Felipe Fernandes — “Imaculada” desperdiça oportunidades

 

 

Felipe Fernandes, cineasta publicitário e crítico de cinema

Milagre, submissão e violência

Por Felipe Fernandes

 

Quanto tinha apenas 16 anos, a atriz Sydney Sweeney fez um teste para um papel em um filme que se passava em um misterioso convento, mas o filme não saiu do papel. Vários anos se passaram e a agora nova queridinha de Hollywood montou uma produtora e resolveu dar vida ao projeto que nunca saiu de sua cabeça.

“Imaculada” é o longa de estreia do roteirista Andrew Lobel e o segundo longa da parceria entre Sweeney e o diretor Michael Mohan (eles trabalharam juntos em “Observadores”, de 2021) e narra a história de uma jovem freira recém chegada a um convento remoto no interior da Itália, que funciona como uma espécie de retiro para freiras idosas e doentes, que são cuidadas pelas mais novas. Algumas coisas estranhas começam a acontecer, até que a protagonista Cecília descobre estar grávida. Uma situação impossível, que é tratada por todos como um verdadeiro milagre.

A primeira cena traz uma freira tentando sair do convento, mas acaba sendo atacada por um grupo de pessoas misteriosas, cobertas com uma roupa que indica que fazem parte de uma espécie de culto. Essa cena já estabelece três elementos da narrativa. Que de fato existe algo sinistro e muito perigoso naquele lugar, que o filme é um terror que vai apostar em conteúdo violento e que os efeitos especiais vão deixar a desejar.

O longa parece uma mistura de “O bebê de Rosemary” com “Suspiria”, dois longas que trabalham essa ideia da jovem chegando a um novo local, precisando lidar com as diferenças enquanto tenta se encaixar a sua nova realidade. O roteiro de Lobel carece de um certo refinamento, essa cena de abertura exemplifica bem como ao entregar de cara que algo está terrivelmente errado, o longa perde a oportunidade de trabalhar qualquer tipo de dúvida em relação a protagonista com sua nova realidade.

O filme aposta no susto barato e nos piores clichês do gênero (ninguém aguenta mais cenas de pesadelo e de pássaros se chocando aleatoriamente contra um vidro), funcionando melhor quando busca o choque, trabalhando o terror de forma mais direta. Tematicamente o longa tem temas muito atuais e interessantes, que poderiam agregar discussões religiosas e morais pertinentes sobre dogmatismo religioso, corpo feminino e aborto, temas que ficam apenas na superfície.

As implicações da gravidez e as regalias que ela passa a ter no convento, poderiam gerar uma relação de poder dela não só com as outras freiras, mas com os cardeais da igreja, uma outra ideia que é muito pouco explorada, mas traz duas das melhores cenas do longa.. As mudanças na personagem acontecem até de uma forma satisfatória. Sua mudança de mulher submissa, para um postura agressiva de sobrevivente, funciona muito devido a entrega de Sweeney, que interpreta Cecília em uma intensidade crescente.

O filme parece ter sido construído a partir de sua reviravolta e de sua cena final, o que não é necessariamente um problema, mas faz com que a narrativa flua de forma mais artificial, pois precisa se encaixar no desfecho. A cena final tem potencial para gerar muita polêmica, mas parece que o corajoso desfecho não atingiu o efeito esperado, já que as redes sociais não vêm debatendo todas as complexas questões envolvendo o clímax do longa.

“Imaculada” é um longa que poderia crescer bastante como um suspense focado em debater suas temáticas de forma direta e corajosa, trabalhando seus simbolismos em contraste com os dogmas da igreja, mas acaba seguindo pelo caminho mais básico do cinema de terror. Passa longe de ser um desastre, mas é um filme sem identidade, que parece misturar suas maiores referências na construção de uma narrativa que não assusta, nem se aprofunda em suas problemáticas. Busca uma catarse em uma impactante cena final que comprova seu potencial desperdiçado.

 

Publicado hoje na Folha da Manhã.

