Campos espelha os 100 primeiros dias do Lula 3

 

Cem dias são pouco para se avaliar qualquer governo. Mas o período se tornou emblemático após o “Governo dos 100 dias” de Napoleão Bonaparte em 1815, do retorno do exílio na ilha de Elba para retomar o poder na França, até ser derrotado na batalha de Waterloo. Com governos anteriores para comparar, como tinha o Napoleão 2, Lula 3 completou os 100 primeiros dias da atual gestão no último domingo (10). Na terça (12), pesquisa Ipec (antigo Ibope) registrou que sua aprovação popular oscilou negativamente em relação a março. Na quarta (13), chegou à China, onde fez declarações polêmicas sobre o dólar dos EUA como moeda comercial internacional. Na quinta (14), saiu na capa da revista Time, dos EUA, como uma das personalidades no ano. Mas como analisar seus 100 dias de governo no Brasil?

Para buscar respostas em áreas variadas, a Folha ouviu, em ordem alfabética, o empresário e arquiteto Edvar Júnior, presidente da CDL-Campos; o advogado Filipe Estefan, presidente da OAB-Campos; o cientista político Hamilton Garcia, professor da Uenf; e o economista Roberto Rosendo, professor da UFF-Campos. Falando de uma Campos que se mostrou amplamente bolsonarista no segundo turno presidencial de 2022, essa condição aparece refletida em respostas eufemísticas sobre a fuga de Bolsonaro para os EUA, para não dar posse ao adversário eleito e tentar não ser ligado à tentativa de golpe de estado de 8 de janeiro. Como, no contraponto, surge também na defesa de alguns pontos mais polêmicos do Lula 3. Mas é neste contraste político revelado nas análises que se tira a média de um Brasil ainda dividido. Do qual Campos, como na frase atribuída ao ex-presidente Getúlio Vargas, ainda é espelho.

 

Empresário Edvar Júnior, advogado Filipe Estefan, cientista político Hamilton Garcia e economista Roberto Rosendo (montagem: Eliabe de Souza, o Cássio Jr.)

 

 

Folha da Manhã – É atribuída a Getúlio Vargas a frase: “Campos é o espelho do Brasil”. No segundo turno da eleição presidencial de 2022, a cidade deu a Jair Bolsonaro (PL) 63,14% dos seus votos válidos, contra 36,86% de Lula. Que se elegeu novamente presidente com 50,9% da soma nacional, contra 49,1% do hoje ex-presidente. O espelho rachou?

Edvar Júnior – O espelho reflete a realidade de um país dividido. Campos deveria se espelhar nesta célebre frase de Getúlio Vargas, dita quando éramos protagonistas na economia com a produção de açúcar. Como gosto de contar histórias: o nome do Pão de Açúcar, foi dado por causa do formato de pão da montanha e do açúcar de Campos. Mas voltando ao caráter político da pergunta, o espelho reflete sim um país dividido. E Campos votou como a maior parte da região Sudeste.

Filipe Estefan – O ex-presidente Bolsonaro teve ampla vantagem de votos no Sul e Sudeste. Obviamente, Campos não seria diferente. Somos a mais populosa cidade do interior do estado e também o município com a maior extensão territorial. Somos um dos principais centros políticos do estado do Rio de Janeiro e desfrutamos de reconhecimento político em âmbito nacional. Geramos oportunidade de negócios, emprego e renda para toda a região. Não creio que essa eleição seja parâmetro para rachar o espelho. O momento político é atípico.

Hamilton Garcia – Passados mais de 50 anos, é de se esperar que tudo tenha mudado, inclusive, o espelho. Mas a frase ainda pode guardar alguma pertinência, pois a política despartidarizada, praticada por grupos políticos hospedeiros de partidos, que se realiza por estas bandas, se nacionalizou e se instalou no seio do Congresso Nacional, mais especificamente em sua Câmara baixa. A chamada “pequena política”, outrora regional, englobou a “grande política”, com as consequências hoje sabidas.

Roberto Rosendo –  A frase atribuída a Vargas remete à primeira metade do século 20, onde o Rio de Janeiro exercia grande influência no cenário nacional e espelhava o Brasil. Simbolizando a importância de Campos à época, o campista Nilo Peçanha assumiu a presidência entre 1909 e 1910. Como cidade do interior, Campos mantém certo conservadorismo político. O PT nunca teve a hegemonia política no estado ou no Norte Fluminense. Bolsonaro se identifica como carioca, o que contribuiu para a sua expressiva votação em Campos.  O espelho não rachou!

 

Folha – Estrategista do ex-presidente dos EUA Bill Clinton, James Carville cunhou a frase que virou lugar comum para definir o sucesso ou fracasso de qualquer governo: “é a economia, estúpido”. Como viu o projeto do novo arcabouço fiscal do ministro da Fazenda Fernando Haddad? Como elevar arrecadação e gastos, sem aumentar impostos? E a reforma tributária?

Edvar – Esse arcabouço fiscal proposto pelo ministro da Fazenda foi visto com bons olhos neste primeiro momento, no que se refere ao fato do governo se comprometer a aumentar a arrecadação sem aumentar ou criar novos impostos ou taxas. O contribuinte, pessoa física ou jurídica, não suporta mais essa mão pesada do Estado. A reforma tributária é necessária, mas não para penalizar o empresariado. O ministro da Fazenda fala em cobrar impostos de atividades econômicas que não pagam. Agora é aguardar para ver se essa conta fecha.

Filipe – A Lei de Responsabilidade Fiscal, na gestão Fernando Henrique, e o teto de gastos, na gestão Temer, de certa forma, trouxeram estabilidade financeira e crescimento econômico, ao impor deveres e obrigações com os gastos e com a arrecadação. O ministro afirma que a intenção da “regra é compatibilizar o que era bom da Lei de Responsabilidade Fiscal com o que é bom de uma regra de gastos”. Sou contra o aumento de impostos, e vejo como imprescindível a diminuição dos gastos públicos. A reforma tributária é necessária e urgente.

Hamilton – A política fiscal do novo governo está umbilicalmente ligada à reforma tributária que tramita no Congresso: sem esta, aquela é natimorta. O país precisa investir em infraestrutura, trabalho e educação, se quiser fugir da armadilha da renda média na qual se encontra faz mais de quatro décadas. E isso implica em investir com responsabilidade fiscal. É em desafio para um Estado de tradição neopatrimonial, onde o bem comum é um valor dependente da contrapartida ao bem privado de quem tem poder político e financeiro.

Roberto – Para o economista John Maynard Keynes, o grande problema das economias modernas é o desemprego, que leva à degradação da sociedade. O arcabouço fiscal do ministro Haddad vai ao encontro da visão keynesiana, sem perder de vista a importância do controle da inflação e dos gastos públicos. E se contrapõe à visão ortodoxa-monetarista dominante, que defende a estabilidade monetária “acima de tudo”. Só há uma maneira de aumentar a arrecadação sem aumentar impostos: a economia precisa crescer. Quanto à reforma tributária, pratica-se hoje no Brasil um imposto regressivo, isto é: quem ganha mais paga menos e vice-versa. A reforma deve priorizar a progressividade do imposto.

