Haddad x Bolsonaro tornará a esquerda mais cooptada do que nunca

 

Basta navegar alguns minutos no oceano virtual brasileiro para verificar o quão certo estava o semiólogo, filósofo e escritor italiano Umberto Eco (1932/2016): “as redes sociais deram voz aos imbecis”. Mas em meio às ondas de acefalia política quebrando dos dois lados, podemos dar a sorte de achar também lucidez, como mensagem dentro de uma garrafa.

Foi o caso do texto do Guilherme Dal Sasso, jovem com formação de esquerda de quem nada mais sei, além da sensatez das suas palavras. Independente de discordâncias, é um diagnóstico honesto da febre de intolerância em que arde o país. E de como o quadro pode piorar, antes de melhorar. Publicado aqui, em sua linha do tempo, peço licença para republicar abaixo:

 

Guilherme Dal Sasso

Por que não voto no Haddad

Por Guilherme Dal Sasso

 

Primeiro, porque o objetivo principal do PT nas eleições foi sempre manter sua hegemonia na esquerda, e não pensar um projeto interessante e viável ou formas de barrar o fascismo. Nesse sentido, foi extremamente irresponsável a insistência em Lula como candidato (enganando a população) e sobretudo a estratégia de isolar Ciro, neutralizando o PSB e fortalecendo um lulista no PSOL. Quem está realmente preocupado em barrar Bolsonaro já sabia há muitos meses que Lula não seria candidato e que as opções mais viáveis contra o fascista eram Ciro e Marina Silva. A prioridade sempre foi Lula, depois o partido e por último o país.

Segundo, porque a (falsa) polarização atingiu níveis intoleráveis, e ameaça cada vez mais se concretizar em violência física. Falo em falsa polarização porque não expressa os antagonismos de fundo da sociedade brasileira, como querem nos fazer pensar quando dizem que a polarização representa a “luta de classes”. Tanto o PT como qualquer centro-direita vai colocar um liberal na fazenda (Dilma com Levy, Lula com Meirelles, Haddad possivelmente com Lisboa), fechar com o agronegócio, etc. No entanto, a radicalização retórica aniquilou qualquer campo democrático de diálogo e sobretudo de capacidade de expressão de forças não alinhadas. Um segundo turno entre Haddad e Bolsonaro tornará a esquerda inteira mais cooptada do que nunca, sendo impossibilitada radicalmente de criticar um eventual governo petista, ao passo que a paranoia anticomunista deverá explodir de vez.

Terceiro, pela relação que a esquerda criou com o governo Dilma. Após o impeachment, incorporou-se o espírito combativo contra o retrocesso de Temer. Ok. Mas nunca se discutiu criticamente o governo e o legado de Dilma, que basicamente foi endividamento público, recessão, desemprego, concentração de renda e retrocesso socioambiental. O próprio Haddad acho que reconhece em boa medida isso, tendendo a ser responsável fiscalmente. No entanto seu conselheiro econômico, Marcio Pochman, insiste que as políticas econômicas de Dilma foram acertadas e que o caos todo começou com Temer. Dessa forma, existe o que o Haddad pensa, e que nós não sabemos ao certo, e existe o que o PT pensa e fala, e não sei o quanto são a mesma coisa. Eu votei na Dilma no segundo turno em 2014, e a última coisa que cogito é dar um cheque em branco de novo sob a chantagem do “menos pior”. O imperativo de defender a Dilma no impeachment impede até hoje que a esquerda realize um balanço sério e elabore alternativas àquele projeto que fracassou de forma retumbante.

Em quarto lugar, as alianças do partido hoje apontam que de fato o PT utilizou uma retórica de vítima do golpe para disciplinar a esquerda em torno de seu projeto em vez de se comportar como quem de fato sofreu um golpe. As alianças com os “golpistas” seguem naturalmente país afora, como se estivéssemos em 2014. Isso naturalmente reproduz o sistema político tal qual conhecemos e enfraquece as candidaturas de esquerda, renovando todas condições de possibilidade das crises que nos trouxeram ao abismo: radicalidade retórica e conciliação conservadora de fundo. Então não adianta choramingar e dizer “aff o PT não aprende”. O PT está fazendo aquilo que julga necessário para reproduzir sua hegemonia à esquerda e seu lugar no interior do sistema político brasileiro, incluindo a aliança programática com o MDB. Quem não aprende é quem acha que o PT não aprende.

