Apoio do PT a Maduro na América do Sul e nas urnas do Brasil

 

O venezuelano Nicolás Maduro, o brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva, o chileno Gabriel Boric, o uruguaio Pepe Mujica e os campistas Carla Machado, Jefferson Azevedo e Wladimir Garotinho (Montagem: Eliabe de Souza, o Cássio Jr.)

 

 

Venezuela divide a esquerda na América do Sul

A aparente fraude eleitoral para perpetuar Nicolás Maduro presidente da Venezuela, no domingo (28), pode ser um divisor de águas na esquerda da América do Sul. De um lado, o futuro com a esquerda democrática. Representada pelo jovem presidente do Chile, Gabriel Boric, que disse (confira aqui) sobre a suposta vitória de Maduro: “é difícil de acreditar”. Do outro lado, a esquerda do passado. Representada, com ditaduras “companheiras”, pelo PT. Cuja nota oficial na terça (30), chamou a crise da Venezuela de “jornada pacífica, democrática a soberana”. Cujo resultado anunciado revoltou sua população, reprimida com 21 mortes (confira aqui) e 1,2 mil presos (confira aqui).

 

Geracional ou compromisso com a democracia?

Líder maior do PT, o presidente Lula tem 78 anos. Condutor da sua política internacional, Celso Amorim tem 82. Presidente do PT, a deputada federal Gleise Hoffmann tem 58. Presidente chileno, Boric tem só 38. Mas a diferença na defesa da democracia no continente não é apenas geracional. Ex-presidente do Uruguai, Pepe Mujica tem 89 — 11 a mais que Lula, 7 a mais que Amorim, 31 a mais que Gleisi. E o uruguaio mais emblemático à esquerda sul-americana disse (confira aqui) sobre Maduro: “pode chamá-lo de ditador”. Ao considerá-lo “democrático”, o PT pode pagar o ônus nas eleições municipais do Brasil de 6 de outubro, daqui a apenas 64 dias?

 

Compromisso moral de Lula e do PT

Lula foi eleito pela 3ª vez presidente (confira aqui) na perspectiva de defender a democracia do país dos ataques reincidentes do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). Que se materializariam na tentativa de golpe de estado de 8 de janeiro de 2023. Dos maus perdedores das urnas do 2º turno presidencial de 30 de outubro de 2022 por apenas 1,8 ponto — nos votos válidos, Bolsonaro 49,1% a 50,9% Lula. Por diferença tão pequena, Lula só se elegeu, para além dos petistas, com o voto de quem acreditou que ele era a opção viável para preservar a democracia no Brasil. Lula e o PT teriam, portanto, compromisso moral de defendê-la também nos países vizinhos.

 

Influência nas eleições municipais do Brasil

Cientista político e CEO da Quaest, conceituado instituto de pesquisa do Brasil, Felipe Nunes já disse que quanto maior for o município, maior será a influência na sua eleição da polarização política nacional e internacional. Quanto menor, afetará menos. Assim, pode ter uma importância maior na cidade de São Paulo, em que as pesquisas apontam o empate técnico na liderança (confira aqui) do atual prefeito, Ricardo Nunes (MDB), com o deputado federal Guilherme Boulos (Psol) e o apresentador José Luiz Datena (PSDB). E pode ter pouca importância numa cidade de porte médio, mesmo de maioria bolsonarista (confira aqui), como Campos. Menos ainda em cidades pequenas.

 

Ricardo Nunes, Guilherme Boulos e José Luiz Datena lideram a última pesquisa Quaest a prefeito de São Paulo em empate técnico na margem de erro

 

Hamilton Garcia, cientista político e professor da Uenf

O projeto bolivariano

“O projeto bolivariano na Venezuela é uma atualização do modelo revolucionário clássico, com Cuba como modelo. A disputa eleitoral só era aceita se legitimasse o ‘poder revolucionário’. O jogo democrático tinha só valor instrumental, com a destruição das instituições, como a divisão entre os Poderes do Estado e a liberdade de opinião. Quando as urnas começaram a se desencontrar do ‘poder revolucionário’, a partir da queda no preço do petróleo em 2014, a repressão à contestação política e ao direito de opinião se agravaram dramaticamente”, contextualizou outro cientista político, Hamilton Garcia, professor da Uenf.