 

Folha – Há o receio de que Lula 3 vá estar economicamente mais próximo de um “Dilma 3”, que fabricou a maior recessão da história do Brasil no Dilma 1 e Dilma 2, do que da prosperidade com responsabilidade fiscal do Lula 1 e Lula 2. Por outro lado, a postura política de Haddad em busca de freio fiscal aos gastos, tem sido elogiada. Qual a sua análise?

Edvar – No primeiro governo Lula, ele pegou um ambiente de negócios favorável e todo o mundo cresceu, não apenas o Brasil. No segundo governo, enfrentou a crise do mercado imobiliário dos EUA (em 2008), que teve reflexos aqui, mas o governo brasileiro tinha acumulado reservas em dólar. A questão está no ambiente adverso deste terceiro governo Lula, com as sequelas da pandemia e uma guerra em curso, ambos os eventos causando reflexos em toda economia mundial. Mantenho um olho no otimismo e outro na realidade.

Filipe – A imposição do aumento de gastos públicos no início da gestão foi, a meu ver, um erro crasso do governo Lula. A falta de responsabilidade com o teto de gastos assustou os mais renomados economistas, inclusive alguns que endossaram apoio a ele na campanha, como foi o caso de Armínio Fraga. O freio fiscal nos gastos públicos defendido pelo ministro Haddad é essencial ao equilíbrio das contas públicas. No momento em que a economia sai de controle, aumenta-se a incerteza e propicia-se o risco de recessão.

Hamilton – É um risco efetivo em função do negacionismo político do lulopetismo em relação a várias coisas, inclusive ao desastre da “nova matriz econômica” de Mantega. Embora pareça que Haddad e equipe tenham a dimensão desse desastre, Gleisi e Mercadante aparentam não tê-lo.  Sendo assim, Lula se equilibra nas duas posições buscando unificar o PT e deixar uma porta aberta para uma saída eleitoral de emergência ao modo de Dilma, que admitiu “fazer o diabo” para se reeleger, e Bolsonaro. Tudo isso mantém a incerteza em alta.

Roberto – Certamente houve erros na condução econômica, especialmente no Dilma 2. Mas o problema que levou o Brasil a ter dois anos de crescimento negativo pela primeira vez em sua História, -3,5% em 2015 e -3,3% em 2016, foi a crise política que resultou no impeachment da presidente Dilma. Lula 1 e 2 tiveram responsabilidade fiscal com crescimento do PIB, em torno de 3,7% entre 2003 a 2009, contra 1,8% entre 1990 a 2000, com Collor, Itamar e FHC. Ou seja, é possível compatibilizar crescimento econômico com estabilidade e responsabilidade fiscal.

 

Folha – As críticas de Lula ao presidente do Banco Central (BC), Roberto Campos Neto, não tiveram sucesso em baixar a alta taxa de juros. Pode ser a tentativa de fabricar bodes expiatórios no caso de fracasso econômico: Bolsonaro, cujo “liberalismo” deixou R$ 300 bilhões de estouro de teto, e o presidente do BC indicado por ele? Como você vê?

Edvar – Juros desta ordem param a economia e o governo tem que fazer a sua parte para reduzir, não interferir. O que interessa é a redução de juros, mas não de forma artificial. Se houver alguma pedalada fiscal, o governo perde o equilíbrio e a bicicleta da economia tomba. Para não dizer que não fiz comentários sobre os dois governos Dilma, digo que ela não concluiu o seu segundo mandato exatamente por artificializar os índices da economia, como quem usa um cheque especial. Artificializar a queda dos juros, é colocar juros sobre juros.

Filipe – O momento exige que o presidente seja gestor. Os ataques ao presidente do Banco Central são um equívoco. O presidente está no início do governo, se souber implantar as reformas necessárias ao desenvolvimento econômico, à promoção do empreendedorismo de pequenas, médias e grandes empresas, a geração de empregabilidade e renda, combate à corrupção, diminuição dos gastos públicos, reforma tributária, dentre outras, não vai precisar de bode expiatório.

Hamilton – O BC autônomo tem por obrigação legal olhar para inflação sem perder de vista a atividade econômica e o emprego. O que, no mundo inteiro, moderou a política de juros para o controle inflacionário. Este parece ser o destino do BC brasileiro também, pois o endividamento público, ferramenta poderosa quando manejado para o bem comum, se tornou inviável com as taxas de juros escorchantes praticadas no país, sobretudo no crédito privado. Neste particular, o país terá muito a ganhar se o BC assumir suas responsabilidades.

Roberto – As críticas do Lula à atual política de juros do Banco Central não são apenas do Lula, mas de economistas renomados, inclusive considerados neoliberais, como é o caso de André Lara Resende, um dos país do Plano Real.  A taxa básica de juros do Banco Central hoje é de 13,75% ao ano. Ganhador no Nobel de economia, Joseph Stiglitz afirmou recentemente que a taxa de juros no Brasil é “chocante e mataria qualquer economia”. Esses juros inviabilizam o crédito para investimento e consumo, ao mesmo tempo em que favorecem o rentismo.

 

Folha – Condenado após ter sido criado no governo Bolsonaro na tarefa exitosa de se blindar a pedidos de impeachment na Câmara de Deputados, o orçamento secreto foi chamado de “safadeza” pelo candidato Lula, mas mantido pelo presidente Lula. É a única maneira de conseguir sobreviver diante do Congresso conservador eleito em outubro?

Edvar – Infelizmente esse cenário político sempre existiu. Antes da Dilma, Fernando Collor teve seu impedimento aprovado pela Câmara e Senado. Existiam todas aquelas provas do esquema do PC e Collor não tinha o Parlamento na mão. O mesmo se repetiu com Dilma. Bolsonaro evitou essa queda de braço compondo com o Congresso do qual Lula hoje também hoje é refém. Para mim tão importante quanto à reforma tributária seria a reforma política, mas essa nunca entra na pauta. Esse assunto está mais para as observações da ciência política.

Filipe – Pois é, seria cômico se não fosse trágico. Ainda mais quando se trata de orçamento público, onde, via de regra, não pode ser secreto. Um dos princípios que regem a administração pública é a publicidade e transparência, como consta no Art. 37 da CRFB/88. Outrossim, o plenário do Supremo Tribunal Federal, em dezembro de 2022, julgou inconstitucional o chamado orçamento secreto. Considerando as questões legais descritas, esse assunto pode custar caro ao presidente no futuro.

Hamilton – Sim, porque o sistema eleitoral-partidário, junto com a cultura popular, incentiva o político a usar o poder apenas para se reeleger. Para acabar com esta chantagem institucionalizada, precisamos reformar o sistema de modo a despersonalizá-lo com o voto em lista e controlá-lo, com o voto majoritário. Precisamos responsabilizar os partidos pelo mau uso do poder por seus delegados, com perda de fundo partidário, tempo de propaganda gratuita, etc.  O eleitor precisa de instrumentos para aplicar freio às oligarquias partidária.

Roberto – As emendas de relator, batizadas de “orçamento secreto”, tendem a favorecer a um limitado grupo de deputados e senadores, em detrimento dos demais parlamentares. Nos EUA, o lobby é regulamentado e, portanto, legal. Dada a cultura do Congresso brasileiro, cabe ao mesmo regulamentar tais emendas de relator, a fim de que esses recursos do orçamento sejam democratizados, com critérios em que todos os parlamentares possam ter acesso aos mesmos, com transparência e controle da sociedade, dentro da legalidade.