Em suma, simpatizo pessoalmente com o Haddad, mas o projeto do PT é insistir numa radicalização retórica que está nos levando a níveis delirantes e apostar na pacificação por cima e conciliação de fundo do sistema político. Como disse de certa maneira o Silvio Pedrosa, Haddad pode até vencer Bolsonaro no segundo turno, mas renova e alimenta mais que ninguém as condições de possibilidade do bolsonarismo.

 

Após facada, Datafolha e Ibope, Bolsonaro cresce também na Paraná

 

 

Charge do José Renato publicada hoje (13) na Folha

 

Após Datafolha e Ibope, Paraná

Como a coluna antecipou, ontem foi divulgada a pesquisa presidencial do instituto Paraná. E ela confirmou o crescimento do líder isolado da corrida ao Palácio do Planalto, Jair Bolsonaro (PSL). Se nas consultas Datafolha e Ibope, divulgadas dias 10 e 11, o ex-capitão do Exército tinha registrado respectivamente 24% e 26% das intenções de voto, ele foi um pouco além na Paraná: 26,6%. Nela, bem distantes do primeiro colocado, seus quatro principais concorrentes ficaram embolados no empate técnico: Ciro Gomes (PDT), com 11,9%; Marina Silva (Rede), 10,6%; Geraldo Alckmin (PSDB), 8,7%; e Fernando Haddad (PT), 8,3%.

 

O tempo da facada

A margem de erro da Paraná foi a mesma da Datafolha e Ibope: dois pontos para mais ou menos. E a ordem entre Ciro, Marina, Alckmin e Haddad foi praticamente a mesma nas três. Só que foram feitas em datas diferentes: a Datafolha, no dia 10; a Ibope, entre os dias 8 e 10; e a Paraná, do dia 7 ao 11. Como o atendado a faca sobre Bolsonaro foi no dia 6, a Datafolha foi a mais distante da comoção gerada pelo episódio, embora tenha sido a primeira a ser divulgada. E ela deu o menor índice de intenções de voto ao capitão. O maior foi na Paraná, feita mais próxima ao fato, embora última a ser divulgada.

 

Bolsonaro x Campos

Antes da Paraná de ontem, a última pesquisa do instituto havia sido divulgada em 14 de agosto. Entre as duas, o crescimento de Bolsonaro foi de 4,6 pontos. Em evento similar à facada, na eleição presidencial de 2014 uma queda de avião matou o candidato Eduardo Campos (PSB). Para se ter uma ideia da diferença do impacto dos dois fatos sobre o eleitor, Campos tinha 7% de intenções de voto na última Datafolha antes da sua morte. E sua vice Marina, que assumiu a cabeça de chapa, pulou para 24% na consulta seguinte. Foi um crescimento de 17 pontos, 12,4 a mais do que teve agora Bolsonaro.

 

“Já deu o que tinha que dar”

Comparadas a queda do avião e a facada, o fato é que a influência do evento mais recente não foi a esperada pela campanha de Bolsonaro. General vice do capitão, Hamilton Mourão tinha declarado desde terça (11): “esse troço já deu o que tinha que dar”. Do que já deu, talvez o mais relevante tenha sido revelado pelo Ibope: candidato mais competitivo no primeiro turno, o instituto foi o primeiro a revelar que ele tinha se tornado competitivo também no segundo. Como a coluna abordou ontem, Bolsonaro perdeu, empatou ou ganhou dentro da margem de erro, em todas as simulações de segundo turno do Ibope.

 

Rejeição diferente

Diferente da Datafolha e Ibope, a Paraná não fez simulações de segundo turno. Índice fundamental à sua definição, a rejeição foi medida de maneira individual, não em disco, pelo terceiro instituto. Na metodologia diferente, Bolsonaro teve 53,2% de eleitores que não votariam nele de jeito nenhum. Foi uma rejeição inferior à de Haddad, 62,6%; de Alckmin, 60,3%; e de Marina, 54,8%. Só Ciro, com 52% no índice negativo, ficou abaixo do capitão. Além disso, na pergunta sobre os dois candidatos que estarão no segundo turno, Bolsonaro liderou com 51,9%, seguido de Ciro, 26%; Alckmin, 23,7%; Marina, 18,2%; e Haddad, 14,8%.