 

Confira o trailer do filme:

 

Morre, aos 86, Jerry West, lenda do basquete e logo da NBA

 

Jerry West imortalizado das quadras de basquete à logomarca da NBA

 

Lenda do basquete, dentro e fora das quadras, Jerry West faleceu hoje, aos 86 anos. No grupo de WhatsApp deste blog e do programa Folha no Ar, tenho acompanhado e publicado sobre a NBA, desde as finais das Conferências Leste e Oeste. Na noite da última quinta (6), logo após o Boston Celtics (campeão do Leste) derrotar com facilidade o Dallas Mavericks (campeão do Oeste), para abrir 1 a 0 na série final (já está 2 a 0, com o jogo 3 hoje, às 21h30), citei a lenda do basquete Jerry West, para falar do misticismo que existe na NBA:

— Kyrie Irving (armador do Dallas) poderia ter jurado ficar no Boston e saído, como fez. Mas não deveria, antes de chegar ao Dallas, ter pisado na cara do leprechaun, ser mítico do folclore irlandês, pintado no círculo central da quadra dos Celtas. Lenda dos Los Angeles Lakers que disputou e perdeu algumas finais contra o Boston, Jerry West já tinha advertido: “Quem não crê nesse duende sacana, que enfrente o Boston dentro da casa dele”.

Jerry West sabia bem do que estava falando. Como jogador, disputou 9 finais da NBA pelos Los Angeles Lakers, entre os anos 1960 e 1970. E foi campeão apenas em 1972. Das oito vezes em que perdeu, nada menos que seis foram para o Boston, do também lendário Bill Russell, morto em 2022 e único jogador com 11 anéis de campeão do melhor basquete do mundo.

 

Jerry West salta para o arremesso marcado por seu grande rival e algoz dentro das quadras, Bill Russell (camisa 6)

 

Ainda assim, West foi eleito em 1969 como MVP (“Most Valuable Player” ou “Jogador Mais Valioso”) das finais contra o campeão Boston. E é até hoje o único a ter conquistado esse cobiçado título individual a despeito da derrota coletiva do seu time. Depois, como coordenador técnico e dirigente, seria campeão da NBA oito vezes. Com os Lakers, em 1980, 1982, 1985, 1987, 1988 e 2000. E, com o Golden State Warriors, em 2015 e 2017.

 

Considerado o maior armador da atualidade, Stephen Curry aprende os atalhos da posição com Jerry West, no Golden State Warriors

 

Antes de estrear profissionalmente nos Lakers como jogador, West foi campeão olímpico pelos EUA em Roma-1960. Particularmente, me lembro dele nos anos 1980, já aposentado das quadras, como coordenador técnico dos Lakers. Foi quando passei a torcer pelo time e a acompanhar a NBA, então dominada pelo Showtime de Magic Johnson e Kareem Abdul-Jabbar, em sua rivalidade hoje mítica com o Boston Celtics de Larry Bird — em reprise ao que West e Russell tinham feito nas duas décadas anteriores.

 

Com os três já aposentados como jogadores, Jerry West, Kareem Abdul-Jabbar e Magic Johnson, que conquistaram juntos cinco títulos da NBA para os Lakers

 

Não tive a sorte de ver Jerry West jogar. Assim como não pude ver dentro de quadra Bill Russel e outro lendário pivô, companheiro de West nos Lakers, Wilt Chamberlain, morto em 1999. Os três, certamente, entram na briga da sempre polêmica eleição de melhor jogador de basquete de todos os tempos. Sobre West, o armador e ala-armador era apelidado de “Mr. Clutch”, por sua habilidade de acertar arremessos difíceis e decisivos com o tempo estourando.

 

Além da logomarca da NBA, Jerry West também foi imortalizado como jogador em estátua dos Lakers

 

Sempre que um garoto de qualquer parte do mundo ganhar uma camisa de qualquer clube da NBA e for conferir a logomarca desta, verá Jerry West jovem, imortalizado com a bola na mão esquerda, driblando dentro da quadra. Ao saber hoje da sua morte, fiquei com a mesma sensação de quando soube da passagem de Garrincha, Domingos da Guia, Didi, Zizinho, Puskás, Di Stéfano, Cruyff, Beckenbauer e Pelé. Tive saudade do que não vivi.