 

Página 2 da edição de hoje da Folha da Manhã

 

Folha – Tudo leva a crer que Lula vai indicar seu advogado pessoal na Lava Jato, Cristiano Zanin, na vaga de Ricardo Lewandowski no Supremo Tribunal Federal (STF). O que, na substituição de um homem branco alinhado politicamente por outro, vai contra a cobrança identitária por diversidade usada na campanha vitoriosa a presidente. Há contradição?

Edvar – Esse é outro assunto da esfera política. O Zanin como todos sabemos foi o advogado de defesa do presidente Lula nos processos da Lava Jato que o levaram à prisão. Essa indicação de bastidores já tem sido muito criticada. Bom lembrar que existe um rito, e que passa pela sabatina do Senado. Criticaram muito quando o Bolsonaro que nomeou Sergio Moro como ministro da Justiça. Agora certamente Lula vai sofrer críticas se fizer o seu advogado de defesa ministro da Suprema Corte.

Filipe – Em tese, sim. Podemos perceber algumas contradições entre o candidato e o gestor. Mas não podemos esquecer que o Cristiano Zanin preenche os requisitos necessários à assunção ao cargo. Particularmente, gosto da postura sóbria, corajosa, elegante e educada do Zanin. Foi um advogado à altura do cargo no processo da Lava Jato. Tem meu respeito e admiração.

Hamilton – Sim e mostra que o identitarismo é mais um instrumento de mobilização eleitoral do que uma política pública para a mudança social. Por isso foi radicalizado até provocar a emergência do bolsonarismo. Quando os interesses fundamentais das elites estão em jogo, exigindo a blindagem jurídica e o controle da Procuradoria e da Polícia, tudo o mais é descartável. Neste ponto, petistas e bolsonaristas, via Aras, confraternizam nas cocheiras das prerrogativas, onde os interesses privados se travestem de públicos na narrativa do lawfare.

Roberto – Havendo competência técnica comprovada, é prerrogativa legal do presidente da República indicar o ministro do STF. Trata-se de uma indicação para um cargo que envolve confiança, indicação esta, vale ressaltar, que precisa ser aprovada pelo Senado Federal. Que é quem decide na prática. Portanto, não vejo contradição na eventual indicação do Presidente Lula de seu advogado Zanin. Faz parte de um processo que é legal, mas também político.

 

Folha – Lula declarou em 2 de março, sobre a indicação do novo Procurador-Geral da República (PGR): “não penso mais na lista tríplice”. Foi o que Bolsonaro fez com Augusto Aras, que blindou o ex-presidente como um Advogado Geral da República. Lula 1 e Lula 2 respeitaram a lista tríplice do Ministério Público na PGR. O capitão ensinou o caminho das pedras ao petista?

Edvar – A lista tríplice é uma convenção muito bem recebida por todos os atores do jogo democrático. Bolsonaro não a utilizou e foi bastante criticado. Só que Bolsonaro indicou que não iria respeitar essa convenção. Pelo histórico do presidente Lula, ele deveria respeitar. Se pegou mal para Bolsonaro não respeitar a lista tríplice, para Lula o efeito negativo será triplo.

Filipe – Desde 2001, 11 listas foram votadas pelos procuradores da República, com exceção da primeira, apresentada ao presidente Fernando Henrique Cardoso, e das duas últimas, em 2019 e 2021 (com Bolsonaro), as demais nomeações respeitaram a lista tríplice. Há uma mudança de comportamento, sim. Contudo, por mais deselegante que seja, não podemos perder de vista que a nomeação do PGR é uma prerrogativa do chefe do executivo, após aprovação do nome pelo Senado, Art. 128, §1º da CRFB/88.

Hamilton – Lição aprendida sobre as consequências de uma Justiça, Procuradoria e Polícia autônomas. A solução desse “problema”, por Mendes, Toffoli e Lewandowski, em acordo com Bolsonaro para salvar sua família, ou com os neopatrimonialistas para “estancar a sangria”. Foi o grande legado do capitão à frente do Executivo e uma das razões para ele ter terminado o mandato, não obstante o descalabro. A “pax gilmariana” tem tudo para tornar as instituições da Nova República muito parecidas com as da República Velha, aguçando contradições sociais.

Roberto – Há de se destacar que a lista tríplice é uma tradição democrática, mas que, legalmente, é prerrogativa do presidente da República fazer a indicação para o cargo de procurador-geral. Do ponto de vista da democracia brasileira, seria muito importante manter a tradição da lista tríplice. Mas muitas instituições públicas sofreram intervenções do governo passado. Caberá ao atual presidente da República avaliar a conjuntura política e tomar a melhor decisão à luz de seu programa de governo, da estabilidade jurídica e política da nação.

 

Folha – A fuga do Brasil aos EUA, a tentativa de golpe de estado em 8 de janeiro e as joias sauditas desgastaram Bolsonaro. A se confirmar sua inelegibilidade pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), quem será o herdeiro do bolsonarismo? Lula acerta ou erra ao espelhar o antecessor, como fez na segunda (10), no pronunciamento dos seus 100 dias de governo?

Edvar – Bolsonaro se ausentou do país e não fugiu, no meu entender. Errou ao não transmitir o cargo, mas não foi o primeiro a fazer isso. A tentativa de golpe foi repudiada por todos os segmentos da sociedade em defesa da democracia. Essa questão das joias está em fase de investigação. Tudo isso desgasta e não podemos avaliar as consequências legais. Mas como disse no começo o país está dividido, e existem lideranças bolsonaristas de alta expressão, como o atual governador de São Paulo, o ex-ministro Tarcísio Freitas (Rep).

Filipe – Considerando que todos são inocentes até que haja uma sentença penal condenatória transitada em julgada, acho prematuro falar de herdeiros políticos do Bolsonaro, que ainda está elegível. Contudo não podemos perder de vista que Tarcísio de Freitas, governador de São Paulo, goza de boa reputação e carisma entre os eleitores. Ainda temos um longo percurso pela frente e os desafios são grandes. Quanto ao pronunciamento do presidente, acho esse espelhamento desnecessário.

Hamilton – Lula precisa de Bolsonaro para eclipsar seu passado obscuro no poder e vice-versa. Esta foi a aposta vitoriosa em 2022 e tem tudo para se repetir em 2026, se o tecido social se mantiver íntegro até lá, sob as políticas de proteção social e sem choques externos graves. Claro, é preciso que as correntes democráticas continuem fugindo do desafio de mudar a ordem à guisa de “defesa da democracia”. Neste caso, infelizmente, mesmo estando Bolsonaro inelegível, é possível que nada melhor surja neste cenário de irracionalismo mutuamente alimentado.

Roberto – Considero que ex-presidente Bolsonaro esteja dentro espectro ideológico “populista de direita”.  Nesta perspectiva, não vejo quem possa substituí-lo caso se torne inelegível. Sou da opinião que, nos três primeiros anos de governo, o foco deva estar direcionado à resolução dos problemas do país e não na campanha político/partidária como fez o governo Bolsonaro ao longo dos quatro anos de mandato. Penso que Lula deveria evitar polemizar politicamente com Bolsonaro neste momento.