 

CUT hoje, Datafolha amanhã

A aparente vantagem de Bolsonaro na Paraná, em relação à desvantagem de Haddad, deve se inverter radicalmente na Vox Populi anunciada para hoje. A última consulta deste instituto foi feita em julho. E o resultado, muito acima de qualquer pesquisa da época, foi favorável ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), já preso, mas ainda sem ser barrado pelo TSE.  Antes e agora, o contratante do Vox Populi foi a CUT. Assim, se a insuspeita parceria hoje produzir Haddad já à frente de Ciro, Marina e Alckmin, nenhum não petista levará a sério. Para sanar dúvidas, a Datafolha tem uma nova pesquisa consulta presidencial esperada para amanhã.

 

Toffoli assume o STF

Recusado duas vezes no concurso público para juiz de primeira instância em São Paulo, Dias Toffoli foi guindado ao Supremo Tribunal Federal (STF), após ter sido advogado do PT e chefe da Advocacia-Geral da União no governo Lula. Ele assume hoje a presidência do STF, no qual coleciona decisões polêmicas, como a que suspendeu a operação Caixa d’Água, onde o ex-governador Anthony Garotinho (PRP) é acusado de extorsão com emprego da arma de fogo para campanha. Um dia antes de assumir o cargo, ele ganhou elogios. De Gilmar Mendes, Alexandre de Moraes e de Luiz Fux, que será seu vice e disse prever um STF mais “harmonioso”.

 

Com o jornalista Aldir Sales

 

Publicado hoje (13) na Folha da Manhã

 

Com 34% do voto dividido entre Ciro, Marina e Alckmin, Haddad põe o pé na estrada

 

Antes de ser oficializado ontem candidato a presidente do PT no lugar de Lula, Haddad já punha o pé na estrada em Alagoas, entre o senador Renan Calheiros e Renan Filho, governador daquele estado e candidato à reeleição

 

 

Elio Gaspari, jornalista e escritor

Haddad põe o pé na estrada

Por Elio Gaspari

 

Fernando Haddad tem pouco mais de um mês para mostrar que não é o “Andrade”. Sua unção aconteceu aos 45 minutos do segundo tempo, quando a vitimização de Lula já tinha rendido tudo o que podia render. É até provável que o PT tenha perdido uma semana de propaganda ao esticar desnecessariamente a corda.

Haddad entra em campo com o patrimônio dos bons tempos de Lula e com a bola de ferro das malfeitorias do petismo. Seus adversários negam que ele tenha presidido um país com emprego, crescimento e olho na redução das desigualdades sociais. Perdem tempo, pois o sujeito que perdeu o emprego se lembra da vida que teve. Já os petistas, inclusive Haddad, embrulham o mensalão e as petrorroubalheiras numa delirante teoria da conspiração. Também perdem tempo, pois o resultado está aí e chama-se Jair Bolsonaro.

A cenografia que o PT armou ontem em Curitiba foi exemplar. O comissariado, reunido num hotel, anunciou que seu Diretório Nacional decidiu, por unanimidade, colocar Haddad na cabeça da chapa. Teriam feito melhor se dissessem que carimbaram uma decisão de Lula, coisa que até as grades da carceragem da Federal já sabiam. Há dias Haddad fez-se fotografar sorrindo atrás de uma máscara de Lula. A partir de hoje começa a ser testada a cena real, com Lula sorrindo atrás de uma máscara de Haddad.

O PT e Bolsonaro têm o mesmo sonho: chegar ao segundo turno tendo o outro como adversário. Talvez esse seja o único projeto comum à senadora Gleisi Hoffmann e ao general Hamilton Mourão.

Todas as projeções feitas com base nas pesquisas desembocam na mesma pergunta: qual será a transferência de Lula? Certo mesmo é que enquanto se espera por um crescimento de Haddad capaz de levá-lo a um segundo turno contra Bolsonaro, algo que se poderia chamar de eleitorado de centro espalhou seus votos entre três candidatos, Ciro Gomes, Marina Silva e Geraldo Alckmin têm 34% das preferências, Bolsonaro tem 24%.

Com o pé na estrada, Haddad oferece um projeto, goste-se ou não dele. Seus adversários do suposto centro estão perdidos numa busca de estratégias marqueteiras. Eduardo Jorge, candidato a vice na chapa de Marina Silva, viu num indesejável dilema Haddad-Bolsonaro uma oportunidade para ferir o petista: “Bolsonaro é o candidato do Lula no segundo turno para, junto com candidato terceirizado que ele quer colocar na outra vaga da finalíssima, pavimentar a volta do Lula”. Com anos de atraso, Marina usa a palavra “corrupto” para classificar Lula. Alckmin decide atacar Bolsonaro, freia e dá marcha a ré. Já Ciro Gomes, que negociava uma chapa com Haddad, lembrou que na eleição de 2016 ele perdeu a prefeitura de São Paulo no primeiro turno, tendo conseguido menos votos que a soma dos nulos e em branco.