 

Confira alguns dos melhores lances de Jerry West como jogador:

 

Campistas que brilham no Rio de Janeiro e em Brasília

 

Campistas brilhando la fora: procurador de Justiça Cláudio Henrique da Cruz Viana, reeleito presidente da Amperj; e a nova secretária de Assuntos Federativos do Lula 3, Juliana Carneiro

 

Campista reeleito na Amperj

Campista, o procurador de Justiça Cláudio Henrique da Cruz Viana foi reeleito (confira aqui) na segunda (10) para mais um biênio (2025/2026) à presidência da Associação do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro (Amperj). Será o seu terceiro mandato consecutivo, após tomar posse do primeiro em 1º de janeiro de 2021. Encabeçada por ele, a chapa União foi a única inscrita na disputa da categoria. E teve 708 entre 755 votos (94% dos válidos). Antes de atuar na capital, Cláudio Henrique teve passagem marcante no Ministério Público da sua comarca natal, ainda nos anos 1990.

 

“Fortaleza à aplicação da lei”

“Agradeço aos associados pela oportunidade de prosseguir representando os seus interesses e lutando pelos seus direitos. A responsabilidade é enorme, mas a experiência adquirida ajudará a enfrentar os desafios. As prioridades não mudam. A própria razão de existir da Amperj é lutar para assegurar os direitos dos seus associados e, simultaneamente, buscar o fortalecimento do nosso Ministério Público. Precisamos ser cada vez mais úteis à sociedade. A Amperj sempre será a fortaleza daqueles que lutam por justiça e pela aplicação da lei”, disse Cláudio Henrique, após ser reeleito presidente da Amperj pela segunda vez.

 

Campistas brilham lá fora

No último sábado, a coluna repercutiu o que o blog Opiniões, hospedado no Folha1, havia divulgado na quinta (6): a campista Juliana Carneiro havia assumido naquele dia (confira aqui) como nova secretária especial de Assuntos Federativos da Presidência da República. Ela substituiu no cargo o ex-presidente da Alerj André Ceciliano (PT), que saiu do governo Lula 3 para ser pré-candidato a vice na chapa de reeleição do prefeito carioca Eduardo Paes (PSD). Quatro dias depois, o procurador Cláudio Henrique foi eleito para o seu terceiro mandado seguido como presidente da Amperj. Independente da área, é muito bom ver campistas brilhando lá fora.

 

Músico campista Zé Rubens

Adeus a Zé Rubens

Entre a quinta com Juliana ascendendo no Governo Federal e a segunda, com a reeleição de Cláudio na Amperj, uma notícia ruim. O músico campista José Rubens Rio da Rocha, 60 anos, foi achado morto no domingo (9), por familiares, na casa em que residia sozinho. Zé Rubens, como era mais conhecido, era (confira aqui) figura egressa e querida da classe média goitacá, sobretudo por sua atuação na música. Dos anos 1980 às primeiras décadas do século 21, ele embalou com violão e voz muitas noites campistas, em bares e festas, assim como sanjoanenses, em luaus em Atafona e Grussaí. Seu corpo foi sepultado na segunda, no Cemitério do Caju.

 

Publicado hoje na Folha da Manhã.

 

SJB à espera de pesquisa eleitoral entre Caputi e Danilo

 

(Montagem: Eliabe de Souza, o Cássio Jr.)

 

 

E a pesquisa eleitoral de SJB?

No sábado (8), esta coluna anunciou (confira aqui) que uma pesquisa eleitoral de São João da Barra, feita pelo instituto Factum, estava registrada no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) para ser divulgada na segunda (10). Não por conta do TSE, a previsão de divulgação acabou prorrogada para o próximo sábado (15), dia de nova edição da Folha da Manhã. Em 28 de março, uma pesquisa Factum foi divulgada no blog Opiniões, mas (confira aqui) de Silva Jardim. Que deu à prefeita daquele município, Maira do Jaime (MDB), favoritismo à reeleição: 51,2% das intenções de voto na consulta estimulada — com apresentação dos nomes dos prefeitáveis ao eleitor.

 

Caputi manteve, reduziu ou aumentou vantagem?

