George Coutinho — Os Bacellar, o Executivo local e 2024

 

Rodrigo e Marquinho Bacellar, presidentes do Legislativo em Campos e no Estado do Rio (Foto: Divulgação)

 

George Gomes Coutinho, cientista político, sociólogo e professor da UFF-Campos

Os Bacellar, o Executivo local e 2024

Por George Gomes Coutinho

 

No cenário institucional da divisão dos Poderes temos duas situações quando falamos sobre a mobilidade dos agentes: a) a permanência no poder de origem; b) o trânsito de um Poder para outro. A história política tem incontáveis exemplos das duas situações para todos os gostos. Temos carreiras solidamente estruturadas e longevas em que há uma vida inteira dedicada a um só Poder. E há aqueles que transitam demonstrando, por vezes com brilhantismo, a versatilidade daquele mesmo agente político individual. Mas, o que explica a decisão, seja por mobilidade, seja por permanecer onde está? Minha resposta envolve cálculo e paixão.

Agentes políticos não fazem menos cálculos racionais que os agentes situados analogamente na economia. Custos, recursos, viabilidade e expectativas. Tudo isso importa, seja para o mercado econômico ou para o mercado político. O problema é que não somos só cálculo frio. Nem nós e nem a classe política. Há algo de paixão que dá sabor à aventura humana. A luta pelo poder e a manutenção da conquista são empreendimentos custosos. Em troca do quê? Seja em Nicolau Maquiavel (1469-1527), seja em Thomas Hobbes (1588-1679), as respostas que explicam essa busca existencial dos agentes políticos transitam entre honra e glória. Quiçá deixar um legado com potencial de transcender uma vida humana em sua limitada duração. Portanto, longe de certo cinismo costumeiro da opinião pública, fazer política em seu sentido profundo vai além do vil metal (embora seja também meio de mobilidade social e enriquecimento). A paixão por um projeto, pessoal ou coletivo, pode despertar o desejo de mudança do agente político de um poder para outro.

Querer migrar de poder é lícito e faz parte das regras do jogo. Entra na construção da biografia do político profissional e pode ter motivação tanto no cumprimento de imperativos do momento, por exemplo a missão partidária, ou a busca por glória. Já a possibilidade concreta da migração, os meios dados pela conjuntura, tudo isto é de natureza factual. Há ou não há a viabilidade.

É este o espírito da discussão sobre os Bacellar e a disputa eleitoral em Campos neste ano de 2024.

Os Bacellar são, na atual quadra histórica, um dos clãs políticos mais bem-sucedidos da região Norte Fluminense. Sr. Marcos Bacellar, nascido em 1950, o patriarca, e seus filhos Rodrigo, de 1980, e Marquinho, de 1984, somam sete mandatos legislativos, contando os que estão ainda em vigência. Cinco na Câmara de Vereadores de Campos dos Goytacazes e dois na Alerj. Este capital político acumulado em expansão, que inicia na trajetória sindical do pai do clã, não encontra par facilmente nas carreiras políticas locais. Com tudo isso, Marquinho ocupa no momento a presidência da Câmara de Vereadores. Rodrigo preside a Alerj. Não são figurantes ou amadores. Presidir Casas Legislativas só é feito alcançável mediante trabalho duro, leitura dos interesses em jogo, acordos e estômago. E ali permanecer? Razão estratégica, contemplar demandas e, por vezes, força bruta.

A ambição política do grupo de alguma maneira encontra síntese bem acabada na trajetória de Rodrigo. Em perfil elogioso feito pelo jornal Folha de São Paulo em 27 de abril deste ano, o capital político conquistado por ele é destacado, o que o coloca como um dos homens fortes da política fluminense. Não por acaso a campanha de Eduardo Paes, favorito nas pesquisas na disputa carioca deste ano, corteja explicitamente o deputado campista.

