT, Lula em particular, sempre teve a atitude do “só nós somos virtuosos”. Ele investe no “nós x eles” desde a eleição de 1989. É dos maiores desserviços que faz ao país. Insistir nisso é ridículo, especialmente depois do que a Lava Jato revelou. Sim, é uma ironia, mas a esquerda é a maior responsável pelo crescimento da pior direita que temos.
Folha – A sabatina de Jair Bolsonaro (PSL) no Roda Viva, na última segunda (30), foi (aqui) um sucesso estrondoso de público, superado apenas pela entrevista do juiz federal Sérgio Moro ao programa. No dia seguinte, saiu uma pesquisa do instituto Paraná que colocou Bolsonaro atrás só de Lula, com diferença de 7,2 pontos percentuais. Sem Lula, o ex-capitão do Exército liderou com diferença média de 10 pontos à frente de Marina Silva (Rede) e Ciro Gomes (PDT), empatados tecnicamente na margem de erro. A oito semanas das urnas, é possível projetar um segundo turno sem Bolsonaro?
Ricardo – Só há uma única previsão que eu me permito fazer. Mesmo assim, com muita cautela, porque há petistas, como Jacques Wagner, que ainda tentam um acordo com o PDT. Mas o que acho é que Ciro e o PT estarão fora do segundo turno. Ciro por sua espantosa capacidade de autodestruição e o PT por sua subserviência a Lula. Quanto mais o PT demorar para anunciar seu candidato, menos votos terá. E menos importante se tornará. Agora mesmo, o Centrão, que apoiou Lula e Dilma, fechou com Alckmin, em parte por não saber quem é o candidato do PT. A insistência em fazer o que é bom para Lula, em vez de fazer o que é bom para o partido, pode ser a destruição do PT.
Folha – Em outubro do ano passado, antes de Lula ser preso, mas já seguido por Bolsonaro nas pesquisas, o repórter estadunidense Ryan Lizza, da revista New Yorker, advertiu (aqui) em passagem pelo Brasil: “É interessante que os jornalistas americanos tenham subestimado Donald Trump. O que me perguntam é se o público ou a mídia deveriam levar a sério candidatos bizarros como ele. Minha resposta é: sim, nós temos que levar essas pessoas a sério”. Como avalia Trump e o comportamento da imprensa brasileira, bastante criticado no Roda Viva, com Bolsonaro?
Ricardo – Considero que Trump e Bolsonaro têm muito em comum: são toscos, despreparados, clowns e vestem o figurino de outsider, que não cabe bem em Bolsonaro. Acho o comportamento da imprensa com Bolsonaro, e já digo isso há mais de um ano, lamentável. Bolsonaro é um candidato competitivo, e deve ser tratado como tal. A imprensa parece querer desmascará-lo, inviabilizá-lo, o que é um erro duplo. Primeiro porque é tendencioso, pouco profissional. Segundo porque é contraproducente: a melhor maneira de desmascará-lo é fazer-lhe perguntas honestas e deixá-lo responder. Bolsonaro é o candidato mais despreparado que já tivemos.
Folha – Presidenciável do seu partido (Novo), João Amôedo chegou ao máximo de 1,1% de intenção de voto, nos três cenários da pesquisa Paraná. Como parece impossível que ultrapasse o primeiro turno, qual deveria ser o objetivo real da candidatura até lá? Visto que Bolsonaro apresenta uma proposta liberal da economia, com seu “Posto Ipiranga” Paulo Guedes, é possível que o Novo o apoie num eventual segundo turno contra Marina ou Ciro?
Ricardo – Creio que o principal objetivo da candidatura deveria ser eleger o maior número de deputados federais. Não considero que Bolsonaro apresente uma proposta liberal em campo nenhum. Ele passou a vida sendo a favor de um Estado grande, autoritário e intervencionista. Essa roupa de liberal não lhe cabe, e volta e meia ele deixa isso claro. Ninguém prestou atenção no que Bolsonaro disse de mais preocupante: se Paulo Guedes sair, o que acho certo que aconteça, ele não sabe o que fazer. Eu não sou dirigente do partido, nem falo em seu nome, mas acho improvável que, no caso de Amoedo não passar ao segundo turno, o partido apoie alguém.