Aquela pesquisa de Silva Jardim foi endossada tecnicamente pelo especialista William Passos, geógrafo com especialização doutoral em estatística no IBGE: “a pesquisa da Factum foi realizada sob parâmetros de alta qualidade técnica”. Por isso, a feita pelo mesmo instituto em São João da Barra era e é esperada. Sobretudo para saber se a prefeita Carla Caputi (União) mantém, reduziu ou aumentou sua grande vantagem à reeleição. Que uma pesquisa Iguape de outubro de 2023, ainda sem necessidade de registro no TSE, registrou (confira aqui) entre 72,2% e 72,9% das intenções de voto na consulta estimulada.

 

Em 2023, contra Bruno e Elísio

Ocorre que, entre as pesquisas eleitorais de SJB de outubro de 2023 e de junho de 2024, houve relevante alteração no cenário. Nove meses atrás, a Iguape mediu as intenções de voto de dois possíveis adversários de Caputi: o deputado estadual Bruno Dauaire (União) e o vereador Elísio Rodrigues (PL). Na repercussão daquela pesquisa, Bruno disse em primeira mão (confira aqui) a esta coluna, em 8 de novembro, que não seria candidato a prefeito. Por sua vez, como também foi divulgado pela coluna (confira aqui) em 6 de março, Elísio desistiu da pré-candidatura a prefeito pela oposição para compor com Caputi como pré-candidato à reeleição de vereador.

 

Em 2024, contra Danilo

Pré-candidatos a prefeito de SJB, em dois cenários da consulta estimulada Iguape de 2023, Elísio variou de 6,8% a 7,6% de intenção de voto; e Bruno de 4,8% a 6,7%. Hoje, às vésperas das convenções partidárias de julho, o único pré-candidato a prefeito de oposição é o jovem administrador público Danilo Barreto (Novo). Candidato mais votado a vereador na sede de SJB em 2020, ele não se elegeu. Portanto, se aparecer nessa pesquisa Factum de 2024 perto ou com mais intenção de voto a prefeito do que um deputado estadual e um vereador, Danilo já sairá ganhando politicamente. Por mais improvável que seja a sua vitória eleitoral. A ver.

 

Publicado hoje na Folha da Manhã.

 

Campista, procurador Cláudio Henrique reeleito presidente da Amperj

 

Campista, o procurador de Justiça Cláudio Henrique da Cruz Viana foi reeleito ontem para mais um biênio (2025/2026), seu terceiro consecutivo, à frente da Associação do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro (Amperj). Encabeçada por ele, a chapa União foi a única inscrita na disputa. E teve 708 dos 755 votos (94% dos válidos).

Antes de atuar na capital, Cláudio Henrique teve passagem marcante no Ministério Público goitacá, nos anos 1990. Abaixo, a transcrição da entrevista que deu, após ser reeleito pela segunda vez presidente da Amperj, publicada ainda na noite de ontem (confira aqui) no site da instituição:

 

Procurador de Justiça campista Cláudio Henrique da Cruz Viana, reeleito ontem pela 2ª vez à presidência da Amperj (Foto: Divulgação)

 

Amperj — Qual o sentimento que fica após ser três vezes consecutivas eleito para a presidência da Associação?

Cláudio Henrique — Em primeiro lugar, preciso expressar minha gratidão pela confiança reiterada da classe. Agradeço aos associados pela oportunidade de prosseguir representando os seus interesses e lutando pelos seus direitos. A responsabilidade é enorme, mas a experiência adquirida nos ajudará a enfrentar os desafios que se apresentam.

 

Amperj — quais serão as prioridades da gestão 2025-2026?

Cláudio Henrique — As prioridades não mudam. Desde o início da nossa gestão, sempre priorizamos os interesses dos associados acima de qualquer outro interesse. Acreditamos que a própria razão de existir da Amperj é lutar para assegurar e conquistar os direitos dos seus associados e, simultaneamente, buscar o fortalecimento do nosso Ministério Público. Nada é mais importante do que isso e continuaremos agindo com este propósito.

 

Amperj — Que mensagem enviaria aos associados?