E Campos nessas eleições municipais? Como eu já disse no programa Folha no Ar em março último, o clã Bacellar optou por participar terceirizando sua representação na disputa pela prefeitura. Não virão em nome próprio e não migrarão, em pessoa, do Legislativo para o Executivo. Marquinho, ao que parece, seguirá disponibilizando seu nome para a vereança e, assim sendo, conquistará seu terceiro mandato sem dificuldade.

Verdade seja dita, nenhum Bacellar assumiu compromisso público indicando que disputaria a Prefeitura neste 2024. Contudo, dado o indisfarçável investimento em fase de pré-candidaturas, é impossível que neguem seu interesse no Poder Executivo campista. Pelo contrário. Os Bacellar já têm sua presença na disputa para o Executivo emprestando seu capital político, presença e máquina.

A paixão também é indiscutível e transborda nos duros embates públicos com os Garotinho, outro clã inegavelmente relevante. Por vezes as brigas são de corar os mais sensíveis e já se tornaram caso de polícia. A disputa dos pais dos clãs por vezes se replica, em baixos teores, nas estocadas verbais trocadas entre Wladimir e Marquinho.

Há paixão, portanto. O desejo também é detectado, mesmo que reprimido na terceirização da presença do clã na disputa para a Prefeitura e explicitado nos investimentos decorrentes. E há a frieza do cálculo. Os números, a preço de hoje, indicam que 2024 parece ser o ano da reeleição de Wladimir Garotinho. Tudo o mais constante é melhor proteger o capital político angariado pelos Bacellar do desgaste da derrota diante de um adversário relevante. Afinal, Rodrigo e Marquinho são jovens, demonstram fôlego e ambição. E 2028, uma nova rodada de disputa, chegará antes do que se pensa. Talvez lá o cálculo frio vislumbrará uma janela que permita a migração dos Bacellar para o Executivo caso estes concretamente desejem.

 

Publicado hoje na Folha da Manhã.

 

Porque Carla Machado não pode se candidatar a prefeita em 2024

 

Como alertado desde 2023, o TSE confirmou na terça que Carla Machado, por ter sido reeleita prefeita de São João da Barra em 2020, não pode ser candidata a prefeita de Campos em 2024 (Montagem: Eliabe de Souza, o Cássio Jr.)

 

Carla Machado (PT) não poderá concorrer a prefeita de Campos em 2024. Deputada estadual eleita em 2022, ela renunciou ao segundo mandato consecutivo como prefeita de São João da Barra após se reeleger ao cargo em 2020. Por isso, não poderá concorrer novamente a prefeita em 6 de outubro, daqui a exatos três meses e 14 dias. Quatro dias atrás, na última terça (18), logo após Tribunal Superior Eleitoral (TSE) confirmar por unanimidade (confira aqui) toda a sua jurisprudência contra a figura do “Prefeito Itinerante”, a Folha noticiou:

— Em resposta a três consultas formuladas ao TSE em relação à tese do “Prefeito Itinerante”, em situações semelhantes à da deputada estadual Carla Machado, a Corte foi unânime em analisar que um político que tenha exercido dois mandatos de prefeito, se desvinculado e exercido mandato proporcional de deputado estadual ou federal, não pode se candidatar para nova eleição a prefeito em município limítrofe, conforme entendimento do STF. Portanto, Carla Machado não poderá ser candidata a prefeita de Campos neste ano.

Não foi falta de aviso. Desde a pesquisa Iguape que revelou, em 2023, o favoritismo à reeleição em São João da Barra da prefeita Carla Caputi (União), sucessora no cargo e aliada de Machado, a impossibilidade de esta concorrer a prefeita de Campos foi alertada (confira aqui) pela Folha em 6 de novembro do ano passado. E, de lá para cá, relembrada várias vezes:

— Com jurisprudência no Supremo Tribunal Federal (STF) e no TSE contrária à possibilidade de se candidatar três vezes seguidas a prefeito em municípios limítrofes.