Esse clima de barata-voa dificilmente construirá candidaturas que possam ser associadas a políticas públicas. Pode-se atribuir o leve crescimento de Ciro Gomes à sua proposta de renegociação das dívidas dos inadimplentes do sistema de crédito. Ganha uma viagem à Venezuela quem for capaz de citar uma proposta de Geraldo Alckmin. Outro dia ele quis contar que pretende reforçar a Força Nacional com a contratação de conscritos que deixam as Forças Armadas, mas perdeu-se com reminiscências.

Haddad tira o tom de fantasia em que o PT envolveu sua participação na disputa. É tão pesado quanto o foi Dilma Rousseff na sua primeira campanha. Se o poste de 2010 tinha a alavanca do poder e do sucesso lulista, o ex-prefeito de São Paulo depende do prédio da carceragem de Curitiba.

 

Publicado aqui em O Globo

 

Ciro fala sobre indulto a Lula e define Haddad: “uma nova Dilma”

 

Ao jornalista estadunidense Glenn Greenwald, da Intercept Brasil, o presidenciável Ciro Gomes (PDT) fala sobre a possibilidade de dar indulto a Lula, caso seja eleito presiente, e define Fernando Haddad, candidato a presidente lançado ontem pelo PT:

— Uma nova Dilma, uma pessoa que não tem liderança, que não tem experiência (…) candidatou-se a prefeito de São Paulo no cargo e perdeu não foi para o Dória, que é um farsante, no primeiro turno. Ele perdeu para nulo e branco. Teve 16% dos votos. Como é que alguém acha que um camarada desses, com 15 dias da eleição, vai virar presidente? (…) vai passar para a sociedade a necessidade de sair de Brasília em hora de tensão e consultar o Lula no presídio em Curitiba. Isso destrói um país.

Confira o vídeo:

 

 

Na maré da facada, Ibope revela que Bolsonaro pode vencer a eleição

 

 

Charge do José Renato publicada hoje (12) na Folha

 

Ibope sorri a Bolsonaro

Duas coisas definem uma eleição em dois turnos: no primeiro, as intenções de voto; no segundo, a rejeição. Pelas intenções de voto, tanto a pesquisa Datafolha da segunda, quanto a Ibope divulgada ontem, indicam que o presidenciável Jair Bolsonaro (PSL) estará no segundo turno. Se no primeiro instituto ele liderou com 24% nas intenções de voto, no segundo bateu 26%. Mas o dado mais relevante do Ibope de ontem foi que Bolsonaro caiu três pontos na rejeição: dos 44% na véspera da facada, para 41% depois dela. Em consequência, foi a primeira pesquisa a mostrar que a vitória final do ex-capitão do Exército é possível.

 

Bem nos dois turnos

Líder isolado em qualquer pesquisa, os 26% de intenções de voto no Ibope deram a Bolsonaro um mínimo de 15 pontos de vantagem sobre os concorrentes melhor colocados: Ciro Gomes (PDT) teve 11%; Marina Silva (Rede) e Geraldo Alckmin (PSDB), 9% ambos; e Fernando Haddad (PT), 8%. Mas a grande novidade ficou por conta das simulações de segundo turno. Em duas o capitão continuou atrás, mas já em empate técnico na margem de erro de dois pontos para mais ou menos: 37% x 40% para Ciro e 37% x 38%, para Alckmin. O empate foi numérico com Marina (38% x 38%) e uma vitória no limite da margem de erro com Haddad: 40% x 36%.

 

Tendências

A 25 dias das urnas de 7 de outubro, a ordem dos cinco primeiros candidatos, revelada na Datafolha de segunda, foi praticamente a mesma pelo Ibope do dia seguinte. Comparadas as duas últimas pesquisas deste instituto, apenas dois presidenciáveis ganharam eleitores nos últimos seis dias: Bolsonaro (quatro pontos) e Haddad (dois pontos). Ciro, que tinha crescido no Datafolha, apareceu com queda de um ponto no Ibope. E nele se juntou a Marina, que teve perda maior: três pontos. Entre a pesquisa Ibope de ontem e a divulgada no último dia 5, véspera da facada em Juiz de Fora, apenas Alckmin não perdeu ou ganhou votos.