 

Folha – Após polemizar com Campos Neto, Bolsonaro e o senador Sergio Moro, inclusive creditando a uma “armação” do ex-juiz federal uma investigação da Polícia Federal (PF) em seu próprio governo, Lula sofreu muitas críticas. Inclusive de analistas considerados “petistas”, como o jornalista Bernardo Mello Franco, de O Globo. Como você vê?

Edvar – Todas as críticas nesse sentido são merecidas, tanto na polêmica com o presidente do BC, quanto no caso do hoje senador Sergio Moro. Foi de péssimo tom.

Filipe – Não vejo com bons olhos. O presidente precisa superar esse comportamento bélico e focar na gestão. A investigação que apontou a existência de um plano para matar um senador da República revela uma situação gravíssima. Querer inverter e transformar a “vítima” em algoz, traz desconforto e preocupação à sociedade. Até porque, uma das maiores preocupações nos dias atuais é justamente a escalada da violência. Recomendável, inclusive, que o governo implante uma política de segurança pública mais austera.

Hamilton – Lula perdeu sua “santidade”, para a maioria dos eleitores, no Mensalão e na Lava Jato. E seu novo governo, sob condições inéditas de partilha de poder com a “frente ampla” de Lira, torna mais difícil sua ressureição. Ao mesmo tempo, a direita saiu do armário e joga o jogo pesado das narrativas com uma liberdade que desconcertou a própria esquerda, pioneira no ramo. Assim, Lula, com idade já avançada e prisioneiro da crença na própria infalibilidade, se vê obrigado a jogar no mesmo nível de seus adversários, sem a proteção do pedestal.

Roberto – A discussão pública nos aspectos técnicos e políticos a respeito da taxa de juros praticada pelo BC está correta a meu ver. Já a polêmica envolvendo o ex-juiz Sergio Moro e o ex-presidente Bolsonaro não são adequadas à conjuntura econômica e política do país neste momento.

 

Folha – Ainda sobre fake news, o PT tem ecoado duas: o impeachment de Dilma em 2016 foi “golpe”, mas não o de Fernando Collor de Mello em 1992; e a Lava Jato, a despeito de erros comprovados, foi engendrada nos EUA. Representante do PT em evento na Rússia uniu as duas no dia 30, creditando aos EUA a queda de Dilma. Há fake news do “bem” e do “mal”?

Edvar – Essa história de notícias falsas sempre existiu, os boatos que viraram “verdades”. Os dois impedimentos ocorreram e passaram pelo Parlamento. Cada um tem sua versão sobre fatos e boatos. Essa história de que os Estados Unidos intervieram no impedimento da Dilma é filhote da história de que os próprios nortes americanos estavam por trás da queda de Getúlio. Essa pergunta tem como resposta outros ingredientes que somam as “teorias” e as “conspirações”.

Filipe – Não podemos confundir fake news com opinião. Na democracia, todo indivíduo tem direito à opinião e expressão. Contudo, necessário existir um compromisso com a verdade. A disseminação de ofensas, discurso de ódio ou incitação à violência e que venha a ameaçar a paz social e a segurança nacional não pode ser confundido com liberdade de expressão. Vivemos em uma sociedade onde já não se comporta mais a expressão da inverdade como pano de fundo para o sucesso argumentativo.

Hamilton – No mundo encantado das narrativas quase tudo cabe, exceto a realidade que não é nunca convidada. Mesmo assim, ela sempre entra de penetra para complicar a vida e desmanchar os sonhos, pois se trata da dimensão inexorável da vida. Por mais eficientes que sejam as ideologias e suas narrativas, chega um momento em que elas se desfazem ou perdem gradativamente a eficiência persuasiva. O PT voltou ao poder, mas suas versões dos fatos perderam poder de convencimento, ao preço do florescimento de novas fantasias.

Roberto – O Congresso, respeitados os trâmites legais, tem o poder para destituir um presidente da República legitimamente eleito. No caso do impeachment da presidente Dilma, entendo que as bases legais para sua destituição foram frágeis (Collor foi absolvido no STF das acusações que geraram seu impeachment). A questão foi mesmo política! Neste caso, entendo que houve um desrespeito à vontade da maioria da população que a elegeu. Por outro lado, houve uma certa inabilidade do governo Dilma 2 para lidar com o Congresso.

 

Folha – Na questão geopolítica, como viu Lula creditar a Lava Jato ao Departamento de Justiça dos EUA, após este país ter sido fiador do sistema eleitoral brasileiro e seu resultado em outubro? Como vê a reaproximação do Brasil com a China e a Rússia, que em meio à Guerra da Ucrânia tentam criar um eixo alternativo à América do Norte e à Europa?

Edvar – Essa questão do Departamento de Justiça dos EUA vai para a conta da teoria da conspiração. Os Estados Unidos aprovaram o sistema eleitoral brasileiro. O voto eletrônico, inclusive, é usado em alguns estados norte-americanos. Eu quero falar mais de “geo” do que de política. O Brasil precisa se aproximar de grandes mercados: Rússia e China são grandes mercados. Vamos tirar a ideologia desse contexto e vê-lo como estratégica econômica.

Filipe – Os dois cenários são complexos. Primeiro que o presidente estaria creditando aos EUA uma possível interferência dentro do Poder Judiciário brasileiro, em especial, no caso da Lava Jato, o que não acredito. Em segundo lugar, a única reaproximação que acho salutar nesse momento com a China e a Rússia, até pela tensão de um cenário de guerra, seria para ampliar o fomento das exportações e melhorar o ambiente de negócios entre os países. Não podemos perder de vista que os EUA e a Europa também são parceiros comerciais importantes.

Hamilton – Na política externa, o Brasil intenta se situar no campo do não-alinhamento terceiro-mundista, terreno outrora bem explorado pelos soviéticos e hoje disponível à estratégia chinesa. A China, ao contrário da antiga URSS, não busca replicar seu sistema político pelos continentes, o que lhe dá maior capacidade de atração por motivação econômica, que capturou as potências ocidentais. O problema é que uma possível guerra com Taiwan pode colocar o Brasil numa posição tão difícil quanto aquela de Vargas em 1941.

Roberto – É natural que por conta do alinhamento histórico da diplomacia brasileira com os EUA e pela identidade do PT com o Partido Democrata, Lula contasse com o governo Biden para reconhecer sua vitória. Mas, enquanto país em desenvolvimento, o Brasil faz parte do Brics, que integra também a Rússia, a China, a Índia e a África do Sul.  O peso da economia mundial está mudando do Ocidente para o Oriente.  Há estimativas de que em um prazo não superior a 10 anos a China se torne a maior economia do mundo, superando os EUA.

 

Folha – Parece consenso que o pêndulo do voto de centro determinou o segundo turno presidencial de 2018 e 2022, respectivamente, para Bolsonaro e Lula. Nenhum candidato do centro chegou a dois dígitos nas pesquisas e nas urnas de outubro. Que, no governo Lula, tem Simone Tebet no ministério do Planejamento. Esse centro seguirá apenso ao lulopetismo?

Edvar – A Simone Tebet foi uma grande novidade da campanha passada e realmente fez muita diferença. Acho que ela, agora ministra de uma pasta importante planeja um futuro político solo, com mais visibilidade.