Na quarta (19), dia seguinte ao julgamento do TSE, um integrante do PT local questionou a decisão do TSE sobre o caso de Carla. E, com essa reação negacionista à Justiça Eleitoral tão típica ao bolsonarismo, provocou reações até dentro da sua legenda:

— Parece terraplanismo. Não há nenhuma distinção entre os casos analisados pelo TSE e o de Carla. Quando tenta desqualificar a consulta, dizendo que são casos diferentes, a manifestação foi um equívoco lamentável — disse uma fonte de alto escalão do PT goitacá que preferiu não ser identificada, para não agravar a cisão interna.

Em 2023, a Folha ouviu sete juristas respeitados da comarca (confira aqui e aqui), todos com vasta experiência em Direito Eleitoral, sobre a pré-candidatura de Carla Machado a prefeita de Campos. Destes, cinco afirmaram que ela estava impedida pela jurisprudência do TSE e do STF. Outros dois aventaram a possibilidade de essa jurisprudência ser modificada.

Os advogados João Paulo Granja, Pryscila Marins, Cleber Tinoco e Gabriel Rangel, e o promotor de Justiça Victor Queiroz, opinaram pela impossibilidade da prefeita reeleita de SJB em 2020 se candidatar a prefeita de Campos em 2024. Enquanto os advogados Robson Maciel Júnior e José Paes Neto deixaram a janela aberta a uma eventual mudança da jurisprudência.

A possibilidade à rediscussão da figura jurídica do “Prefeito Itinerante” chegou a ser aventada na terça pelos ministros do TSE Nunes Marques e Raul Araújo. Se votassem a favor disso, ainda assim seriam derrotados. Mas, dada à exiguidade do tempo às urnas de 6 de outubro, a manutenção da jurisprudência que impede qualquer prefeito reeleito em 2020 de se candidatar a prefeito em 2024 foi mantida pela unanimidade do TSE.

João Paulo Granja

— Em recente julgamento, respondendo às consultas formuladas, o TSE reafirmou o entendimento de que é vedado a qualquer prefeito o exercício de três mandatos consecutivos, ainda que em municípios vizinhos. Independentemente das particularidades ocorridas, como a renúncia ou a eleição para outro cargo, não admitindo qualquer exceção à regra prevista no artigo 14, § 5º, da Constituição. Diante deste contexto, a pretensa candidata Carla Machado estará impedida de disputar as próximas eleições, fato que poderá impactar diretamente o resultado das eleições — projetou o advogado João Paulo Granja.

Pryscila Marins

— Embora os ministros Nunes Marques e Raul Araújo tenham demonstrado entendimento que pode vir a alterar a jurisprudência da Corte, não acho que tal mudança seja tão fácil de se implantar. Porque pode esbarrar no princípio republicano da alternância do poder. O que se pretende é esquecer o tempo do mandato que deveria ser cumprido para permitir a eleição em município limítrofe. Tal fato não parece ser razoável num sistema eleitoral que permite reeleição, como temos. Até porque permitiria, sempre em segundo mandato, o rompimento do vínculo para uma possível eleição ao mesmo cargo, ainda que em outro município — alertou a advogada Pryscila Marins.

Cleber Tinoco

— As consultas respondidas pelo TSE reafirmam sua jurisprudência que impossibilitará o deferimento do registro da candidatura de Carla Machado a prefeita. Segundo o disposto no art. 16-A da Lei nº 9.504/97 e, de acordo com a jurisprudência do TSE, são permitidos a todo candidato, ainda que esteja com registro indeferido sub judice, a realização de campanha eleitoral e o acesso aos fundos públicos, até que sobrevenha a decisão do TSE ou o trânsito em julgado. Ademais, o candidato que estiver com o registro indeferido não poderá ser diplomado, ainda que sub judice — antecipou o advogado Cleber Tinoco.

Gabriel Rangel

— No julgamento de consultas sobre questões análogas à pretensa candidatura de Carla Machado, o TSE, por unanimidade, reafirmou sua jurisprudência contra o “Prefeito Itinerante”. O colegiado acompanhou o relator, ministro Ramos Tavares, ao consignar que o exercício consecutivo de mais de dois mandatos no Executivo, mesmo em municípios diferentes, é de finalidade incompatível aos parágrafos 5º e 6º do artigo 14 da Constituição. A par de reafirmar argumentos do TSE e STF que apresentei em 2023, a decisão do TSE em 2024 exorta quanto aos riscos “notadamente em municípios que possuem territórios limítrofes” — destacou o advogado Gabriel Rangel.

