Artigo do final de semana — Sobre Michael Jordan e Gil Vianna

 

Michael Jordan e Gil Vianna (Montagem: Eliabe de Souza, o Cássio Jr.)

 

Sobre Michael Jordan e Gil Vianna

 

Nestes tempos de pandemia da Covid-19, quando a maioria que não trabalha em serviços essenciais está — ou deveria estar — em casa, a saga de um dos maiores ídolos do esporte foi revisitada pelo mundo. Gravada pela ESPN dos EUA e lançada internacionalmente pela Netflix, a série “The Last Dance” (no Brasil: “Arremesso Final”) conta a história do gênio do basquete Michael Jordan. Que comandou o lendário time do Chicago Bulls dos anos 1990. Dirigido por Jason Heir, o documentário de 10 episódios é didático para além dos iniciados. Revela a grandeza do talvez maior atleta dos esportes coletivos em todos os tempos. Mas não deixa de apresentar suas falhas e fraquezas como homem.

 

Scottie Pippen, melhor parceiro nas quadras de Michael Jordan, no documentário da ESPN para a Netflix que tem feito grande sucesso no mundo

 

Jordan entrou para o basquete profissional da NBA nos anos 1980. Quando seu esporte foi dominado por dois outros gênios: Magic Johnson, do Los Angeles Lakers; e Larry Bird, do Boston Celtics. O primeiro foi campeão da NBA cinco vezes; o segundo, três. Com eles aprendeu e neles se espelhou para, na década seguinte, superar a ambos.

 

Adversários na quadra e amigos fora dela, Larry Bird e Magic Johnson disputaram o título de melhor jogador de basquete do mundo nos anos 1980

 

Entre 1990 e 1998, Jordan disputou seis vezes o título da maior e mais competitiva liga de basquete da Terra. Nas seis vezes chamou o jogo para si, foi campeão e eleito o melhor jogador das finais em todas. Nas duas últimas que disputou, contra o mesmo Utah Jazz dos craques Karl Malone e John Stockton, teve um jogo comentado na TV pelo ex-jogador Marcel. Por ser de um brasileiro, não está no documentário dos EUA, mas define a distância de Jordan, na sua área de expressão humana, aos demais seres humanos da Terra:

 

Apesar das derrotas em duas finais para o Bulls de Jordan, John Stockton e Karl Malone formaram no Utah Jazz uma das maiores duplas do basquete

 

— Entrarão nesta quadra 10 jogadores de basquete fantásticos. Qualquer um deles, se jogasse em qualquer outro lugar, que não a NBA, estaria entre os maiores de todos os tempos. Mas há um entre esses 10 que transforma os outros nove em medíocres. E esse um é Michael Jordan! — sentenciou Marcel, ex-ala da Seleção Brasileira de basquete, na qual brilhou por quase duas décadas ao lado de Oscar Schmidt. Inclusive quando os dois foram campeões do inesquecível Pan-Americano de Indianápolis em 1987. Bateram na final os donos da casa por 120 x 115, no primeiro jogo da história em que a seleção de basquete dos EUA perdeu dentro dos EUA.

 

 

A humilhação imposta pelo Brasil de Marcel e Oscar foi a senha para a entrada dos profissionais da NBA na seleção de basquete dos EUA, antes restrita aos seus jogadores universitários. E gerou o Dream Team das Olimpíadas de Barcelona, em 1992, na qual Michael Jordan brilhou, ao lado dos dois grandes da década anterior que suplantou: Magic Johnson e Larry Bird. Coube a este, após enfrentar Jordan nas quadras em 1986 pelos play-offs da NBA, definir a então jovem promessa:

 

Larry Bird, Michael Jordan e Magic Johnson, três maiores astros do Dream Team nas Olímpiadas de Barcelona, em 1992, primeira seleção de basquete dos EUA com os profissionais na NBA

 

— Vi Deus na quadra. E ele estava disfarçado de Michael Jordan — profetizou um atônito Bird, cujo Boston Celtics venceria o Chicago Bulls, como depois o campeonato. Ainda assim, assistiu naquele jogo a Jordan marcar 63 pontos, dar seis assistências, pegar cinco rebotes, roubar três bolas e dar dois tocos. Estatisticamente, é até hoje a maior atuação de um jogador de basquete em partida dos play-offs da NBA, após a temporada regular.