Cláudio Henrique — Para alcançarmos o bem comum dos associados, precisamos ser cada vez mais úteis à própria sociedade. Precisamos continuar unidos e ser otimistas com relação ao nosso verdadeiro potencial enquanto promotores e procuradores de Justiça. O Ministério Público é composto por colegas extraordinários e somos uma instituição excepcional, muito bem projetada pela Constituição e pela persistência daqueles que defenderam os princípios que norteiam a nossa vida funcional. Sabemos que a parte mais difícil do trabalho dos membros do MP é manter a motivação elevada diante das injustiças e iniquidades que precisamos enfrentar, algumas delas realmente terríveis. Mas a Amperj sempre será a fortaleza e o porto seguro daqueles que lutam por justiça e pela aplicação da lei.

 

Morre, aos 60 anos, o músico campista Zé Rubens

 

Zé Rubens e uma de suas paixões na música, os Beatles (Foto: Facebook)

 

Faleceu, aos 60 anos, o músico campista José Rubens Rio da Rocha. Mais conhecido por amigos e ouvintes como Zé Rubens, seu corpo foi encontrado ontem (9) por familiares, na casa em que residia sozinho, no Jardim Aeroporto. Após oração de corpo presente, ele será sepultado às 15h30 de hoje (10), na quadra R do Cemitério do Caju. Solteiro, deixa a filha Millena, de 38 anos, e três netos: Kaio, Yuri e Rayza.

Egresso da classe média goitacá, Zé Rubens era conhecido desde jovem por seu grande talento musical. Fruto de uma geração anterior à minha, o conheci no final dos anos 1980, em barzinhos e festas na noite de Campos, ou em luaus nos verões de Atafona e Grussaí. Da geração dele à minha, como as anteriores e posteriores, era figura querida, sempre muito simpático, risonho e solícito a pedidos de música entre rock, pop-rock, blues e MPB do seu vasto repertório.

Particularmente, guardo con carinho uma noite com Zé no bar que os irmãos Cacazinho e Claudinho Vianna abriram na avenida Liberdade, mais conhecida como Rua do Clube, quase em frente ao Clube de Grussaí. Era o verão de 1991. Ele, Cacazinho, Claudinho, eu e mais alguns viramos a noite tomando cerveja e papeando, com Zé tocando violão e cantando até o dia raiar.

Em dado momento daquela noite emendada com amanhecer, Zé passou o violão a outro, e começou a fazer uma percussão com duas colheres. Lembro, como se fosse agora, de ver e ouvir ele improvisar o refinamento inesperado à música, usando apenas dois talheres de metal e as mãos. E, com a convicção dos jovens, sentenciei em pensamento: “Que sujeito talentoso!”

Voltaríamos a nos encontrar, sempre nas noites, nos anos 1990 e 2000. Nossos contatos ficaram mais escassos na última década e meia, nessas coisas da vida cujo motivo nunca sabemos. Ao saber hoje da sua morte, que é também um pouco a da sua geração em Campos e tudo que ela representou em liberdade de costumes, pensei no legado da vida de Zé Rubens.

E veio à cabeça o juízo que o poeta pernambucano João Cabral de Mello Neto fazia de outro grande poeta modernista brasileiro, o carioca Dante Milano. Que, por opção, morreria recluso em Petrópolis:

— Ele vivia para a poesia no sentido de viver em poesia, e não no sentido de se dar a conhecer como poeta. Ele era sob certo ponto de vista, vamos dizer, moral, o poeta puro por excelência.

Músico, Zé Rubens viveu como poeta. Que vá em paz!

 

Campista Juliana Carneiro secretaria Lula em Assuntos Federativos

 

Nova secretária secretária especial de Assuntos Federativos da Presidência da República, a campista Juliana Carneiro entre o ministro das Relações Institucionais Alexandre Padilha e André Ceciliano, pré-candidato a vice-prefeito do Rio na chapa à reeleição de Eduardo Paes (Foto: Instagram)

 

A campista Juliana Carneiro é a nova secretária especial de Assuntos Federativos da Presidência da República. Ela assume interinamente o cargo de André Ceciliano (PT), ex-presidente da Alerj que é pré-candidato a vice-prefeito do Rio de Janeiro, em atendimento ao desejo do presidente Lula (PT), na chapa à reeleição de Eduardo Paes (PSD) em 6 de outubro.