Victor Queiroz

— Disse em 2023: “A Constituição, nos parágrafos 5º e 6º do artigo 14, estabelece a possibilidade de eleição a prefeito, de modo consecutivo, apenas duas vezes. Pela criatividade dos políticos brasileiros, surgiu a figura do ‘Prefeito Itinerante’. Que, tendo sido reeleito, muda o domicílio eleitoral para concorrer a prefeito em outro município. Desde 2008, o TSE entende a inadmissibilidade do ‘Prefeito Itinerante’, mesmo com a desincompatibilização do mandato. Esse entendimento foi confirmado pelo STF, em 2012”. Diante do resultado do TSE em 2024, não tenho nada a acrescentar — reforçou o promotor Victor Queiroz.

Robson Maciel Júnior

— A consulta foi apresentada pela ex-ministra do TSE Maria Claudia Buchianeri, grande nome do Direito Eleitoral. E teve parecer jurídico do professor Adhemar Barros, outro grande nome do Direito Constitucional. O ministro Nunes Marques disse acreditar na tese, como o ministro Raul Araújo. Os dois votaram com o relator porque a consulta foi pautada próximo às eleições. A possibilidade de analisar a matéria no futuro foi também mencionada pelos ministros Floriano Azevedo e Carmem Lúcia, mesmo divergindo no mérito. Embora o TSE não tenha admitido a tese, consignou que o tema demanda aprofundamento posterior — pontuou o advogado Robson Maciel Júnior.

José Paes Neto

— Embora o resultado do TSE tenha sido unânime, no sentido de reconhecer a aplicabilidade da tese do “Prefeito Itinerante”, os ministros Nunes Marques e Raul Araújo ressalvaram ter entendimento contrário. Não votaram no sentido de afastar a inelegibilidade por entenderem que a alteração da jurisprudência às vésperas do período eleitoral não seria razoável. Embora as consultas não tenham caráter vinculante, me parece que, a partir dessa decisão, a eventual candidatura de Carla Machado não se viabilizaria no campo jurídico — fechou a questão de 2024 o advogado José Paes Neto.

Com todas as suas complexidades jurídicas, a questão é relativamente simples: pode até ser que, no futuro, seja reavaliada a jurisprudência que impede prefeitos reeleitos de se candidatarem a prefeito pela 3ª vez consecutiva. Mas, na terça, o TSE tirou qualquer dúvida: isso não vai acontecer em 2024.

 

Publicado hoje na Folha da Manhã.

 

Líder a prefeito de Rio das Ostras no Folha no Ar desta 6ª

 

(Imagem: Eliabe de Souza, o Cássio Jr.)

 

Ex-prefeito por três mandatos e pré-candidato a prefeito de Rio das Ostras, Carlos Augusto Balthazar (PL) é o convidado para fechar a semana do Folha do Ar nesta sexta (21), ao vivo, a partir das 7h da manhã, na Folha FM 98,3. Ele falará do protagonismo que o município passou a ter na cultura nacional a partir do Rio das Ostras Jazz & Blues Festival.

Carlos Augusto também analisará o reflexo da polarização nacional entre o presidente Lula (PT) e o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) no eleitor rio ostrense. E tentará projetar a eleição a prefeito de Rio das Ostras em 6 de outubro, daqui a 3 meses e 16 dias, cuja pesquisa (confira aqui) ele lidera.

Quem quiser participar ao vivo do Folha no Ar desta sexta poderá fazê-lo com comentários em tempo real, no streaming do programa. Seu link será disponibilizado alguns minutos antes do início, nos domínios da Folha FM 98,3 no Facebook e no YouTube.

 

Ex-prefeito de Campos a vereador no Folha no Ar desta 5ª

 

(Arte: Eliabe de Souza, o Cássio Jr.)