 

Delírios

As diferenças, sobretudo nas simulações de segundo turno entre Datafolha e Ibope, irão suscitar dúvidas. Os eleitores de esquerda certamente questionarão os números do segundo instituto. Enquanto os de Bolsonaro, após o Ibope, miraculosamente passarão a acreditar nas pesquisas. Embora, contrariando a todas, seguirão pregando a crença na vitória do seu candidato no primeiro turno. E tanto de um lado, quanto do outro, terão o mesmo valor real de quem afirmou que a vereadora carioca Marielle Franco (Psol) era ligada ao tráfico de drogas, ou de quem depois disse que a facada em Bolsonaro foi fake.

 

Mais pesquisas

De qualquer maneira, está prevista a divulgação de novas pesquisas presidenciais: hoje (12), do instituto Paraná; amanhã (13), do Vox Populi; e na sexta (14), outra Datafolha. Destas três, apenas a segunda deve ser encarada com reservas, após sua última consulta de julho, numa parceria insuspeita com a CUT, afirmar que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), já preso em Curitiba, teria 41% de intenções de voto, enquanto todos os demais então pré-candidatos a presidente, juntos, teriam apenas 29%. Se o Vox Populi agora trouxer Haddad à frente de Ciro, Marina e Alckmin, ninguém fora do PT levará a sério.

 

Maré mais alta

Na definição batida, mas verdadeira: pesquisa é retrato do momento. Lógico que quanto mais o momento se aproxima da urna, é mais difícil de ser alterado. Mas o campista que assistiu à vitória no primeiro turno de Rafael Diniz (PPS) em 2016, sabe que nem tudo é previsto. Após a facada em Bolsonaro, que saiu ontem da UTI, ele vive seu melhor momento. O que é natural. E o Ibope viu este momento melhor ao candidato do que a Datafolha. Mas é difícil que se mantenha nos próximos 25 dias, após os ataques a ele recomeçarem. Em outra referência fácil a quem é da região: ao capitão, pode ter sido a maré alta da lua mais cheia de março em Atafona.

 

Na onda

E por falar no litoral de SJB, tem gente parecendo querer surfar com Bolsonaro. Na reta final de seu terceiro biênio como presidente da Câmara, Aluizio Siqueira (PP) usou seu perfil na rede social Facebook para pedir votos. O que chama atenção é a configuração, nada ideológica, da chapa proposta. Vai de candidata a deputada estadual pelo PT, passa por nomes do DEM e chega até o PSL, de Bolsonaro. Só o tempo vai mostrar se a tática trará resultados políticos. Agora, o que encara são águas revoltas no oceano de comentários das redes sociais por parte de quem não entende, e com certa razão, pedido de votos para o PT e o PSL ao mesmo tempo.

 

Com o jornalista Arnaldo Neto

 

Publicado hoje (12) na Folha da Manhã

 

Após facada em Bolsonaro, Datafolha revela a pedra entre Caim e Abel

 

 

Datafolha após facada

Do atentado de Juiz de Fora até ontem, foram apenas quatro dias. Mas, dada a solidariedade até dos concorrentes, dificilmente Jair Bolsonaro (PSL) vai contar nesta campanha presidencial com ambiente mais favorável para crescer as intenções de voto e diminuir sua rejeição. Na esperada pesquisa Datafolha divulgada ontem, o presidenciável do PSL cresceu pouco no índice positivo: de 22% a 24%. No negativo, mesmo ainda se recuperando na UTI de um hospital, sua rejeição aumentou: os eleitores que não votariam nele de jeito nenhum foram de 39% para 43%. É rejeição bem próxima à revelado pelo Ibope no dia 5, véspera da facada: 44%.

 

Ciro, Marina, Alckmin e Haddad

Nas intenções de voto, bem atrás de Bolsonaro, vieram Ciro Gomes (PDT), com 13%; Marina Silva (Rede), 11%; Geraldo Alckmin (PSDB), 10%; e Fernando Haddad (PT), 9%. Na margem de erro de dois pontos para mais ou menos, estão todos em empate técnico. A vantagem entre os quatro é apontada pelas tendências na comparação com a Datafolha divulgada em 22 de agosto. A maior perda foi de Marina: sangrou cinco pontos. Alckmin cresceu um e Ciro, três. Mas Haddad foi quem mais ganhou: cinco pontos.