Filipe – Difícil avaliar, até porque a política é como nuvem, está sempre se movendo e deslocando. Mas um fator interessante que percebi nessa eleição do segundo turno, foi que o eleitor que migrou os votos para Lula ou Bolsonaro, em sua maioria, seguiu sua consciência pelo critério de aprovação ou rejeição. Penso que grande parte do centro é independente e seu compromisso com o governo irá depender muito do êxito da gestão. A aliança política que firmou com presidente do Senado e da Câmara está sendo fundamental nesse contexto.

Hamilton – Creio que parte de suas lideranças, sim. Mas seus eleitores, que tem pautas não abarcadas pelo petismo, como eficiência da máquina pública, combate à corrupção, segurança e desburocratização, não. O que deve motivar algumas lideranças a se manter longe do governo. Por isso Lula está ansioso para produzir resultados econômicos que compensem as frustrações da classes média, para neutralizar os independentes. O problema é conseguir isto com um Estado corrupto, ineficiente e ensimesmado, que queima recursos consigo próprio.

Roberto – Nada passa no Congresso Nacional sem a chancela do chamado Centrão.  Enquanto o Centrão puder obter do governo Lula retornos políticos, a ele se vinculará em maior ou menor grau. O mesmo vale para as eleições presidenciais. Os votos do Centrão acabam pesando na balança eleitoral. Simone Tebet pertence ao MDB, antigo PMDB, partido emblemático do Centrão, que foi a base de sustentação dos governos do PT, com destaque para os governos Dilma 1 e 2 que tiveram como vice-presidente da república Michel Temer.

 

Folha – Todas as pesquisas atestam que Lula conquistou seu terceiro mandato de presidente no voto do eleitor com renda mensal familiar até 2 salários mínimos. Para atender esses brasileiros pobres bastará a retomada de programas antigos, como o “Bolsa Família”, o “Minha Casa, Minha Vida” e o “Mais Médicos”? De maneira geral, falta inovação? 

Edvar – Essa rede de programas sociais é necessária e o governo anterior manteve (na verdade, extinguiu na prática o “Minha Casa, Minha Vida” e o “Mais Médicos”, além de transformar o “Bolsa Família” em “Auxílio Brasil”, sem os mesmos critérios sociais). O empresariado é defensor de uma rede de proteção social ampla. Jamais foi contra. Só que achamos que essa rede tem que ter como objetivo oportunizar pessoas hoje vulneráveis para se inserirem na cadeia produtiva. Esse é o ideal, olhando de forma ampla. A sociedade apoia esses programas, mas quer ver resultados. A inovação sempre é necessária.

Filipe – Os programas “Bolsa Família”, “Minha Casa, Minha Vida”, e outros programas sociais de inclusão e distribuição de renda são necessários e relevantes à dignidade da pessoa humana. Mas, infelizmente, incapazes de fazer com que a maioria dos beneficiários ascendam a melhores condições de vida. Necessário criar políticas públicas de independência financeira e sustentabilidade. Faltam investimentos sérios em educação e capacitação que lhes garantam conhecimento e qualificação, para ingressarem e se manterem no mercado de trabalho.

Hamilton – Para as camadas mais necessitadas, o assistencialismo é a tábua de salvação, como bem sabem os populistas de todos os matizes. Nossa democracia, desde o Real, foi em boa parte lastreada nesse setor, que atinge cerca de 40% da população, sem a necessidade de promoção via educação ou trabalho. O problema é que os que conseguiram ascender acabaram tomando consciência dos limites desta política, o que vem estreitando a margem de adesão ao modelo.

Roberto – Segundo o IBGE, a cada 10 brasileiros no mercado formal de trabalho, sete recebem até dois salários mínimos. Além disso, os trabalhadores informais somam 38,9 milhões de pessoas com renda precarizada. Fundamental que se consolidem programas que melhorem renda e qualidade de vida dos mais pobres, como o Minha Casa Minha Vida, Mais Médicos, Bolsa Família, Pronaf, Prouni, entre outros. Tão importante quanto a consolidação desses programas é que sejam ampliados e diversificados. Eu diria que tais programas já são bem inovadores.

 

 

Folha – Vencidos os primeiros 100 dias, quais são ao seu ver as principais características, positiva e negativa, do Lula 3?

Edvar – É convencional a avaliação dos 100 primeiros dias, algo quase que de praxe, embora saibamos que é um tempo curto para uma análise profunda. A característica positiva está no fato em que Lula recua diante de questões imutáveis como a autonomia do Banco Central. A negativa está embutida em uma pergunta anterior, ou seja, quando não aceita a lista tríplice para a PGR ou quer emplacar o seu advogado no STF. É preciso tempo para uma avaliação, até porque as características até aqui são políticas. Na economia, temos apenas indicativos.

Filipe – O aspecto positivo foi que ele estabeleceu uma relação mais harmônica com os Poderes da República, em especial, o Congresso Nacional. Já os aspectos negativos são a economia, segurança pública, desemprego e a falta de uma política de empreendedorismo. Ressalto que estamos avaliando 100 dias de gestão. Todo início é difícil e imprevisível. Mas, com planejamento em políticas públicas e gestão eficiente, podemos experimentar o retorno do crescimento econômico e social.

Hamilton – A volta da governança sobre a máquina pública e suas políticas é o ponto mais positivo, junto com a tomada de consciência sobre a necessidade do crescimento baseado na diversificação e complexificação econômica: a reindustrialização. O mais negativo é a ilusão de que podemos alcançar tal objetivo sem focar a promoção social na educação e no trabalho, vide paralisação da reforma do ensino médio. E que o Estado, mesmo nas mãos dos velhos e novos grupos parasitários, pode dirigir este processo sem necessidade de qualquer reforma.

Roberto – O ponto positivo é percepção do governo Lula de que o processo econômico é também um processo social. As políticas públicas não devem priorizar só o ganho econômico, mas ter o mesmo nível de prioridade ao bem-estar do conjunto da sociedade. A maior dificuldade nestes 100 dias tem sido coordenar os projetos e programas com políticos aliados de diferentes partidos nos diferentes ministérios. Como fazer a articulação para a aprovação dos projetos com um Congresso de forte base bolsonarista, além dos interesses próprios do Centrão.

 

Página 3 da edição de hoje da Folha da Manhã

 

Pesquisas: 100 dias de Lula e Campos entre direita e esquerda

Lula, Bolsonaro e Campos entre o eleitor de direita, centro e esquerda

 

 

Campos é de direita?

Campos é uma cidade de direita? Sim, a julgar pelas urnas do segundo turno presidencial de 30 de outubro de 2022. Quando deu 63,15% dos seus votos válidos a Jair Bolsonaro (PL), contra 36,86% de Lula (PT). Mas, a julgar pela pesquisa do Núcleo Norte Fluminense do Observatório das Metrópoles, nem tanto. Feita entre fevereiro e março de 2022, em 392 domicílios do município, ela revelou que 66,7%, ou 2/3 dos campistas, não se se interessam por política. Em relação ao posicionamento político/ideológico, 21,7% não souberam responder. Dos que responderam, 39,7% se disseram de direita, 31,6% de centro e 28,7%, de esquerda.

 

(Infográfico: Eliabe de Souza, o Cássio Jr.)

 

Vê-se uma coisa e vota outra?

