Como seria o convívio entre artistas e evangélicos de Campos na utilização do mesmo espaço público do Parque Alberto Sampaio? Como seria essa separação entre exibições artísticas no anfiteatro Antonio Roberto de Góis Cavalcanti, o Kapi, e religiosas no espaço contíguo, a ser batizado Praça da Bíblia? Quem administraria e garantiria a independência dos objetivos muitas vezes conflitantes entre artistas e evangélicos? O que o diretor teatral, poeta, carnavalesco e turismólogo Kapi, morto em 2015, acharia disso tudo?
Todas essas perguntas passaram a ser feitas desde que Wladimir Garotinho (PSD) revelou ontem (confira aqui) seu recuo parcial no projeto de parceria com a Associação Evangélica de Campos (AEC) para manutenção do Parque Alberto Sampaio. Após forte reação da classe artística (confira aqui), o prefeito mudou sua intenção inicial (confira aqui) de destinar todo o espaço aos evangélicos. E garantiu que manteria o nome de Kapi ao anfiteatro, com o qual foi batizado desde 2017 (confira aqui), e sua utilização pelos artistas de Campos. Observador atento do cenário cultural da cidade, o blogueiro Edmundo Siqueira chegou ontem a questionar: “A emenda saiu pior que o soneto!”
Presidente da Câmara Municipal de Campos, para onde o projeto ao Alberto Sampaio terá que ser enviado e votado, o vereador Fábio Ribeiro (PSD) garantiu que não. E que, após a contraproposta de Wladimir ser apresentada oficialmente à categoria na reunião virtual extraordinária do Conselho Municipal de Cultura (Comcultura), marcada para às 19h desta sexta (02), ela será debatida entre os evangélicos da AEC e os representantes dos artistas, com a mediação do Executivo e Legislativo municipais:
— A verdade é que, depois de dar o nome de Kapi ao anfiteatro, o governo municipal passado abandonou Parque Alberto Sampaio. Com a crise financeira que Campos atravessa, o prefeito Wladimir buscou uma parceria com a Associação dos Evangélicos para se recuperar e conservar o espaço, sem ônus ao município. O prefeito reconheceu a importância de Kapi, da manutenção do seu nome ao anfiteatro e seu uso pelos artistas locais. Depois do projeto ser apresentado amanhã na reunião do Comcultura, vamos mediar entre os representantes dos artistas e da Associação de Evangélicos como e quando cada um vai usar cada espaço. Tanto o anfiteatro, quanto a Praça da Bíblia, cuja utilização será ecumênica, não apenas dos evangélicos. Penso que terá que ser em dias separados, organizados pela Prefeitura. Temos cerca de um mês para discutir isso na Câmara, com todos os atores envolvidos, antes de colocar o projeto em votação. A solução do prefeito foi salomônica.
A opinião do presidente governista tem muitos pontos em comum com a bancada de oposição. Que também reconhece o abandono do Parque Alberto Sampaio e a importância da homenagem a Kapi. E comunga da crítica dos artistas de que o diálogo do Executivo teria que ser prévio à apresentação do projeto, não só depois dele ter acendido a polêmica:
— Ainda não recebemos na Câmara o projeto de lei para avaliação da matéria, mas é bem-vinda toda iniciativa do Executivo em buscar parcerias para diminuir custos e recuperar locais degradados, como é o caso do Parque Alberto Sampaio, que está há anos abandonado, gerando conflitos e insegurança para a população. Em relação ao nome, reconheço que foi uma justa homenagem a Kapi. E acredito que a classe artística e cultural de Campos deve se manifestar, sim. Inclusive, o poder público deveria ter dialogado antes de propor a troca do nome. Mas ainda há tempo para isso e encontrar um caminho junto ao poder público municipal. Inclusive, me coloco à disposição nessa interlocução — disse o vereador oposicionista Rogério Matoso (DEM).
Reconhecido por governo e oposição, das perguntas feitas pela classe artística do qual foi e permanece referência, a mais difícil de responder é como Kapi reagiria a todo esse debate em torno do seu nome. Quem o conheceu em vida e arte, porém, tem pouca dúvida de que ele está onde sempre esteve: provocando polêmica e dirigindo o espetáculo.