Já externei ressalvas (confira aqui) à baixa inteligência emocional e política do identitarismo e seu “lugar de fala”. Como também orgulho pela identificação pessoal e histórica com minhas origens índia, negra e portuguesa. Entre uma coisa e outra, como reagir ao capitão do mato que o capitão colocou na Fundação Cultural Palmares para perseguir negros que não negam o racismo no Brasil?
Lacaio negro do senhor branco, o tal Sérgio Camargo hoje anunciou no pelourinho bolsonarista das redes sociais que excluiu a ex-senadora Marina Silva (Rede) da lista de personalidades negras da Fundação Palmares. Segundo ele, ela “não tem contribuição relevante para a população negra do Brasil”.
Parida pela avó parteira no Acre de 1958, Marina foi seringueira, empregada doméstica e analfabeta até os 16 anos. Com 26, se formava em história pela Universidade Federal do Acre, em 1984. Em 1988, foi eleita a vereadora mais votada de Rio Branco, capital do seu estado. Em 1990, repetiu o feito ao se eleger deputada estadual. Em 1994, aos 36 anos, foi eleita a senadora mais jovem da história da República. Reeleita ao cargo em 2002, se licenciou para assumir o ministério do Meio Ambiente do primeiro governo Lula. No segundo, em 2008, pediu exoneração e voltou ao Senado, após se desentender com a então ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff.
Marina saiu do PT para se candidatar a presidente da República pelo PV em 2010. E foi a primeira ameaça real à disputa entre PT e PSDB, desde que este chegou ao poder com Fernando Henrique Cardoso em 1994. Dezesseis anos depois, mesmo com 19,6 milhões de votos, a candidata verde teve que assistir ao segundo turno entre sua antiga desafeta Dilma e o tucano José Serra.
Em 2014, após ter o registro do seu novo partido negado, aceitou ser vice na chapa do PSB à presidência, encabeçada pelo governador pernambucano Eduardo Campos. Após a morte deste em acidente de avião, assumiu a candidatura e ameaçou ainda mais a polarização entre PT e PSDB. Conquistou 22,1 milhões de votos, mas ficou novamente em 3º lugar. Atacada de forma mentirosa e covarde pelo PT no primeiro turno, Marina apoiou Aécio Neves no segundo. E nunca foi perdoada por quem seria apeado do poder com o impeachment de Dilma em 2016.
Em 2018 começou bem nas pesquisas, disputando com Ciro Gomes (PDT) e Geraldo Alckmin (PSDB) a vaga para furar a polarização que o PT agora tinha com Bolsonaro. Mas, após a facada levada por este e o impedimento da candidatura de um Lula preso, Marina derreteu nas intenções de voto. Terminou em 8º lugar, com pouco mais de 1 milhão de votos.
Com muita convicção, que se mantém, votei em Marina a presidente em 2010 e 2014. Nesta, se não fossem as fake news que o PT de Dilma e Lula usou para quatro anos mais tarde acusar Bolsonaro de usar, a ex-seringueira tinha chances reais de se eleger. Mas, como definiu o poeta português Fernando Pessoa pela pena do seu heterônimo Álvaro de Campos, isso é “a história do que poderia ter sido”. Não sem depois completar: “A verdadeira história da humanidade”.
Em 2018, com o derretimento de Marina, fiz o voto útil em Ciro ainda no primeiro turno. Era o único que as pesquisas antes das urnas apontavam ser capaz de bater Bolsonaro no segundo. No qual bateu o PT, como previsto, e se elegeu presidente em um fenômeno eleitoral talvez sem precedentes. Para colocar na Fundação Palmares um negro que diz que “a escravidão foi benéfica aos negros”.
Na história do que foi — e na que será contada — o capitão do mato do capitão terá menos importância do que a malária, ou as contaminações por mercúrio e leishmaniose a que Marina sobreviveu.
Racista essa sua matéria. Chamar de capitão do Mato um negro, por não concordar ideologicamente com suas escolhas, é de uma arrogância sem tamanho.
Sua intolerância aos seus opositores é algo assustador.
Caro Murillo,
Tentar defender um presidente negro da Fundação Palmares que diz que “a escravidão foi benéfica aos descendentes”… de negros? Sim, é assustador!
Grato pela chance da exemplificar.
Aluysio