“A pesquisa mostra que o eleitor campista não é tão de direita assim. Pelo menos ideologicamente, quando ele se autodeclara, se vê uma proporção equilibrada, nada diferente do que acontece no resto do Brasil. Ficou um pouco mais à direita do que à esquerda, com bastante no centro. Mas, na hora de urna, nas últimas eleições, o campista tem votado muito à direita. Isso é interessante: ele não se declara ideologicamente tão à direita assim, mas vota muito à direita”, analisou William Passos, geógrafo com especialização doutoral em Estatística pelo IBGE. A consulta foi feita por pesquisadores da Uenf, UFF-Campos, IFF e Cândido Mendes.

 

O eleitor de centro

Talvez a explicação esteja na diferença entre como o eleitor goitacá se vê e se se declara ideologicamente, e como ele de fato vota. Mas pode haver também outra: competência na comunicação política. A direita ou extrema direita se mostrou mais competente do que a esquerda para ganhar, nas duas últimas eleições presidenciais, o voto do campista de centro. É consenso entre os analistas que foi o pêndulo desse eleitor de centro, em todo o Brasil, que definiu a vitória de Bolsonaro em 2018. E a de Lula, em 2022. Em Campos, o eleitor de centro balançou para o mesmo lado em 2018, mas diferente do resto do país em 2022.

 

Esquerda x direita em Campos

Outra aparente contradição? O ótimo desempenho de Bolsonaro em Campos, nos pleitos presidenciais de 2018 (se elegeu com 64,87% dos votos válidos do município, contra 35,13% de Fernando Haddad) e 2022, não se reflete na eleição a prefeito da cidade. No primeiro turno de 2020, com Bolsonaro no poder, a estreante Professora Natália (Psol) teve 4,68% dos votos. Foi quase o dobro dos 2,68% dos dois candidatos bolsonaristas somados: 2,17% de Tadeu Tô Contigo (Rep) e 0,51%, de Jonathan Paes (PMB). Somados aos votos de Natália os de Odisséia (PT), com 1,88%, a coça eleitoral da esquerda na direita em Campos foi ainda maior.

 

Popularidade e apoio de Wladimir

Eleito prefeito no segundo turno daquele pleito de 2020, ao bater Caio Vianna (hoje, PSD) por 52,4% a 47,6% dos votos válidos, Wladimir Garotinho (hoje, sem partido) pode ter sido outra causa. Para o eleitor campista de centro ter pendido a Bolsonaro em 2022. Pressionado pela irmã Clarissa Garotinho (União) e pelo governador Cláudio Castro (PL), o prefeito revelou seu voto ao capitão na reta final do segundo turno, em 21 de outubro. No dia 26, organizou para ele uma grande carreata na cidade. E a popularidade de Wladimir foi atestada na pesquisa GPP de março: sua gestão é considerada ótima (21,7%) ou boa (33,8%) por 55,5% dos campistas.

 

Pesquisa dos 100 dias de Lula

Situação menos confortável que a de Wladimir vive Lula. Na segunda (10), ele usou quase metade do seu discurso de 100 dias de governo para espelhar Bolsonaro. Na terça, viu a divulgação da nova pesquisa Ipec (antigo Ibope), feita de 1 a 5 de abril. Comparada à de março, o presidente oscilou negativamente, na margem de erro de 2 pontos para mais ou menos. De 41% aos 39% dos brasileiros que hoje consideram seu governo ótimo ou bom. E de 24% aos atuais 26% de ruim ou péssimo. Só o regular manteve os 30%. O melhor dado a Lula foram os 54% que aprovam sua maneira de governar. Mas, há menos de um mês, eram 57%.

 

(Infográfico: Eliabe de Souza, o Cássio Jr.)

 

“Simetria perversa”

Na manhã de ontem, em entrevista ao Folha no Ar, na Folha FM 98,3, o historiador Alberto Aggio deu o alerta ao Lula 3: “Um governo que obriga a uma reescritura da História, com essa história do ‘golpe’, não tem muito futuro. A sua ‘virtude’ não está numa resposta à sociedade, está numa resposta aos seus. Nesse sentido, há uma simetria perversa do lulismo com o bolsonarismo. O Bolsonaro se confrontava com tudo aquilo que emergiu da superação da ditadura (1964/1985). Agora, o Lula se coloca não só contra Bolsonaro, mas contra tudo que surgiu no pós-Dilma Rousseff (PT)”. Parte da entrevista se encontra na página 2 desta edição.

 

Entre cinema e literatura, 5 dicas de filme no streaming

 

Em “Hemingway e Guellhorn”, na HBO Max, Clive Owen é Ernest Hemingway e Nicole Kidman, a terceira esposa do escritor: a jornalista Martha Guellhorn

 

Estrelado por Margot Robbie e Brad Pitt, “Babilônia” está disponível para alugar na Prime Video

Este blog tem um grupo de WhatsApp, que divide com o programa Folha no Ar. E que é considerado entre os mais conceituados da cidade. Sua moderação, por certo, dá trabalho. Mas gera boas pautas e debates. Em um deles, o blogueiro e servidor federal Edmundo Siqueira, em diálogo a partir da crítica aqui publicada sobre o filme “Babilônia” (2022), de Damien Chazelle, sugeriu outro: “Hemingway e Gellhorn” (2012), de Philip Kaufman.

“Babilônia” está disponível para aluguel na plataforma de streaming Prime Video, da Amazon. “Hemingway e Gellhorn”, na HBO Max. A sugestão se deu porque o primeiro filme trata dos “loucos” anos 1920 em Hollywood. E sua crítica lembrou ter sido um período ricamente narrado na prosa de dois mestres da literatura dos EUA: F. Scott Fitzgerald e Ernest Hemingway. Este, como o nome indica, tem sua vida retratada em “Hemingway e Guellhorn”.

A partir da sugestão do Edmundo, como deve ser em um diálogo entre cinema e literatura, vieram outras. Que podem servir de sugestão a quem ainda não conferiu algum desses filmes no streaming. Ou que, com mais de informação, deseje revê-los. Abaixo, sigamos a elas:

 

Na vida real da Paris de 1925, os grandes mestres da prosa no modernismo dos EUA, Ernest Hemingway e F. Scott Ftizgerald

 

“Hemingway e Gellhorn” (2012) é, sim, uma boa pedida a quem assina a HBO Max. Com as atuações consistentes de costume de Clive Owen e Nicole Kidman. E com direito a Rodrigo Santoro como guerrilheiro republicano que toma sumiço dos “aliados” soviéticos em plena Guerra Civil Espanhola (1936/1939). Retratada no romance “Por quem os sinos dobram”, de Hemingway, resgatou ao modernismo o grande poeta inglês John Donne, contemporâneo e conterrâneo de Shakespeare.

 

Com a garrafa na mão, o Hemingway interpretado por Corey Stoll em “Meia noite em Paris”, de Woody Allen, disponível na Netflix e HBO Max

 

Das opções para conhecer o Hemingway e os “loucos” anos 1920, destacaria ainda “Meia noite em Paris” (também de 2012), de Woody Allen, disponível tanto na HBO Max quanto na Netflix. Onde um Hemingway inspirado em seu livro “Paris é uma festa” rouba a cena mais pela personagem, do que por sua interpretação meio estereotipada por Corey Stoll. Que traz também um F. Scott Fitzgerald em boa atuação de Tom Hiddleston.