 

 

Diferente de Michael Jordan, talvez a maior virtude do deputado estadual Gil Vianna (PSL) fosse ser um homem comum. Foi policial militar durante 26 anos, vereador duas vezes, assumiu uma cadeira na Assembleia Legislativa na condição de suplente, antes de conquistá-la nas urnas de 2018. Tinha 54 anos, deixou mulher e três filhos ao morrer de Covid-19 na noite da última terça (19), na UTI do Hospital da Unimed em Campos. Não sonhava em ser o melhor do mundo, mas queria ser prefeito da sua cidade. Intenção que reafirmou (confira aqui) ao Folha no Ar, da Folha FM 98,3, na manhã de 27 de janeiro, no qual se disse “pré-candidatíssimo a prefeito”. Criada por ele, a expressão passou a ser adotada por outros pré-candidatos, não só a prefeito de Campos, como de outros municípios.

 

Gil Vianna no programa Folha no Ar, da Folha FM 98,3

 

No programa ao vivo de rádio, Gil apresentou seu currículo. E se orgulhava dele:

— Meu pai era garçom, todo mundo conhecia o Gil Beiçola em Campos, tem uma história muito bacana. Minha mãe era costureira, muito humilde, cuidou de cinco filhos. Passamos dificuldades; só não passei fome. Meu pai me colocou para trabalhar, tenho carteira assinada desde os 14 anos de idade. Estudei, trabalhei, servi ao Exército Brasileiro. Entrei na polícia com 19 para 20 anos e fiquei quase 27 anos. Entrei na política pela história da minha filha, que era especial, a Gabriela. E deixou uma história muito linda na família, de amizade, de compaixão, de comprometimento com as pessoas. E estou no meu quatro mandato. Ou seja, eu tenho a minha história. Tenho orgulho da minha pessoa, tenho orgulho de ser político, não tenho vergonha. Eu nunca me envolvi em nada errado, de denúncia, de processo.

Para se reforçar na condição de pré-candidatíssimo a prefeito, Gil esperava contar com o apoio do clã presidencial dos Bolsonaro, ainda popular em Campos. Sobretudo a partir da sua ligação pessoal com o senador Flávio, às voltas com as investigações de “rachadinha” quando era deputado estadual. Após Gil permanecer no PSL e na bancada de apoio ao governador Wilson Witzel (PSL), rompido com o bolsonarismo, a ponte política com Flávio ficou mais difícil. Sobretudo depois que o filho mais velho do presidente foi para o Republicanos. Braço político da Igreja Universal do Reino de Deus, é o mesmo partido prefeito carioca Marcelo Crivella. E do jornalista e ex-vereador Alexandre Tadeu, também pré-candidato a prefeito de Campos.

 

Senador Flávio Bolsonaro e Gil Vianna

 

Por conta dessas idas e vindas naturais da política real, Gil passou a ser atacado pelos que brincam de política nas redes sociais. Aos quais respondeu naquele Folha no Ar de janeiro:

— Sinceramente, essa coisa da direita em Campos, tem vários grupos… Eu ia usar uma palavra aqui, mas não vou nem falar… Sei lá, é que é tanta idiotice que eu vejo… Ficam falando tanta besteira, se intitulam donos não sei de que, que é direita lá, direita cá. A gente está vivendo no século 21, cara, a gente tem que parar com isso, de picuinha, de birrinha, de falácia, muita conversa fiada. As pessoas querem se promover através da política. E a política não tem mais espaço para fofoca, para amador.

 

Protesto bolsonarista contra o lockdown do último domingo (17) na praça São Salvador (Foto: Rodrigo Silveira – Folha da Manhã)

 

Não por coincidência, esses mesmos militantes do bolsonarismo em Campos, que atacaram e foram respondidos por Gil, promoveram (confira aqui) um protesto no último domingo (17). Pelo qual três foram presos e autuados criminalmente na 134ª DP, no artigo 168 do Código Penal. Contrariando as regras sanitárias de isolamento social, menos de 150 pessoas foram à praça São Salvador e à Câmara Municipal, contra o lockdown anunciado pelo governo Rafael Diniz (Cidadania) ao município na sexta (16). Que passaria a vigorar na segunda (18), para tentar conter a pandemia da Covid-19 que mataria Gil na terça

 

Protesto bolsonarista contra o lockdown do domingo (17) na Câmara Municipal (Foto: Rodrigo Silveira – Folha da Manhã)

.

Um pouco antes, já internado na Unimed, Gil disse em áudio de WhtasApp sobre a doença: “Ninguém está livre não, rapaz!”. Infelizmente, foi preciso que ele morresse, para que muita gente da cidade finalmente se rendesse ao seu alerta. E deixasse de lado a “idiotice” e a “conversa fiada”.

 

 

Jordan mudou o mundo por ser um gênio. Gil mudou a cidade que queria governar por ser um homem. Como bem definiu alguém que o conheceu fora da política, um “lutador da vida”.

 

Publicado hoje (23) na Folha da Manhã

 

fb-share-icon0
Tweet 20
Pin Share20

Deixe um comentário