Folha – Além do Roda Viva, a GloboNews dedicou a semana a sabatinar (aqui) os presidenciáveis mais bem colocados nas pesquisas. Esta pauta está sendo feita antes das duas últimas: Geraldo Alckmin, na quinta (02), e Bolsonaro, na sexta (03). Mas nas três primeiras, Marina e Ciro tiveram desempenhos consistentes. Como são os dois mais próximos a Bolsonaro nas pesquisas, como os enxerga?
Ricardo – Ciro é um homem inteligente e preparado, mas com ideias arcaicas, de 50 anos atrás. Sem falar que é autoritário e destemperado, não agrega. Se fizer o que promete, levará o país para trás. Mas, como mente muito, ninguém sabe o que realmente fará. Marina é uma mulher inteligente, democrata legítima, que agrega e respeita os outros, com uma história de superação. Mas ainda tem o ranço da esquerda, apresentando dificuldade com itens da agenda de modernização, como reforma da Previdência, reforma trabalhista, privatização etc. A maior dificuldade de Marina é com a tomada de decisão, falta-lhe firmeza. Marina é melhor para o Brasil, e tem mais chance, até porque Ciro tende a se autodestruir.
Folha – Sem decolar nas pesquisas, Alckmin se aliou ao Centrão. Por isso terá bem mais tempo de TV que os demais candidatos. Mas o tucano levou consigo o que há de mais fisiológico na política brasileira. Os líderes do Centrão sequer escondem que é uma tentativa de sobrevivência de quem está encurralado pela Lava Jato. Por esses entorno e objetivo, a candidatura de Alckmin não se torna também um risco à democracia?
Ricardo – Não sei se se torna um risco à democracia, ou, pelo menos a esse tipo de democracia que temos há um bom tempo. Afinal, é mais do mesmo, mais presidencialismo de cooptação. É certo que é difícil acreditar que podemos avançar com qualquer um dos pontos necessários ao país. Há quatro candidatos em primeiro lugar. Bolsonaro e Ciro representam o atraso, cada um de uma maneira. Curiosamente, são mais parecidos do que gostam de admitir. Quem acredita que Bolsonaro deixou de ser o autoritário intervencionista que sempre foi e se tornou um liberal? Marina ainda não abandonou alguns ideais arcaicos, e continua com dificuldade para falar com tranquilidade de temas como privatização, reforma da Previdência. Alckmin é quem tem a agenda mais modernizadora, mas é apoiado pelo que há de mais atrasado no país.
Folha – Você foi francamente favorável à intervenção militar na Segurança do Estado do Rio. Ela não tem o apoio de nenhum dos presidenciáveis à frente nas pesquisas, nem Bolsonaro, e até hoje não conseguiu sequer esclarecer o assassinato da vereadora Marielle Franco (Psol) e do motorista Anderson Gomes. Não foi um fracasso?
Ricardo – Eu já era favorável a uma intervenção desde mais de um ano antes, já que o governador não tem a capacidade de governar há tempos. Discordo da expressão “intervenção militar”, já que intervenção ocorreu dentro das provisões constitucionais, decidida por um presidente civil, a cargo de um ministro civil. A intervenção teve muitos erros: deveria ter sido completa, destituindo o governador; o interventor não deveria ser militar; foi improvisada e decidida por motivos eleitoreiros. Mas não fazer nada, deixar como estava, me parecia pior. Dito isso, é difícil dizer que a intervenção não é um fracasso, já que se passaram quatro meses e continua tudo na mesma, ou pior.
Folha – O Novo terá candidato próprio a governador do Rio: Marcelo Trindade. Caso se confirme a polarização anunciada entre Eduardo Paes (DEM) e Romário Faria (Pode), com quem o partido caminharia?
Ricardo – A campanha ainda nem começou, e Marcelo vai surpreender quem não o conhece. Vamos deixar para atravessar essa ponte se e quando chegarmos ao rio.
Publicado hoje (05) na Folha da Manhã