Silvana Siqueira lança seu primeiro livro nesta terça

 

Silvana Siqueira lança nesta terça “o outro lado de mim”, seu primeiro livro de poesia

“Sou muitas num só lugar/ Sou única em meu existir/ Sou todas que precisam gritar”. Nestes três últimos versos do poema “Conflito” talvez esteja a melhor autodefinição de Silvana Siqueira, como mulher e poeta. Jornalista formada e professora de Português, especializada em revisão, após graduação também em Letras, ela lança às 19h desta terça (14), na Santa Paciência Casa Criativa, seu primeiro livro “o outro lado de mim”. O título é o primeiro verso do poema “Metades”, que compõe a publicação integralmente dedicada à poesia.

Dedicado aos três filhos, Juliana, Rodrigo e Beatriz, o livro é assumidamente motivado pela condição de avó de Laura, Raphael, Guilherme, Bettina e Thomáz. “Nunca tive a pretensão de publicar um livro ou me tornar escritora. Mas senti a necessidade de reunir o que escrevo nos últimos 40 anos, desde que me formei em jornalismo nos anos 1980. Para que meus netos possam conhecer integralmente sua avó, achei importante não deixar isso se perder entre cadernos e agendas”, explicou Silvana.

Laura, Raphael, Guilherme, Bettina e Thomáz merecem um poema cada, logo ao começo do livro. Que é aberto com prosa poética “Netos”, baseado numa brincadeira na qual a avó escolhe uma palavra para os netos darem sinônimos: “Bela – bonita/ Feliz – contente/ Velha – vovó Sissil…”.

Orgulhosa dos netos, a sinonímia com “velha” aos olhos destes não compõe nenhum anacronismo à condição sensual feminina. Que é exposta, entre outros, no poema “Assim,”: “Com a gente é assim/ Seu corpo no meu/ Colado/ Melado,/ Mel (…) Basta você olhar pra mim/ que eu fico/ Apaixonada/ Alucinada,/ A fim”.

Avó, mãe e mulher, a poeta não é dada ao “Claustro”. É o título do poema em que prega: “Minha mudez rasga os segredos guardados/ nos livros sagrados./ A inquisição não me cala!/ Minha voz é a chave de acesso à liberdade./ Grito e me exponho./ Incendiada, não queimo./ Sobrevivo/ naqueles que rompem o silêncio/ Livres de qualquer temor”.

Patrícia Rehder Galvão, Pagu

Os versos de Silvana parecem ecoar os de Rita Lee, que se recupera de um câncer, e Zélia Duncan, na música “Pagu”, mais famosa na voz de Maria Rita: “Mexo, remexo na inquisição/ Só quem já morreu na fogueira/ Sabe o que é ser carvão/ Eu sou pau pra toda obra/ Deus dá asas à minha cobra/ Hum! Hum!/ Minha força não é bruta/ Não sou freira, nem sou puta/ Porque nem toda feiticeira é corcunda/ Nem toda brasileira é bunda”. Ícone dos movimentos feminista e modernista no Brasil da primeira metade do século 20, Pagu também era poeta.

Ana Cristina Cesar

Silvana assume a influência da poeta “marginal” Ana Cristina Cesar, da “geração mimeógrafo” dos anos 1970. Cujos versos “e a tarde pendurada no raminho de um/ fogáceo arborescente/ deixava-se ir/ muda feita uma coisa última”, do poema “Dias não menos dias”, parecem deitar seu jogo de luz e sombra em “Voyer”: “A tarde chega com todo seu esplendor de outono/ E, sem pedir licença, debruça sua beleza/ Nas hastes verticais da minha janela./ Uma mistura de cores silenciosas e espessas./ Eu, voyer em pudor”.

João Cabral de Melo Neto

Outra influência, Silvana diz que João Cabral de Melo Neto a marcou “pelo esmero com as palavras e a intensidade”. De fato, o “medo da morte” que o poeta maior de Pernambuco assume para encerrar seu “Os três mal amados” surge em “O último mandamento”. Onde, em meio a uma ceia “sobre o sangue/ coagulado pelos gritos/ De dor”, a poeta acrescenta mais um aos 10 mandamentos dados por Deus a Moisés: “Ah, meus inimigos!/ Onde estão?/ Fadas e duendes/ Visitas das alucinações etílicas/ Escrevem o último mandamento:/ ‘Não morrerás’”.

Clarice Lispector

O “último mandamento” é contradito por outras “metades” da obra de Silvana, em faz a junção de Macabéa, protagonista de “A hora da estrela”, de Clarice Lispector, com o clássico do cinema “Blade Runner – O caçador de androides” (1982), de Ridley Scott. Que têm em comum a busca existencial das duas obras, reunidas numa terceira, “Time to die, Macabéa”: “Se finalmente encontrar/ A definição do que sou/ E o que resta de mim/ Dentro de uma metade/ Escreverei um final nada feliz/ Atropelado pela vontade de ficar/ Voando lento e molhada nas asas/ Da replicante Macabéa: ‘Time to die!’”.

Campos também bate ponto na obra de Silvana, como a Itabira do mineiro Carlos Drummond de Andrade, ou a Alexandria do grego Konstantinos Kaváfis. Em “Cidade…”: “Um vento nordeste/ insistente e larápio/ sopra lá na curva/ revolta, embaraça/ e levanta os cabelos, as saias/ e suspeitas…/ As águas serpenteadas do Paraíba/ vão inundando as margens profanas da cidade,/ Até o encontro do seu amor maior,/ O mar/ em Atafona”.

Manoel de Barros

A memória da sua cidade, inundada numa cheia famosa do mesmo Paraíba, se junta à do pai, quando a avó de hoje projeta da retina da menina de “1966”: “Tinha apenas sete anos/ Quando o rio abraçou a minha rua (…) E eu navegando com meus barquinhos de papel// Meu pai construiu uma ponte de madeira/ Ligando a nossa casa até a padaria da esquina// Ao longo da vida ele viria a construir outras pontes. Era um engenheiro de facilidades”, sentencia na influência semântica de Manoel de Barros, outra referência da poeta.

Título de dois poemas do livro lançado hoje, um escrito nos anos 1980, outro mais recente, “Solidão” também é tema recorrente na obra de Silvana. Nos versos mais antigos, a solidão “é travesseiro com cheiro de saudade”, “é poesia inacabada”. Nos mais recentes, “talvez eu seja apenas um mensageiro/ entre o que existo/ e o abstrato da busca”. Mas solidão se cura com outra boa autodefinição da poeta, em “Metamorphose”: “Sou o sonho/ Transformado em abraço”.

“Estou prenhe de palavras”, versejou a mãe de três filhos que, após 40 anos de poesia, nesta terça dá à luz o seu primeiro livro.

 

 

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Este post tem um comentário

  1. Dorinha Vianna

    Que maravilha. Você colocou com seu olhar, os sentimentos e os olhares da Sil. Dá para sentir daqui a escrita de todo o livro.

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