A Virtù, a Fortuna e as fiandeiras — Lula, Trump e Tarcísio na mesa de bar
— E aí? Viu a nova pesquisa Quaest? — indagou Jorge, já sentado à mesa do bar, copo americano de cerveja à mão.
— Rapaz, vi, sim. São as fiandeiras dos gregos. Se a eleição fosse hoje, você ganharia a nossa aposta. Lula abriu outubro, quando as eleições de 2026 passam a ser contadas só em meses, ampliando sua liderança, fora de qualquer margem de erro, nos oito cenários ao 1º turno e nos nove ao 2º turno da Quaest — resumiu a ópera Aníbal, enquanto se sentava à mesa, antes de pedir um copo ao garçom.
— É, você foi apostar em Tarcísio e não contava com a reação do velhinho de Garanhus. Que está mais vivo do que nunca.
— Eu também dizia a você: “Mas tem o Canadá”. Lá, os conservadores tinham 20 pontos de vantagem nas pesquisas às eleições de abril. Aí, Trump assume em janeiro. E volta à Casa Branca ameaçando aumentar as tarifas e anexar o país vizinho como 51º estado dos Estados Unidos. Resultado? Virou as pesquisas de ponta-cabeça. E, três meses depois, os canadenses elegeram Mark Carney, da esquerda deles, como o seu primeiro-ministro.
— Pois é. Antes de subirem ao palco da manifestação de Copacabana, para ajudarem a enterrar a PEC da Bandidagem e junto o PL da Anistia, ao lado de Chico, Paulinho da Viola e Djavan em 21 de setembro, Caetano e Gil tinham cantado: “O Haiti é aqui”. Ao que parece, o Canadá também.
— Quando apostei com você que Tarcísio venceria a eleição a presidente em 2026, era o que todas as pesquisas mês a mês indicavam, desde a virada de 2024 a 2025. No início de junho, o jornalista Thomas Traumann, ex-ministro da Comunicação de Dilma, reconheceu ao analisar a pesquisa Quaest daquele mês: “Lula deixou de ser o favorito para a eleição em 2026”.
— Isso eu sou obrigado a reconhecer. Naquela Quaest de junho, Lula não passava do empate técnico na simulação de 2º turno não só com um Bolsonaro inelegível, mas também com Tarcísio, Michelle, Ratinho Junior e Eduardo Leite.
— Pois é. E não estava melhor em nenhuma outra pesquisa. De dezembro de 2024 até junho de 2025, a queda de Lula em intenção de voto e aprovação de governo vinha aumentando gradativamente, a cada nova pesquisa nacional, com medição quase semanal, por vários institutos. O turning point de Lula, a virada da guerra na batalha de Stalingrado contra a Alemanha de Hitler ou a de Midway contra o Japão de Tojo, foi a carta de Trump em 9 de julho, ameaçando taxar o Brasil por conta do julgamento de Bolsonaro no STF.
— Mas a reação de Lula também foi muito boa. Chamou para si a defesa da soberania nacional. Com um trabalho muito bom do Sidônio Palmeira também nas redes sociais. Em que a esquerda tomou da direita a bandeira do Brasil dentro do campo virtual da direita. Como fez também no campo real, substituindo a bandeira dos EUA dos bolsonaristas pela anistia, no 7 de setembro da Paulista, pela do Brasil no 21 de setembro e na mesma Paulista.
— Sim. Sidônio trabalhou bem. Mas teve o que vender. Lula foi melhor ainda.
— Ele não abaixou a cabeça para o tarifaço dos gringos e ainda fez um discurso duro contra as ações do governo estadunidense no coração do Império, em Nova York, na Assembleia Geral da ONU. Para ser respondido na sequência por Trump. Que, em seu discurso longo, falou de improviso da tal “química” que teria rolado quando cruzou por segundos com Lula.
— Pois é. Só que, na Assembleia Geral, Lula se limitou a ler o discurso do teleprompter. Na coletiva de imprensa que deu dois dias depois, ainda em Nova York e novamente na ONU, ele não só confirmou a “química” com Trump, como respondeu todas as perguntas dos repórteres de todo o mundo falando de improviso. E, sem repetir nenhuma das batatadas verbais que já estavam marcando esse seu terceiro mandato de presidente, ele também foi muito bem.
— E depois ainda teve a conversa por videoconferência entre os dois, na segunda desta semana, já em 6 de outubro. Que a Quaest, feita de 2 a 5 de outubro, nem pegou. Pelo estilo errático de Trump, nada pode ser descartado. Nem a humilhação que ele impôs a Zelensky na Casa Branca. Mas se Lula conseguir derrubar as tarifas ao Brasil e tirar a aplicação da Lei Magnitsky de cima de Moraes e da mulher, vai crescer ainda mais nas pesquisas a 2026.
— Sabe qual é a verdade? E mesmo quem não gosta de Lula é obrigado a reconhecer? Como político, ele é jogador de jogo grande. Sempre cresce nos maiores palcos e diante dos maiores adversários. É quase como se precisasse disso para poder jogar tudo que sabe.
— É verdade. E que palco maior que a Assembleia Geral da ONU? E que adversário maior do que Trump? São o Maracanã e o Real Madrid da geopolítica.
— Enquanto isso, Tarcísio está parecendo o Wallace Yan na derrota do Flamengo para o Bahia. Inexperiente como político profissional, confundindo encarar responsabilidade com brigar com o juiz e o time adversário, falou em “tirania de Moraes” na Paulista do 7 de setembro, não foi à posse de Fachin como presidente do STF para ir visitar Bolsonaro em prisão domiciliar, e depois ainda falou aquela tremenda besteira da Coca-Cola na crise do metanol.
— Para quê? Para ter que pedir desculpas depois. Falou que não entendia de bebida alcoólica em provocação velada a Lula. Enquanto tem gente morrendo em seu estado envenenada por contaminação de metanol em bebida destilada. E, pior, é um risco de saúde pública e às redes de bares e restaurantes que São Paulo ainda exportou para outros estados.
— Um governante não pode fazer pouco caso da morte dos governados. Se foi menos debochado na forma, o conteúdo da fala de Tarcísio se assemelhou ao “E daí? Eu não sou coveiro!” de Bolsonaro diante das milhares de mortes de brasileiros por Covid.
— Parece mesmo com as molecagens do Wallace Yan contra o Bahia. Mas o que você quis dizer com as fiandeiras dos gregos, no início do papo? Ia perguntar e acabei esquecendo.
— Que Lula pode até se atrapalhar em jogos pequenos e médios. Mas cresce nos grandes. As fiandeiras são as Moiras da mitologia grega, que tecem o destino dos homens em tapetes. Maquiavel véio de guerra, que fundou a ciência política sem nenhuma mitologia, dizia que o bom governante tem que ter Virtù e Fortuna. E que uma é tão importante quanto a outra.
— Beleza. A Virtù é capacidade do governante de se adequar às circunstâncias para permanecer no poder. E a Fortuna é o acaso, a sorte. Que Lula, inegavelmente, tem demais. Mas e as fiandeiras?
— Para nós e a maioria, elas tecem um tapete de “bem-vindo” de entrada de residência. Pela Fortuna de Lula, sua vida parece ser tecida pelas Moiras, desde Garanhuns, em um tapete persa — disse Aníbal, enquanto tentava ler a sorte das urnas de 2026 na espuma no fundo do copo americano de cerveja vazio, que tinha acabado de virar pela garganta.
Publicado hoje na Folha da Manhã.