 

Força do PT

O crescimento de Haddad era esperado, mas ele mais que dobrou as intenções de voto. Hoje, em Curitiba, onde o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva está preso desde 7 de abril, o ex-prefeito paulista será ungido candidato a presidente do PT. Coincidentemente, será o dia do 17º aniversário do atentado às Torres Gêmeas de Nova York, enquanto as novas delações de Antonio Palocci já decolaram. Com a candidatura impugnada pelo TSE, que também o impediu de participar da campanha, Lula terá dificuldade de fazer por Haddad o que fez por Dilma em 2010 e 2014. Mas só um tolo duvidaria da capacidade eleitoral do PT e do seu maior líder.

 

Hora H

Até aqui, o maior obstáculo para que o PT e Bolsonaro se enfrentem no segundo turno sonhado por ambos, parece ser Ciro. Marina e Alckmin estão no jogo, mas não na melhor posição. A ambientalista, que vinha atrás de Bolsonaro nas pesquisas há dois anos, teve uma queda relevante nas intenções de voto justamente quando a campanha se afunila, a apenas 26 dias da urna. Já o tucano disputa o mesmo eleitor antipetista com o ex-capitão do Exército, mas perde para ele até em São Paulo, Estado que governou quatro vezes. Em 2014, o hoje pária Aécio Neves (PSDB) perdeu nas suas Minas Gerais para Dilma Rousseff (PT).

 

Caim e Abel

Como no Ibope, Bolsonaro perdeu todas as simulações de segundo turno Datafolha: 35% x 45% para Ciro, 34% x 43% para Alckmin, e 37% x 43% para Marina. É fruto da sua tremenda rejeição, que nem a solidariedade mitigou. Mas, pesquisa a pesquisa indicam que o capitão sobrevive a 7 de outubro. Haddad também perdeu quase todas suas simulações de segundo turno: 29% x 43% para Alckmin e 31% x 42%, para Marina. Só entre si, Bolsonaro 38% x 39% Haddad têm chance. Curiosamente, o Datafolha não simulou o turno final entre Ciro, que ganha de todos, e o substituto de Lula. Talvez por prever um confronto entre Caim e Abel.

 

Ibope: Paes e Romário

No último dia 6, mesmo do atentado a Bolsonaro, a pesquisa Datafolha a governador do Rio deu a impressão que a fatura estivesse liquidada: Eduardo Paes (DEM) com 24% das intenções de voto, bem à frente de Romário Faria (Pode) e Anthony Garotinho (PRP), ambos com 10%. Mas a consulta Ibope, divulgada ontem, sinalizou que a coisa não é bem assim. Na comparação com a amostragem anterior do mesmo instituto, Paes confirmou sua curva ascendente: pulou de 12% a 23%. Mas, diferente da Datafolha, Romário cresceu no Ibope: de 14% a 20%. Ele está em empate técnico pela liderança, na margem de erro de três pontos para mais ou menos.

 

Atrás: Garotinho e Tarcísio

Na dúvida sobre a diferença de 10 pontos que Romário teve entre os dois institutos, duas certezas em ambos: a) Paes cresceu bastante e briga forte pela liderança; e b) Garotinho ficou para trás na disputa ao segundo turno. No Ibope de ontem, o político de Campos manteve os 12% que já havia registrado em 20 de agosto. Seu único consolo é que, pelo menos na última pesquisa, ele apareceu fora do empate técnico com Tarcísio Motta (Psol), que também não alterou seus 5% anteriores. No Ibope, o candidato do PRP teve sete pontos de vantagem sobre o do Psol, um além da margem de erro. No Datafolha, foram só três pontos de diferença.

 

Publicado hoje (11) na Folha da Manhã

 

De Lula a Bolsonaro, endeusar políticos é sintoma de transtorno mental

 

(Foto: Eraldo Peres – AP)

 

João Pereira Coutinho, escritor e doutor em ciência política pela Universidade Católica Portuguesa

Endeusar políticos é sintoma de transtorno mental

Por João Pereira Coutinho

 

Todo mundo fala de “fake news”. Poucos falam de “fake readers”. E, no entanto, os segundos sempre me pareceram mais perigosos do que as primeiras.

Produzir informações falsas ou conspiratórias sempre fez parte do DNA da espécie. Até Eva, que era Eva e vivia no Paraíso, não se conteve e foi um pouco “fake” com Adão no episódio da maçã.