Em seu perfil no Instagram, com uma foto sua entre o ministro das Relações Institucionais, Alexandre Padilha, e ao próprio Ceciliano, Juliana postou hoje:

— Muito honrada em assumir a secretaria especial de Assuntos Federativos da Presidência da República, sucedendo, interinamente, o querido André Ceciliano que se afastou para cumprir uma importante missão dada pelo presidente Lula para colocar seu nome à disposição para disputar a vaga de vice-prefeito do Rio de Janeiro. Dar continuidade ao seu excelente trabalho é um desafio que abraço com muita determinação e responsabilidade. Agradeço profundamente ao presidente Lula, ao ministro Alexandre Padilha e ao nosso secretário executivo, Olavo Noleto, pela confiança para essa importante missão. Muito obrigada pela oportunidade! Juntos vamos seguir fortalecendo nosso Brasil e a integração federativa!

 

Adriano Moura lança “A inocência dos mortos” nesta sexta

 

Adriano e seu “A inocência dos mortos” (Foto: Divulgação)

“O que é a verdade sobre nós mesmos senão só mais uma história de ficção?” É a indagação do romancista, poeta, contista, dramaturgo, membro da Academia Campista de Letras (ACL) e professor do IFF, Adriano Moura. Que talvez melhor resuma seu novo romance, “A inocência dos mortos” (Patuá, 2024). Seu lançamento será às 19h desta sexta (7), na Casa Criativa Santa Paciência, na rua Barão de Miracema, nº 81. Mas já pode ser adquirido aqui, por r$ 50.

No site da Patuá, a história do livro em sinopse:

— “A inocência dos mortos” é um romance que mistura diferentes gêneros narrativos para contar a história de Antônio Prustiano, um escritor que retorna à sua cidade de origem após 20 anos, durante a pandemia de Covid-19, para ficar próximo da família. A notícia do assassinato de um de seus amigos de infância e a descoberta de um diário o levam a uma investigação a fim de desvendar o crime e escrever um livro. Sua vida e os últimos 40 anos da História do Brasil se misturam. Política, homofobia, racismo, pandemia atravessam as reflexões e tecem a teia ficcional do protagonista.

Como o jornalista Matheus Berriel registrou aqui, em seu blog na Folha1, ao anunciar o quinto e último livro de Adriano:

— É o segundo livro de Adriano pela Editora Patuá. O primeiro foi “Invisíveis”, de 2020, com contos que mesclam realidade e ficção para abordar histórias de miséria e abandono. Antes, o autor campista já havia publicado “Liquidificador: poesia para-vita-mina”, de 2007, pela Imprimatur/7Letras; “O julgamento de Lúcifer”, de 2013, pela Novo Século; e “Todo verso merece um dedo de prosa”, de 2016, pela Chiado Books. Sua produção também inclui participações em antologias e coletâneas com outros autores.

Em relação ao livro mais recente, Adriano mapeou a sua gênese em um seu conto premiado:

— A ideia do livro surgiu no início de 2023, quando escrevi um conto intitulado “Cheiro de passado”, premiado em um concurso de contos do Governo do Estado do Rio de Janeiro. Como no meu livro anterior, “Invisíveis”, Campos é o cenário da trama, com referência a ruas, bares, bairros da periferia e do interior da cidade. Na narrativa, a ficção é instrumento de se pensar o status da verdade em tempos em que o que se conta se torna mais relevante do que o acontecido. Assim como na realidade, os personagens do romance têm muito o que esconder. A hipocrisia moral e social pode, às vezes, custar a vida de alguém. E é isso que ocorre com o personagem amigo do narrador, um sujeito morto por ter ousado ser quem era, sem o falso verniz criado pela família e sociedade.

“A inocência dos mortos” já está sendo adaptado ao teatro, com estreia prevista para o final de julho. Até lá, confira abaixo o conto que gerou e inicia o romance:

 

 

Cheiro de passado

As ruas de Campos estavam desertas naquela manhã de 23 abril de 2020. No mês anterior havia sido decretado lockdown como forma de conter a propagação da Covid-19. Há dois meses tinha iniciado uma série de viagens para lançamento do meu livro, que precisei cancelar, já que não sabia quando iríamos poder voltar ao normal. Pelo menos à ideia que construíramos sobre normalidade. Da janela do apartamento via o silêncio interrompido somente por alguns carros que se movimentavam a despeito da paralisia que assombrava os que, de dentro de suas residências, moviam seus corpos o suficiente para evitar a atrofia física e mental.

