Uenf e violência contra a mulher
Desde que foi fundada em 1993, fruto de um pleito da sociedade goitacá no qual a Folha foi figura de proa, a Uenf teve capital importância na transformação de Campos em polo universitário. E no próprio pensamento da cidade. Verdade, essa mudança não foi o suficiente para evitar que, 31 anos depois, casos de violência contra a mulher sejam registrados quase diariamente na cidade. De fato, matéria da Folha publicada (confira aqui) no último dia 10, com dados da Delegacia Especializada no Atendimento à Mulher (Deam), contabilizou seus 1.637 atendimentos só no 1º semestre de 2024 — 244 a mais que o mesmo período de 2023.
Por que é preciso evidência?
É uma realidade inadmissível. Que tem que ser combatida com todo o rigor da lei. O mesmo que, só no 1º semestre de 2024, gerou a prisão de 78 agressores de mulheres em Campos — 56 a mais que no mesmo período de 2023. Um dos crimes praticados por homens contra mulheres é o assédio, moral e/ou sexual. Porém, casos como o do jogador Neymar provaram que só a denúncia não basta. Acusado de agressão e tentativa de estupro por uma modelo brasileira em maio de 2019, e depois revelado como agredido no vídeo do hotel em Paris, exemplificou o óbvio: mulheres também podem mentir como homens. É preciso evidência.
À espera da evidência do vídeo
Sem abandonar o exemplo do futebol, foram as evidências que renderam as justas condenações e prisões por estupro dos ex-jogadores Robinho e Daniel Alves. Essas evidências, até aqui, inexistem na acusação de um suposto assédio contra uma suposta aluna da Uenf. Feita (confira aqui) com cartazes colados no prédio da reitoria da universidade na última sexta (12), contra o coordenador do curso de Ciências Sociais do Centro de Ciências do Homem (CCH). Até o momento, a única evidência veio em um vídeo interno da Uenf que teria flagrado (confira aqui) quem colou o cartaz com a denúncia anônima. E teria sido não a suposta aluna, mas uma servidora.
Apuração até o fim!
Se isso for confirmado, não espantará quem conhece há algum tempo a Uenf. Por disputas internas de poder, há décadas a universidade convive com a montagem de dossiês pessoais para ameaça e chantagem. Como um protótipo da rede de assassinato de reputações hoje atribuída aos Bolsonaro. De direita ou esquerda, pessoas e suas ações podem ser igualmente sórdidas. Mas são muito menores que a Uenf. Que tem que ir até o fim na apuração. Se houve assédio, contra quem o praticou. E contra quem, sabendo, acobertou. Se não houve, contra quem fez uma denúncia anônima e falsa. E contra quem agora age, na cara dura, para tentar acobertá-la.
Posição do acusado
Acusado na denúncia anônima como assediador, o coordenador do curso de Ciências Sociais do CCH da Uenf, professor Hamilton Garcia, se posicionou: “Esperamos a divulgação do vídeo que identifica quem colou os cartazes para tomar as providências cabíveis na Justiça. Tanto na Criminal, por calúnia e difamação, quanto na Cível, por danos morais. O caso todo é muito desagradável, mas precisamos entender de uma vez por todas quem está por trás deste virtual ‘gabinete do ódio’ uenfiano”. De formação marxista, mas crítico ao lulopetismo, Hamilton é visto por alguns de seus pares mais sectários de esquerda como um “traidor” político.
Posição da reitora
Antes da notícia da existência do vídeo, a reitora da Uenf, professora Rosana Rodrigues, falou na segunda (15) sobre o caso. Ela negou ter sido procurada por qualquer suposta vítima para falar sobre o suposto assédio: “a Uenf tem canais apropriados para denúncias que resguardam o(a) denunciante. Haverá apuração via processo administrativo e legal. Nunca recebi qualquer informação sobre os assédios relatados. Assédio é intolerável. Ocupo a posição em que estou hoje para dar voz a quem nunca foi ouvida(o) pelo sistema patriarcal, machista e misógino. Mas, infelizmente, a onda das fake news chegou até a universidade”, lamentou a reitora.
A dubiedade da acusação
Como os cartazes também acusaram o diretor do CCH de acobertamento do suposto assédio, que teria acontecido no ano passado, a denúncia foi, no mínimo, dúbia. Mas, pensando bem, esperar o contrário seria demais. Diretor do Centro, o professor Geraldo Timóteo disse: “À frente do CCH, nunca recebi nenhuma denúncia de assédio sexual. Vamos esperar a divulgação do vídeo para ingressarmos na Justiça”. Diretor do CCH até 2023, o professor Rodrigo Caetano disse: “Espero a posição oficial da reitoria e o acesso ao vídeo com quem colou os cartazes. Só garanto nunca ter sido procurado por nenhum aluno com nenhuma denúncia de assédio”.
Repúdio oficial: “sem provas e sem denunciante”
Na manhã de ontem, o Laboratório de Estudos da Sociedade Civil e do Estado (Lesce) do CCH divulgou (confira aqui) nota de repúdio. Que entrou de sola: “O Lesce vem a público manifestar a indignação e repúdio à divulgação, por meio de cartazes anônimos, em dependências da Uenf, de grave acusação de assédio contra o coordenador do curso de Ciências Sociais, professor membro deste Laboratório, envolvendo também o diretor do CCH e a reitora (…) O Lesce espera pronta resposta das autoridades universitárias no sentido do pleno esclarecimento e apuração dos fatos, considerando a gravidade de uma denúncia desse teor, sem provas e sem denunciante”.
Campistas: Zezé, Arlete e Uenf
Até que o vídeo e a verdade sejam revelados, é triste ver a Uenf em meio a noticiário negativo, por uma denúncia anônima de assédio sem provas. Mas, ontem, a universidade também brilhou positivamente. A coluna do Lauro Jardim, de O Globo, anunciou (confira aqui) que a atriz, cantora, mulher, negra e campista Zezé Motta receberá um título de doutora honoris causa da Uenf. Cujo site também destacou (confira aqui) que outra grande mulher campista, a professora de Letras e dramaturga Arlete Sendra, aposentada em 2020 após lecionar 24 anos no CCH, receberá o título de professora emérita da universidade. Parabéns às duas! Aliás, às três!
Publicado hoje na Folha da Manhã.