Mas é preciso ter uma mente especial, igualmente falsa e conspiratória, para que as “fake news” possam nascer e prosperar. E, nesse quesito, há países e países.

O instituto de pesquisas Ipsos Mori resolveu estudar o assunto, informa o jornal “Daily Telegraph”. Entrevistou mais de 19 mil pessoas em 27 países. E concluiu, entre outras coisas, que os “fake readers” não se distribuem democraticamente pelo mundo.

Quando falamos de “fake readers”, falamos de pessoas com uma certa “tendência” ou “susceptibilidade” para acreditar em tudo que leem. Sem duvidar, sem questionar.

Itália ou Reino Unido, dois países que conheço bem, são pouco crédulos. Entre os italianos, só 29% confessam ter sido enganados por “fake news”. Entre os britânicos, só 33%. Motivos?

Arrisco um: a desconfiança permanente que italianos e ingleses sempre manifestaram em relação ao poder. Por razões históricas ou filosóficas, ambos os povos sempre tiveram aquela centelha anarquista que permite olhar para a realidade com uma dose saudável de cepticismo.

Não é por acaso que Itália, depois da aberração fascista, tenha tido mais de 60 governos desde o fim da Segunda Guerra Mundial. Há traumas que nunca se esquecem.

E não é por acaso que Inglaterra, nas palavras do historiador Élie Halévy, tenha passado por todas as revoluções — industrial, social, cultural — sem nunca ter feito a Revolução (com maiúscula).

Mas no estudo do Ipsos Mori há um país que se destaca pelo seu impressionante grau de credulidade: o Brasil, que lidera a lista. Os brasileiros, ou 62% deles, são os mais crédulos de todos (a média é 48%). Em segundo lugar, com 58%, vem a Arábia Saudita. Como explicar isso?

Eruditos apressados dirão que a culpa é da colonização (e do atraso educacional); da herança católica (e da reverência cega perante a palavra escrita); ou, então, de ninguém: se o Brasil é um dos maiores consumidores mundiais de internet, é inevitável que o número de otários seja proporcional ao número de usuários.

Boa sorte nesse debate. Uma coisa é certa: se há algo que distingue o período eleitoral que o país vive é a existência de tribos — à esquerda e à direita, sem distinção — que cometem o supremo pecado em política: acreditar em políticos e batalhar obstinadamente por eles.

Atenção: não se trata de repetir o clichê popular (e populista) de que “todo político é ladrão/incompetente/psicopata”. Provavelmente, nem todos. Provavelmente.

Mas existe uma diferença entre cultivar esse advérbio cauteloso e defender, com fanatismo, o dogma contrário: o político em quem eu voto é a encarnação terrena da sabedoria e da salvação.

Uma temporada recente no Brasil só confirmou o que eu já conseguia intuir à distância: do brasileiro mais anônimo ao militante mais sofisticado, todos parecem sofrer da mesma febre — uma confiança cega, e surda, e muda, e até paralítica, no seu candidato.

Observei isso ao vivo: estava no aeroporto de Brasília, aguardando o meu voo para São Paulo (dia 31 de julho, umas 11 horas da manhã), quando uma turba enlouquecida veio na minha direção. Que fiz eu para merecer aquilo?

Ledo engano. Quando olhei para trás, Jair Bolsonaro estava a um metro de mim, vindo sei lá de onde. O que se seguiu foi digno de um encontro religioso.

Não é um exclusivo de Bolsonaro. O mesmo poderia acontecer com Lula — e acontece, à porta do cárcere, onde dezenas, centenas, milhares de crentes são capazes de enfiar a cabeça na guilhotina pela honestidade de terceiros.

Engraçado: eu sou incapaz de arriscar a minha cabeça por pessoas que conheço bem, ou que julgo conhecer. Aliás, para ser honesto, nem por mim arriscaria o bestunto. Como proceder de forma diferente com alguém que eu não conheço de todo — e, ainda para mais, um político, ou seja, um membro da espécie “homo sapiens” que inevitavelmente possui um grau maior de narcisismo e ambição por contingências do ofício?

Votar no melhor candidato é uma coisa; endeusá-lo e canonizá-lo, um sintoma de transtorno mental.

Haverá cura? Não sei. Mas, se houver, desconfio que italianos e ingleses têm a chave do problema.