Do apartamento ao lado vinha um cheiro que me era bastante familiar. Alguém acabara de retirar do forno uma broa de milho. O aroma era inconfundível. Quando criança, ajudava minha mãe no plantio e colheita de milho no quintal da pequena casa onde morávamos no interior da cidade. Cultivávamos também outros alimentos como aipim, abóbora, batata doce. Grande parte do que comíamos vinha da terra.

A broa feita pela minha mãe no fogão à lenha era o perfume que completava o sabor de nossos cafés da tarde. Pela manhã, comíamos aipim cozido, pois era mais rápido o preparo. Meu pai cortava cana. Acordava com o primeiro canto do galo. Na marmita preparada para as refeições do dia, às vezes só não levava carne. De vez em quando um ovo cozido posto por alguma das galinhas criadas no quintal.

Embora não fosse todos os dias, a broa de milho era a estrela do nosso café da tarde; ou angu doce, outra especialidade da minha mãe, que completava a renda da casa lavando roupa para as famílias ricas do lugar.

Quando eu chegava da escola, sabia desde o portão se era dia de broa ou angu. Então sentávamos eu e meus outros dois irmãos. Assistíamos ao ritual cuidadoso de retirada da broa do forno, à delicadeza firme de nossa mãe no manuseio da faca para o corte, à alegria com que entregava a cada filho seu pedaço.

Depois que meu pai faleceu, vítima de infarto, minha mãe precisou ir para o corte de cana, pois só o dinheiro da lavagem da roupa não era suficiente para manter a casa. Meu irmão mais velho parou de estudar para trabalhar. Eu e minha irmã ficamos incumbidos de cuidar da casa quando não estávamos na escola. Ao sair de madrugada para o trabalho, nossa mãe deixava uma lista de afazeres que ela conferia logo que chegava de noitinha. Quase que só lhe víamos o branco dos olhos. Duas lâmpadas acesas no corpo coberto do carvão da queimada de cana.

Deixávamos o banho dela preparado: o balde com água morna, a bucha e o sabão para que, depois de removida a tintura do trabalho, voltasse a ser a nossa mãe. Mas ela precisava adiantar a comida do dia seguinte para, ao acordar, apenas esquentar, colocar na marmita e separar o que ficaria para mim e minha irmã comermos.

Minha mãe era uma mulher muito forte. Com o tempo foi ficando magrinha. As rugas se multiplicavam com velocidade nas bordas dos seus olhos. Um dia, fiquei observando-a arrumando a marmita. Notei que punha pouca comida para quem teria de enfrentar os eitos de cana. Descobri que o dinheiro não estava sendo suficiente. Então ela comia pouco para que eu e minha irmã tivéssemos o que comer.

Os sábados e domingos eram dedicados à lavagem de roupa. Eu ajudava enchendo o tanque e puxando água do poço. Aos poucos ia percebendo o engrossar das mãos provocado pela aspereza da corda. Tudo foi ficando muito áspero à medida que eu crescia.

Minha irmã tinha a incumbência de passar a roupa na segunda-feira; eu, de fazer as entregas.

A tristeza nos olhos dela cresceu no primeiro dia em que meu irmão chegou bêbado em casa. Ele trabalhava num armazém, atendendo no balcão e entregando compras de bicicleta. Um dia, após sair do trabalho, parou no botequim e bebeu sozinho um litro de cachaça. Meu irmão nunca se conformou em ter parado de estudar. Saiu de casa depois de conseguir um emprego um pouco melhor. Virou frentista num posto de gasolina no centro da cidade. Estava livre do peso, mas somente o das compras que carregava. Era oito anos mais velho que eu. Mesmo não morando mais conosco, não deixava de nos ver e ajudar com dinheiro, além de, vez ou outra, levar a mim e minha irmã para passear.