 

Ex-prefeito de Campos, Sérgio Mendes (Cidadania) é o convidado desta quinta (20) do Folha no Ar, ao vivo, a partir das 7h da manhã, na Folha FM 98,3. Ele falará das idas e vindas, suas e de outros nomes da oposição em Campos, entre pré-candidaturas a prefeito e vereador em 2024.

Sérgio também analisará o cenário após decisão unânime do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) de ontem (18, confira aqui) reforçar o impedimento a prefeitos reeleitos de concorrerem a este cargo pela 3ª vez consecutiva, caso da hoje deputada estadual Carla Machado (PT). Por fim, com base nas pesquisas (confira aqui), ele tentará projetar as eleições a prefeito e vereador em 6 de outubro, daqui a exatos 3 meses e 17 dias.

Quem quiser participar ao vivo do Folha no Ar desta quinta poderá fazê-lo com comentários em tempo real, no streaming do programa. Seu link será disponibilizado alguns minutos antes do início, nos domínios da Folha FM 98,3 no Facebook e no YouTube.

 

Por Sérgio Arruda de Moura, novo romance de Adriano Moura

 

Adriano Moura e seu romance “A inocência dos mortos”, lançado no último dia 7 (Foto: Divulgação)

 

Sérgio Arruda de Moura, escritor, professor de Letras da Uenf e membro da Academia Campista de Letras (ACL)

A problemática do narrar

Por Sérgio Arruda de Moura

 

A estratégia de criação de um personagem que sai em busca de uma história pra contar guarda sempre muitas surpresas. Em geral, ele narra a história em primeira pessoa, mas nem sempre. O ganho mais notório de romances que vão em busca de uma poética desta natureza é a inelutável inserção do leitor na trama, a partir de fora, evidentemente. Lembro-me de vários romances, mas não é o caso discuti-los agora, mas lá para o final, se for relevante, pode ser. Ocupo-me agora do romance A inocência dos mortos (2024), do romancista, dramaturgo e poeta Adriano Moura.

Trata-se de um romance que se enovela na sua própria criação. Tem início um pouco antes de quando o protagonista chega a Campos para rever a família depois de muito tempo afastado da cidade. São tempos de crise, culminados pela pandemia recente. Logo, logo, depois de algumas lembranças que lhe tomam de assalto, fica sabendo da morte de um amigo de adolescência, que havia se transformado de Gilberto em Esther. Sua morte é atravessada de suspeita de crime de transfobia, e o protagonista Antônio Prustiano resolve investigar por conta própria, depois que lhe chega às mãos o relato por escrito de toda uma vida, o diário de Esther.

Pronto. Aí está o confronto de textos necessários para se urdir uma trama que retomará a própria trama nacional dos últimos 40 anos da nossa história política, principalmente política, com os eventos mais importantes que fez o Brasil transparecer o país que é hoje e que sempre foi: intolerante, abertamente racista, injusto, preconceituoso, homofóbico. Todo esse corolário de horror afeta os personagens de diversas maneiras e, obviamente, este é um dos efeitos da leitura e um dos trunfos d’A inocência dos mortos.

Eu poderia dizer que aí está um dos livros em trânsito no romance, precisamente o diário de Esther, testemunha do que de pior alguém tão estigmatizado pôde vivenciar, sua própria história, documento a partir do qual o protagonista Antônio Prustiano investiga tanto um assassinato transfóbico quanto os sinais da transformação do amigo e o modo como foi afetado pela história, tudo enraizado nas memórias afetivas que saltam das páginas.

Não podemos relevar o fato de que o protagonista é também o escritor que validará os fatos com intenções de ficcionalizá-los, tendo antes que anotar tudo e depois estruturar. É nesses termos que considero o metarromance um antirromance por ser um projeto em aberto e exigir uma contrapartida extra do leitor.

