Carla Machado (PT) não poderá concorrer a prefeita de Campos em 2024. Deputada estadual eleita em 2022, ela renunciou ao segundo mandato consecutivo como prefeita de São João da Barra após se reeleger ao cargo em 2020. Por isso, não poderá concorrer novamente a prefeita em 6 de outubro, daqui a exatos três meses e 14 dias. Quatro dias atrás, na última terça (18), logo após Tribunal Superior Eleitoral (TSE) confirmar por unanimidade (confira aqui) toda a sua jurisprudência contra a figura do “Prefeito Itinerante”, a Folha noticiou:
— Em resposta a três consultas formuladas ao TSE em relação à tese do “Prefeito Itinerante”, em situações semelhantes à da deputada estadual Carla Machado, a Corte foi unânime em analisar que um político que tenha exercido dois mandatos de prefeito, se desvinculado e exercido mandato proporcional de deputado estadual ou federal, não pode se candidatar para nova eleição a prefeito em município limítrofe, conforme entendimento do STF. Portanto, Carla Machado não poderá ser candidata a prefeita de Campos neste ano.
Não foi falta de aviso. Desde a pesquisa Iguape que revelou, em 2023, o favoritismo à reeleição em São João da Barra da prefeita Carla Caputi (União), sucessora no cargo e aliada de Machado, a impossibilidade de esta concorrer a prefeita de Campos foi alertada (confira aqui) pela Folha em 6 de novembro do ano passado. E, de lá para cá, relembrada várias vezes:
— Com jurisprudência no Supremo Tribunal Federal (STF) e no TSE contrária à possibilidade de se candidatar três vezes seguidas a prefeito em municípios limítrofes.
Na quarta (19), dia seguinte ao julgamento do TSE, um integrante do PT local questionou a decisão do TSE sobre o caso de Carla. E, com essa reação negacionista à Justiça Eleitoral tão típica ao bolsonarismo, provocou reações até dentro da sua legenda:
— Parece terraplanismo. Não há nenhuma distinção entre os casos analisados pelo TSE e o de Carla. Quando tenta desqualificar a consulta, dizendo que são casos diferentes, a manifestação foi um equívoco lamentável — disse uma fonte de alto escalão do PT goitacá que preferiu não ser identificada, para não agravar a cisão interna.
Em 2023, a Folha ouviu sete juristas respeitados da comarca (confira aqui e aqui), todos com vasta experiência em Direito Eleitoral, sobre a pré-candidatura de Carla Machado a prefeita de Campos. Destes, cinco afirmaram que ela estava impedida pela jurisprudência do TSE e do STF. Outros dois aventaram a possibilidade de essa jurisprudência ser modificada.
Os advogados João Paulo Granja, Pryscila Marins, Cleber Tinoco e Gabriel Rangel, e o promotor de Justiça Victor Queiroz, opinaram pela impossibilidade da prefeita reeleita de SJB em 2020 se candidatar a prefeita de Campos em 2024. Enquanto os advogados Robson Maciel Júnior e José Paes Neto deixaram a janela aberta a uma eventual mudança da jurisprudência.
A possibilidade à rediscussão da figura jurídica do “Prefeito Itinerante” chegou a ser aventada na terça pelos ministros do TSE Nunes Marques e Raul Araújo. Se votassem a favor disso, ainda assim seriam derrotados. Mas, dada à exiguidade do tempo às urnas de 6 de outubro, a manutenção da jurisprudência que impede qualquer prefeito reeleito em 2020 de se candidatar a prefeito em 2024 foi mantida pela unanimidade do TSE.
— Em recente julgamento, respondendo às consultas formuladas, o TSE reafirmou o entendimento de que é vedado a qualquer prefeito o exercício de três mandatos consecutivos, ainda que em municípios vizinhos. Independentemente das particularidades ocorridas, como a renúncia ou a eleição para outro cargo, não admitindo qualquer exceção à regra prevista no artigo 14, § 5º, da Constituição. Diante deste contexto, a pretensa candidata Carla Machado estará impedida de disputar as próximas eleições, fato que poderá impactar diretamente o resultado das eleições — projetou o advogado João Paulo Granja.