Fechei a varanda e retornei ao sofá da sala. Aquele cheiro de broa de milho me acompanhava. Embora o presente estivesse me convocando as suas demandas, era o passado o ocupante das horas que, no tempo de confinamento, demoravam a passar. Folheava absorto as páginas de Proust. Decidira fazer da leitura de Em busca do tempo perdido uma das atividades que me ajudariam a atravessar a solidão mascarada pelos riscos da Covid. De repente me vi tentando recuperar a lembrança do cheiro macio e colorido da última broa de milho assada pela minha mãe.

Com o passar do tempo, não plantávamos mais milho. Comprávamos fubá no armazém da usina, e a farinha era destinada ao angu, que logo passou a ser uma das nossas refeições mais frequentes. Angu com carne moída, ou com salame, folha de taioba, ou…não foram poucas vezes somente o angu, ralo para que durasse mais tempo a farinha.

Assim me visitou o passado várias horas daquele dia. Eu tentava em vão retê-lo, fazê-lo ficar o máximo possível comigo. Mas me escapava arredio. Fui me dando conta da impossibilidade de prendê-lo à medida que o cheiro ia se dissipando. Resolvi telefonar para minha mãe, também isolada, principalmente devido à idade. Conversamos sobre as lembranças que me visitaram. Disse a ela que decidira escrever sobre o assunto em meu próximo livro.

“Você sempre gostou de escrever. Lembra como aprendeu?”. Ao telefone, disse-me que eu me alfabetizei sozinho, escrevendo com gravetos nos fundos do quintal da casa. Falou que às vezes estava me procurando, quando então se deparava comigo, agachado, rabiscando no chão letras que com o passar do tempo construiriam palavras. A escola só teria aprimorado em mim o ensinamento dos gravetos. A memória de minha mãe estava falhando ultimamente. Surpreendeu-me a precisão com que narrou esse episódio.

Sentei à frente do computador para escrever sobre os aromas da infância, tarefa que me fez atravessar a noite com os dedos nas teclas cujo barulho, embora suave, era música que embalaria o sono que só se consumaria ao amanhecer. Todos os dias, pela manhã ou à tarde, eu ia até a varanda na esperança de que aquele cheiro novamente me visitasse. Mas ele não veio mais. Notei que nem mesmo barulho minha vizinha fazia. Imaginei que tivesse se mudado. Soube depois que falecera, vítima de Covid.

Numa manhã de sábado, meu celular tocou. Era minha mãe. Disse para eu ir até a casa dela à tarde, pois precisava falar urgentemente comigo. Manteríamos o distanciamento social recomendado para evitar risco de contágio, mas que nossa conversa não podia ser por telefone. Não gostei do tom de voz dela.

Apertei a campainha da casa às 17h. Cristina, minha irmã, abriu o portão. Não nos abraçamos. Nem mesmo um aperto de mão. Era um tempo em que o abraço implicava risco de morte. Adentrei a sala. O cheiro de infância dominava todo o ambiente. Minha mãe fizera broa de milho. Ficamos próximos como há muito não nos sentíamos. Cristina prestava mais atenção à televisão ligada na Sessão da Tarde do que na conversa. Guardava certa mágoa de mim e Jeferson. Para ela, eu e ele seguimos nossas vidas enquanto ela teve de ficar cuidando de nossa mãe, que nunca soube das frustrações da filha. Mesmo assim foi uma tarde deliciosa de afetos fisicamente distantes. De vez em quando mamãe esquecia meu nome e perguntava quem eu era. Como eu temia o que aqueles esquecimentos significavam!

À noite, em casa, continuei a escrever um conto iniciado no dia anterior. Atravessei mais uma vez a madrugada. Dormi. Acordei, preparei o café acompanhado por um generoso pedaço de broa que eu trouxera da casa de minha mãe. Aquele gosto e cheiro foram meus companheiros durante o isolamento. Não há solidão quando se tem memórias e é possível escrever sobre elas.

Mesmo com a chegada das vacinas e o fim do isolamento, mantive o hábito do café com broa de milho em casa. Meu novo vizinho (ou vizinha?) costuma acender incensos. Sei pelo cheiro que me remete à…

…isso é outra história.