No caso de A inocência dos mortos, todo o trajeto romanesco funciona como um rol de anotações para um romance, que ele tem intenção de escrever, intenção que nasceu precisamente dos fatos que encontrou com seu retorno a Campos e a inevitável afloração de nomes, episódios, lugares, cheiros — memórias. A esse respeito, é bem suspeito o nome do personagem narrador, Antônio Prustiano — ou bem Proust-iano — revelador do aspecto central da trama, como o signo máximo do ato de reaver a memória a partir signos insuspeitos, tais como o cheiro e o gosto que exala de uma madeleine e uma xícara de chá, ah, desculpem, de uma broa de milho e uma xícara de café…

Também o traçado da cidade importa porque participa da trama principalmente nos endereços dados como campo de atuação e da vida pregressa dos personagens, e assim, a memória da cidade vai se estruturando e dando forma às simbologias necessárias à sustentação da narrativa, além de fornecer a Campos o status de cidade literária.

Tudo isso é muito importante e do mais alto interesse para a narrativa romanesca não fosse o dado de linguagem que se sobressai a todos esses expedientes: o ato em si de ficcionalizar, quer dizer, de fingir, que Adriano Moura conduz com mão firme, apuro, economia e elegância. O último capítulo nesse aspecto é mais que revelador do que pode e do que quer a linguagem, quando se descortina a farsa e faz o leitor exclamar: Ah, não era nada daquilo, mas outra coisa e a mesma! Mas desde sempre havia pistas encobertas sobre o processo: um texto compondo a orelha assinado por um tal Gael Fernandes, jornalista, editor, agente e amigo do protagonista-narrador Antônio Prustiano, que é nomeado na trama pelo protagonista. Também temos um certo Cláudio do Karmo Abdias, que assina um quase prefácio, o que joga ainda mais lenha na fogueira das ficcionalidades em jogo.

A trama envolve o leitor nas suas feridas participantes da história recente do Brasil, principalmente se este tiver mais de 40 anos de idade, e, se não tanto, algo lhe tocará na trama que replicará a chamada vida real, que é a luta dos pobres desta terra, dos estigmatizados pela cor, pela orientação sexual, pelas convicções políticas, principalmente as de classe, palco de tantas incompreensões e de conflitos personalistas e pouquíssimo cidadãs.

O romance, assim, se encaixa no vazio ficcional observado desde sempre dentro do conjunto da literatura contemporânea, que escanteou assombrosamente a temática racial a partir do ponto de vista da escrita do próprio autor negro. Outras questões, da mesma forma, como as de gênero, hoje um mosaico formidável ainda em processo de catalogação — e aceitação — com o massacre de que vem sendo vítima, sem que nada ou quase nada se faça para se interromper o ciclo de horror.

Neste e em muitos outros sentidos, é para ser celebrada a publicação do romance A inocência dos mortos, de um autor que vem se dividindo — para somar — entre a inquietude dos três gêneros literários, colaborando com a visibilidade de temáticas mais do que necessárias, urgentes, e ainda mais pela via da literatura.

 

Presidente estadual do Psol no Folha no Ar desta quarta

 

(Arte: Eliabe de Souza, o Cássio Jr.)

 

Sociólogo, professor da Fiocruz, deputado estadual e presidente do Psol no RJ, Flavio Serafini é o convidado do Folha no Ar desta quarta (19), ao vivo, a partir das 7h da manhã, na Folha FM 98,3. Ele analisará a greve nas federais desde 15 de abril, a Uenf e o ensino estadual fluminense, incluindo emenda sua de R$ 150 mil ao Colégio Estadual João Batista de Paula Barroso, em Goitacazes.

Serafini também falará sobre a mediação de conflitos ambientais pela Alerj entre o Porto do Açu e a população do 5º distrito de São João da Barra, e sobre mudanças climáticas. Por fim, o deputado estadual de 3º mandato analisará o governo Cláudio Castro (PL), a presidência do campista Rodrigo Bacellar (União) na Alerj e dirá como, do Rio, ele projeta a eleição a prefeito de Campos em 6 de outubro, daqui a exatos 3 meses e 18 dias.