 

Não ajuda o PT de Campos

“A autoproclamada vitória de Maduro, ao arrepio dos documentos eleitorais, é a crônica da morte anunciada da democracia venezuelana. O PT e o MST estiveram, desde sempre, ao lado dos objetivos ‘revolucionários’ do bolivarianismo. Parcelas importantes de sua ala radical possuem a mesma visão ‘revolucionária’ ao Brasil. O desenlace venezuelano terá impacto efetivo sobre a imagem do lulopetismo na eleição de 6 de outubro, sobretudo nas capitais. E pode, em 2026, esgarçar as franjas centristas que apoiaram Lula em 2022. Em Campos, onde o PT tem poucas perspectivas a prefeito, não ajudará a eleger vereador”, advertiu Hamilton.

 

George Gomes Coutinho, cientista político, sociólogo e professor da UFF-Campos

Limites da influência

“Há uma importação da questão venezuelana, por vezes em termos caricatos e simplistas. Mirando o curto prazo nas eleições municipais brasileiras: 1) o tema irá mobilizar grupos e agentes já suficientemente ideologizados; 2) a agenda internacional não costuma alterar a percepção política de eleitores comuns; 3) estados brasileiros que estão geograficamente mais próximos da Venezuela podem importar, por razões concretas, a pauta das eleições por lá; e 4) em Campos já há um conjunto de pautas ao eleitor comum: empregos, saúde, transporte”, avaliou outro cientista político, George Gomes Coutinho, professor da UFF-Campos.

 

Condição minoritária

George não crê que a crise da Venezuela e a posição do PT sobre ela afete o partido em Campos: “A exploração do tema contra o PT campista é improvável. O PT é uma minoria política, talvez não atraia ataques persistentes por sua condição minoritária, o que não se pode falar do prefeito (Wladimir Garotinho, PP, candidato à reeleição e líder em todas — confira aqui e aqui — as pesquisas). Eleitores que não votariam no PT continuarão não votando. Petistas simpatizantes votarão no PT. E os eventuais eleitores passíveis de serem seduzidos a votar no PT nestas eleições municipais talvez não sejam demovidos pela questão venezuelana”.

 

“Maduro ditador” e “castelo de areia”

No Folha no Ar da manhã de ontem, o sociólogo Fabrício Maciel, professor da UFF-Campos e da Uenf, foi direto ao avaliar a real condição de Maduro e sua tentativa de relativização pelo PT: “Maduro é um ditador. Isso é a pura verdade, não dá para aliviar. A figura de Maduro, hoje, não tem nada a ver com democracia. Mas a Gleisi Hoffmann pode soltar uma nota, como petista clássica, dizendo isso? Não pode! Porque ela está presa a um certo negacionismo. É uma mentira que um partido de esquerda precisa manter, num certo sentido. Porque se abre o jogo e diz, você tem um castelo de areia”.

 

 

“Muito difícil tirar de Wladimir”

“Carla Machado (deputada estadual que desistiu — confira aqui — da pré-candidatura a prefeita de Campos por — confira aqui e aqui — impossibilidade jurídica) tem votos por causa dela. Não tem nada a ver com o PT. É uma política tradicional, conhecida na região. O Jefferson (Azevedo, candidato a prefeito de Campos pelo PT) vai ter dificuldade em (confira aqui) herdar votos aí. Também não há influência da polarização nacional numa cidade como Campos. É difícil alguém tirar essa (eleição) de Wladimir. Está muito cristalizada a situação, ele fez um governo estável. Mais uma vez a ideia (confira aqui) do meu querido amigo George: não vai haver surpresa nessa eleição”, apostou Fabrício.

 

Publicado hoje na Folha da Manhã.

 

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