 

Disponível na HBO Max e na Prime Video, Leonardo DiCaprio estrela a última adpatação ao cinema de “O grande Gastby”, romance de F. Scott Fitzgerald

 

Mas, para conhecer a talvez melhor obra literária sobre os EUA dos anos 1920, indico também “O grande Gatsby” (2013), do sempre autoral diretor Baz Luhrmann. Está disponível na HBO Max e na Prime Video, com Leonardo DiCaprio estrelando a mais recente adaptação ao cinema do romance de F. Scott Fitzgerald. Há quem ache “Suave é a noite” a grande obra do autor. É uma disputa dura.

 

Colin Firth vive o lendário editor Max Perkins, enquanto Dominic West interperta Hemingway em “O mestre dos gênios”, disponível na HBO Max

 

Por fim, trazendo Hemingway (Dominic West) e Fitzgerald (Guy Pearce) novamente juntos no cinema, há também “O mestre dos gênios” (2016), de Michael Grandage. O título faz menção ao lendário editor Max Perkins (Colin Firth), que descobriu e lançou os dois grandes romancistas. Assim como, depois, o escritor Thomas Wolfe (Jude Law), cuja relação com seu editor dita o filme. Que está disponível na HBO Max.

 

Confira abaixo os trailers de 1) “Babilônia”, 2) “Hemingway e Guellhorn”, 3) “Meia noite em Paris”, 4) “O grande Gastby” e 5) “O mestre dos gênios”:

 

 

 

 

 

 

Democracia, Brasil e América Latina no Folha no Ar desta 3ª

 

(Arte: Eliabe de Souza, o Cássio Jr.)

 

Historiador, professor da Universidade Estadual de São Paulo (Unesp) e especialista de História da América Latina, Alberto Aggio é o convidado do Folha no Ar nesta terça (11), ao vivo, a partir das 7h da manhã, na Folha FM 98,3. Ele falará sobre seu novo livro, “Ainda respira… a democracia sob ameaça”, que lançará no mesmo dia em São Paulo, reunindo artigos sobre o tema, publicados entre 2019 e 2022.

De maneira mais específica, Aggio analisará o Brasil de Jair Bolsonaro (PL) aos 100 primeiros dias do terceiro governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Por fim, falará da América Latina entre as influências dos EUA e do novo eixo econômico e geopolítico protagonizado pela China.

Quem quiser participar ao vivo do Folha no Ar desta terça pode fazê-lo com comentários em tempo real, no streaming do programa. Seu link será disponibilizado alguns minutos antes do início, na página da Folha FM 98,3 no Facebook.

 

João Noronha — Um jornalista e um jornal

 

Entre o final da madrugada e início da manhã da última quarta-feira (5), por volta das 5h30 da manhã, enquanto nascia o sol ainda forte de abril, morreu aos 67 anos o jornalista João Noronha Neto. Ele foi vítima das complicações de um AVC hemorrágico, na UPA de São João da Barra, onde tinha se internado duas semanas antes, para tratar de uma pneumonia. Fez sua passagem às margens da BR 356, que tantas vezes cruzou desde a primeira infância. Em uma vida, mais que de repartida, completa nos dois sentidos entre Campos e Atafona.

Como pesquisador e escritor, João dedicou a Atafona seus dois livros: “Uma dama chamada Atafona”, de 2003; e “Atafona: sua história, sua gente”, de 2007. Que lhe valeram em 2019 a eleição como membro da Academia Campista de Letras (ACL), da qual tinha se licenciado para tratar da saúde. Como jornalista, após experiências na TV Norte Fluminense, como repetidora da Rede Globo e da Band, e no extinto jornal A Cidade, ele teve duas passagens marcantes pela redação da Folha da Manhã, entre 2005 e 2016. Onde deixou amigos e admiradores da sua correção de caráter, grande coração, zelo e dedicação profissional.

Em 12 de janeiro de 2018, quando trabalhava na assessoria de comunicação do município vizinho de Quissamã, Noronha escreveu um texto sobre os 40 anos da Folha, 11 deles também contados por ele, que foi publicado em um caderno pelo aniversário do jornal que batiza o Grupo Folha. Que, ao eco grave da sua voz inconfundível, republicamos abaixo. Na homenagem mais que devida de um jornal a um grande jornalista, tomadas de empréstimo as suas palavras: obrigado sempre, João!

 

João Noronha (Foto: Rodrigo Silveira/Folha da Manhã)

 

Folha, marca de sucesso e qualidade

Por João Noronha

 

Uma revolução na história da imprensa em Campos. O 8 de janeiro de 1978 foi o dia mais esperado por todos nós, jornalistas, lotados em outras redações, que sonhávamos com os avanços tecnológicos da época, quando foi às bancas o primeiro jornal offset da região. Impressão e fotografias de qualidade, matérias bem elaboradas e editadas, que conquistaram a confiança da população.

A experiência profissional de Aluysio Cardoso Barbosa aliada à visão empresarial de Diva dos Santos Abreu Cardoso Barbosa não poderia ter uma receita de sucesso diferente. Empresa sólida e bem-sucedida, vitoriosa em movimentos importantes que nortearam o progresso da nossa Campos dos Goitacazes e na promoção de eventos que depois se tornaram marca registrada. Nascia a Folha, a minha segunda casa entre 80/84. E, depois de passar por outros veículos de informação, retornei entre 2005/15 sob o comando de Aluysio Abreu Barbosa, que implementou o jornalismo investigativo, atendendo às exigências do mercado editorial.

O nosso admirável mundo novo seguia os passos da modernidade, com o serviço noticioso da agência Jornal do Brasil (via telex), que só era possível até então através de escuta de rádio e com dificuldades dada à distância da capital. O jornal inovava a cada ano, com lançamento de cadernos especiais voltados para os públicos infantil, estudantil, agronegócios, e diversos segmentos representativos da sociedade goitacá. O profissionalismo cresceu tanto, que a Folha reuniu durante décadas os melhores nomes da comunicação regional, uma espécie da Rede Globo impressa.

Sempre preocupada em oferecer qualidade e informação de primeira mão aos seus anunciantes e assinantes, a Folha se agigantava com projetos gráficos e investimentos profissionais. O primeiro jornal também a informatizar sua redação e criar editorias que o tornaram o maior e melhor impresso do Norte Fluminense. Perto de completar meio século de informação, a Folha marca de sucesso e qualidade vai ser mantida ainda por muitos anos. Vida longa aos seus diretores pela dedicação e a seriedade na condução da empresa, da qual me orgulho por ter passado dois longos períodos, nestes 35 anos de profissão.

Obrigado sempre, Folha!

 

Publicado hoje na Folha da Manhã.

 

“Babilônia” e o cinema adorado pelo avesso

 

Há filmes que são odes de amor ao cinema. Mesmo que pelo viés ácido da crítica, como no final das relações mais intensas entre sentimento e carne, ainda assim amor. “Te adorando pelo avesso”, como no verso de Chico Buarque em “Atrás da porta”.

É o caso de “Babilônia” (2022), vencedor de três estatuetas do Oscar, entregues mês passado: melhor trilha sonora original, figurino e direção de arte. Dirigido pelo roteirista e cineasta estadunidense Damien Chazelle, o mesmo do sucesso “La La Land” (2016), seu novo filme tem como chamarizes as estrelas Brad Pitt e Margot Robbie. E pode ser alugado pelos assinantes do canal de streaming Amazon Prime, como boa opção para o feriadão da Páscoa.