— Embora os ministros Nunes Marques e Raul Araújo tenham demonstrado entendimento que pode vir a alterar a jurisprudência da Corte, não acho que tal mudança seja tão fácil de se implantar. Porque pode esbarrar no princípio republicano da alternância do poder. O que se pretende é esquecer o tempo do mandato que deveria ser cumprido para permitir a eleição em município limítrofe. Tal fato não parece ser razoável num sistema eleitoral que permite reeleição, como temos. Até porque permitiria, sempre em segundo mandato, o rompimento do vínculo para uma possível eleição ao mesmo cargo, ainda que em outro município — alertou a advogada Pryscila Marins.
— As consultas respondidas pelo TSE reafirmam sua jurisprudência que impossibilitará o deferimento do registro da candidatura de Carla Machado a prefeita. Segundo o disposto no art. 16-A da Lei nº 9.504/97 e, de acordo com a jurisprudência do TSE, são permitidos a todo candidato, ainda que esteja com registro indeferido sub judice, a realização de campanha eleitoral e o acesso aos fundos públicos, até que sobrevenha a decisão do TSE ou o trânsito em julgado. Ademais, o candidato que estiver com o registro indeferido não poderá ser diplomado, ainda que sub judice — antecipou o advogado Cleber Tinoco.
— No julgamento de consultas sobre questões análogas à pretensa candidatura de Carla Machado, o TSE, por unanimidade, reafirmou sua jurisprudência contra o “Prefeito Itinerante”. O colegiado acompanhou o relator, ministro Ramos Tavares, ao consignar que o exercício consecutivo de mais de dois mandatos no Executivo, mesmo em municípios diferentes, é de finalidade incompatível aos parágrafos 5º e 6º do artigo 14 da Constituição. A par de reafirmar argumentos do TSE e STF que apresentei em 2023, a decisão do TSE em 2024 exorta quanto aos riscos “notadamente em municípios que possuem territórios limítrofes” — destacou o advogado Gabriel Rangel.
— Disse em 2023: “A Constituição, nos parágrafos 5º e 6º do artigo 14, estabelece a possibilidade de eleição a prefeito, de modo consecutivo, apenas duas vezes. Pela criatividade dos políticos brasileiros, surgiu a figura do ‘Prefeito Itinerante’. Que, tendo sido reeleito, muda o domicílio eleitoral para concorrer a prefeito em outro município. Desde 2008, o TSE entende a inadmissibilidade do ‘Prefeito Itinerante’, mesmo com a desincompatibilização do mandato. Esse entendimento foi confirmado pelo STF, em 2012”. Diante do resultado do TSE em 2024, não tenho nada a acrescentar — reforçou o promotor Victor Queiroz.
— A consulta foi apresentada pela ex-ministra do TSE Maria Claudia Buchianeri, grande nome do Direito Eleitoral. E teve parecer jurídico do professor Adhemar Barros, outro grande nome do Direito Constitucional. O ministro Nunes Marques disse acreditar na tese, como o ministro Raul Araújo. Os dois votaram com o relator porque a consulta foi pautada próximo às eleições. A possibilidade de analisar a matéria no futuro foi também mencionada pelos ministros Floriano Azevedo e Carmem Lúcia, mesmo divergindo no mérito. Embora o TSE não tenha admitido a tese, consignou que o tema demanda aprofundamento posterior — pontuou o advogado Robson Maciel Júnior.
— Embora o resultado do TSE tenha sido unânime, no sentido de reconhecer a aplicabilidade da tese do “Prefeito Itinerante”, os ministros Nunes Marques e Raul Araújo ressalvaram ter entendimento contrário. Não votaram no sentido de afastar a inelegibilidade por entenderem que a alteração da jurisprudência às vésperas do período eleitoral não seria razoável. Embora as consultas não tenham caráter vinculante, me parece que, a partir dessa decisão, a eventual candidatura de Carla Machado não se viabilizaria no campo jurídico — fechou a questão de 2024 o advogado José Paes Neto.
Com todas as suas complexidades jurídicas, a questão é relativamente simples: pode até ser que, no futuro, seja reavaliada a jurisprudência que impede prefeitos reeleitos de se candidatarem a prefeito pela 3ª vez consecutiva. Mas, na terça, o TSE tirou qualquer dúvida: isso não vai acontecer em 2024.
Publicado hoje na Folha da Manhã.