 

Publicado aqui na Folha de São Paulo

 

Igor Franco — Eleições 2018: Reloaded

 

Reprodução: Twitter/@FlavioBolsonaro

 

O país que encara com certo marasmo os mais de sessenta mil assassinatos anuais também é o país em que certos pudores ainda estão vigentes. Felizmente, a tentativa de homicídio do candidato líder nas pesquisas parece ser uma dessas fronteiras em que não toleramos cruzar. Embora rico em exemplos de ruptura institucional, a cena explícita compartilhada em ritmo alucinante via redes sociais e mídia tradicional extrapolou o que o mais pessimista observador poderia imaginar a respeito da campanha presidencial de 2018.

Tão brutal quanto a cena do homicida potencial cravando a faca no abdômen de Bolsonaro foi a baixeza e a estupidez de diversas reações de pessoas contrárias às ideias do militar. Não importava que houvesse dezenas de vídeos gravados pelos mais diversos ângulos ou que brotassem imagens de Bolsonaro sendo operado. Para os especialistas em medicina formados pelas séries da Netflix, estaríamos diante de uma encenação envolvendo milhares de populares, Polícia Federal, hospital, médicos e grande mídia, todos envolvidos num objetivo maior que, por algum motivo, envolveria uma facada fake em Jair. Tais reações só não envergonharam mais que a torcida explícita pela morte do candidato. Prontos a esquecer os pedidos de “mais amor, por favor” e as declarações a favor da tolerância, muitos buscaram justificar sua torcida pela tragédia maior na postura beligerante do candidato. Buscando algum tipo de equivalência mórbida, alguns chegaram a insinuar que a morte do candidato “compensaria” o assassinato da vereadora Marielle Franco (Psol-RJ), ocorrido no início do ano.

Não cumpre aqui negar que o discurso histórico de Bolsonaro, que em diversos momentos ultrapassou a fronteira do bom senso e da prudência, seja alheio ao caldeirão de intolerância em que ferve grande parte do eleitorado. Porém, a vilania de atribuir à vítima culpa por seu infortúnio significa justificar crimes sempre pela ótica do criminoso — principalmente quando falamos de uma tentativa de homicídio. Para um estuprador, um ladrão ou um psicopata seu alvo sempre terá oferecido um pretexto que justifique sua conduta violenta.

Passado o choque inicial com o ocorrido, cumpre destacar as reações dos adversários eleitorais de Bolsonaro: em uníssono, condenaram a violência e reforçaram que certas condutas são inadmissíveis na democracia e, dentre elas, a eliminação física de opositores. Enquanto convalesce no hospital, o capitão pode esperar pelo menos alguns dias de trégua em relação à campanha negativa que vinha sofrendo durante o horário eleitoral, especialmente partindo do candidato tucano Geraldo Alckmin, que depende da migração para si dos votos antipetistas que hoje pertencem a Bolsonaro. É bem provável que toda a estratégia de campanha dos candidatos do primeiro turno seja revista a partir das primeiras pesquisas que capturarem a percepção do eleitorado a respeito do atentado.

A maior dúvida diz respeito ao efeito da comoção inicial da população em relação à altíssima rejeição do líder. No último Datafolha, divulgado na semana passada, Bolsonaro perdia em todos os cenários simulados — exceto contra Haddad (PT), cenário em que havia empate técnico. Nos poucos minutos restantes de negociação aberta após a facada, alguns grandes agentes do mercado fizeram a leitura de que o ocorrido seria suficientemente forte para amolecer os corações dos eleitores. No fechamento do mercado, o dólar despencou e a bolsa disparou.

O imponderável resolveu, mais uma vez, dar as caras na eleição presidencial brasileira. Enquanto a queda do avião de Eduardo Campos “zerou” a corrida de 2014 e quase foi suficiente para levar Marina Silva ao segundo turno — o que mudaria ainda mais a história do país — podemos estar diante de um novo turning point na política brasileira. À exemplo da guinada que teve início com a “Carta ao Povo Brasileiro” em que inaugurou o figurino “Lulinha Paz & Amor” que lhe rendeu dois mandatos em sequência, resta saber se Bolsonaro será capaz de utilizar a tragédia que lhe acometeu a seu favor, modulando seu discurso e propondo alguma espécie de união que soe sincera aos indecisos e aos que, hoje, enxergam no candidato algo que não desejam para o posto mais importante da política nacional.

Bolsonaro tem, hoje, o domínio da narrativa e grande poder de decidir o seu próprio futuro. A julgar pelas primeiras manifestações pós-cirurgia, entretanto, parece que a facada não lhe deixará outro legado que não seja um grande trauma.