Quem quiser participar ao vivo do Folha no Ar desta quarta poderá fazê-lo com comentários em tempo real, no streaming do programa. Seu link será disponibilizado alguns minutos antes do início, nos domínios da Folha FM 98,3 no Facebook, no Instagram e no YouTube.

 

À espera de pesquisa SJB: favoritismo de Caputi e oportunidade de Danilo

 

“O favoritismo segue com (a prefeita de São João da Barra) Carla Caputi (União), abençoada por Carla Machado (deputada estadual do PT), onde algumas políticas de inclusão lidam com cenário de uma pequena cidade que vive ainda uma herança social desoladora”. É o que apontou o cientista político George Gomes Coutinho, professor da UFF-Campos, sobre a expectativa da pesquisa eleitoral de São João da Barra pelo instituto Factum, registrada no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) com previsão de divulgação na última segunda (10). Mas que, como a coluna Ponto Final de ontem (12) divulgou (confira aqui), teve sua revelação adiada ao final de semana.

Sobre o único pré-candidato a prefeito de SJB de oposição, o administrador público Danilo Barreto (Novo), George também avaliou: “Embora não tenha chances pelos dados das pesquisas até aqui, e soa realmente distante de uma vitória em 2024 aos olhos de quem acompanha a política sanjoanense, o único adversário de Caputi na disputa, Danilo Barreto, pode ver este pleito como uma excelente oportunidade (…) Danilo pode se tornar uma importante liderança local, até mesmo pela visibilidade de ser o único adversário de Caputi nestas eleições”.

Abaixo, a íntegra da análise do cientista político. Que tem se marcado pela união equilibrada entre teoria e pragmatismo em suas observações sobre o quadro regional rumo às urnas municipais de 6 de outubro, daqui a exatos 3 meses e 23 dias.

 

George Gomes Coutinho, Carla Caputi, Carla Machado e Danilo Barreto (Montagem: Eliabe de Souza, o Cássio Jr.)

 

“Muito importante esse acompanhamento das pesquisas (feito pela Folha). Podemos dizer que com tudo mais constante:

1) O favoritismo segue com Carla Caputi, abençoada por Carla Machado, onde algumas políticas de inclusão (o que envolve desde o transporte coletivo — afinal, falamos do direito de ir e vir — até políticas redistributivas) lidam com cenário de uma pequena cidade que vive ainda uma herança social desoladora. Contudo, as políticas públicas ali implementadas são medidas importantes. É fundamental ressaltarmos que a história política local não começa com as Carlas, o que impõe a honestidade de assumirmos que os índices sociais da cidade não foram gerados por elas e talvez precisem de gerações para termos reversão plena. De todo modo, as medidas implementadas pelas Carlas precisam de acompanhamento, teste de qualidade e análise objetiva de resultados… Mas, parece que são suficientes para gerarem satisfação do eleitorado em um cenário onde antes, provavelmente, talvez reinasse um deserto de políticas públicas. Me parece bastante racional que o eleitorado local faça este cálculo e premie a gestão em vigência que atende seus interesses imediatos. Mesmo que o patamar de exigência, digamos assim, seja baixo.

2) Embora não tenha chances pelos dados das pesquisas até aqui, e soa realmente distante de uma vitória em 2024 aos olhos de quem acompanha a política sanjoanense, o único adversário de Caputi na disputa, Danilo Barreto, pode ver este pleito como uma excelente oportunidade. Seja lá qual for seu piso de intenções de voto, sendo o único adversário ele pode angariar: a) votos com afinidade ideológica com sua proposta e seu partido; b) votos de protesto contra o governo de Caputi. Portanto, caso saiba interpretar as demandas do eleitorado e consiga propor diante dos cenários complexos que se colocam para SJB neste século, Danilo pode se tornar uma importante liderança local, até mesmo pela visibilidade de ser o único adversário de Caputi nestas eleições. Vale, evidentemente, conferir daqui até outubro suas opções, estilo de campanha e eventual conquista de capilaridade entre o eleitorado”.