 

Wlliam Holden e Gloria Sawnson em “Crepúsculo dos deuses”, clássico do mestre Billy Wilder

 

ׅ“Babilônia” se arrisca ao contar uma história já imortalizada por clássicos talvez insuperáveis, dos quais Chazelle bebe assumidamente: “Crepúsculo dos deuses” (1950), de Billy Wilder; e “Cantando na chuva” (1952), de Stanley Donen e Gene Kelly. Tratam da passagem do cinema mudo ao falado, no final dos anos 1920. Que foi tão rápida, avassaladora e traumática quanto é a comunicação de massas com a redes sociais, nestes anos 2020.

 

Numa das cenas mais icônicas da história do cinema, Gene Kelly em “Cantando da chuva”

 

 

O CINEMA

A quem nasceu e viveu com o cinema falado, e supõe que o mundo e o cinema nasceram junto consigo, necessário o flashback. A primeira exibição de cinema, pelos irmãos Auguste e Louis Lumière, se deu na Paris de 1895. “A saída da fábrica Lumière em Lyon” era um documentário de curta-metragem, de 45 segundos. Mas foi nos EUA que a invenção, ainda muda, se popularizou.

 

 

Em 1903, a ficção “O grande roubo de trem”, de Edwin S. Porter, foi o primeiro grande sucesso de público do cinema. Que levou à abertura de salas de exibição em todo o país: os “nickelodeons”. O nome era referência ao preço do ingresso: 5 centavos de dólar, moeda cunhada em níquel.

 

 

Ainda sem som, que não dos pianos ao vivo nos nickelodeons, a novidade ganhou caráter industrial com a demanda de filmes o ano inteiro. Cuja produção passou a ser sediada no início dos anos 1910 em um distrito de Los Angeles, Hollywood. Tinha terra barata, tempo bom e condições de filmagem o ano inteiro. Diferente da já cara Nova York, com seu inverno rigoroso.

Com a participação na 1ª Guerra Mundial (1914/1918) na Europa, mais a pujança da sua economia, os EUA passaram de potência regional a mundial. E levaram junto seu cinema, já em escala industrial. Com base na divisão de tarefas entre especialistas em cada fase da produção. Na linha de montagem criada por Henry Ford para fabricar, baratear e popularizar automóveis.

 

Erguido nos anos 1920 no Monte Lee, ainda como Hollywoodland, o letreiro famoso do cinema era originalmente propaganda de loteamento de terrenos

 

Na sequência, os anos 1920 retratados em “Babilônia” seriam, segundo o crítico e historiador Arthur Soffiati, o auge do cinema. Porque foi quando este, ainda mudo, se afirmou como arte, sétima e última. Mesmo vista com desdém elitista pelas seis anteriores, por ser um fenômeno da cultura de massas. Que lhe conferiu um retorno pecuniário ainda desconhecido às artes.

A 5 centavos de dólar pago por cada um dos milhões de espectadores, os executivos dos estúdios e seus principais atores e diretores se tornaram milionários. Com uma vida suntuosa como a do rei Nabucodonosor e sua corte na Babilônia da Antiguidade.

Ditado pelas massas que pagavam ingresso, esse universo literalmente nababesco virou de ponta à cabeça em 6 de outubro de 1927. Com o imenso e imediato sucesso de “O cantor de jazz”, de Alan Crosland. Até hoje mais conhecido como “o primeiro filme falado” e estrelado pelo cantor Al Jolson, a fala mais famosa da sua personagem, Jakie Rabinowitz, nunca mais se calaria: “Espere um minuto, espere um minuto. Você ainda não ouviu nada”.

 

Consiserado o primeiro filme falado, “O cantor de jazz” foi um sucesso de público imenso e imediato em 1927, a despeito de trazer o branco Al Jolson com o rosto pintado de negro, o que era comum à época e hoje é condenado como racista

 

 

O FILME

Junto com Leonardo DiCaprio, Brad Pitt e Margot Robbie já haviam estrelado outra ode de amor ao cinema, “Era uma vez em… Hollywood”, de Quentin Tarantino

Nos últimos dias do cinema mudo, ao som do jazz e antes de “O cantor de jazz”, “Babilônia” traz o galã e a musa do cinema dos anos 2020 como um galã (Jack Conrad) e uma musa (Nellie LaRoy) do cinema dos anos 1920. Sem coincidência e com spoiler, as personagens de Brad Pitt e Margot Robbie não têm relação carnal em “Babilônia”. Como em outra ode de amor recente ao cinema que os dois estrelaram: “Era uma vez em… Hollywood” (2019), de Quentin Tarantino.

Se não entre si, Conrad/Pitt e LaRoy/Robbie não economizam na penca de relacionamentos com outros. O primeiro, com vários casos, noivas e esposas. Que se sucedem como a clássica animação Tom & Jerry: de maneira acelerada e sempre com o mesmo fim.

A protagonista feminina não fica atrás, mas tem duas relações mais marcantes. Ainda como aspirante a atriz, em meio a uma orgia da Hollywood/Babilônia, a primeira é ironicamente platônica. Com o ainda aspirante mexicano a produtor Manoel “Manny” Torres, na pele de Diego Calva. Que é o protagonista, de fato, do filme. A outra, já após o estrelato, é lésbica. Com a cantora chinesa Lady Fay Zhu (Ji Jun Li), que faz legendas para filmes mudos.

A aparente contradição entre arte e pop é explorada pelo diretor e roteirista no tenso diálogo de Conrad/Pitt com uma de suas esposas, a atriz de teatro Estelle Conrad (Katherine Waterston). Com soberba, ela tenta ensiná-lo como colocar suas falas nos filmes. Enquanto a tragédia anunciada com o produtor e amigo George Munn (Lukas Hass), em seu romantismo incurável, representa tudo que não tinha mais volta após a estreia de “O cantor de jazz”.

Protagonista de “O cantor de jazz”, o exemplo real de Jolson, imigrante judeu nascido na Lituânia, é retratado em “Babilônia”. Noves fora o significado de depravação moral que a Bíblia confere à cidade homônima da antiga Mesopotâmia (atual Iraque), pela Babel étnica da qual Hollywood é fruto.

Iluminadas parcialmente pela luz da projeção e hipnotizadas por seu reflexo na tela, as faces brancas, pretas, latinas e orientais do público do cinema, ao final de “Babilônia”, é o retrato do sucesso. Como no slogan do cigarro Hollywood nos anos 1980. Banido pelo mesmo “politicamente correto” que hoje cobra diversidade.

 

A METALINGUAGEM

Um dos pontos mais polêmicos de “O cantor de jazz” é o fato de que o branco Jolson pinta o rosto de negro para se apresentar no palco. Comum nos anos 1920 e hoje amplamente condenada como prática racista, é o blackface que o produtor mexicano Manny Torres impõe em “Babilônia” ao trompetista negro Sidney Palmer (Jovan Adepo).

Com seus anacronismos dos anos 1920, “O cantor de jazz” tornou o cinema mudo anacrônico da noite para o dia. É o beco sem saída contra o qual batem de cara as personagens de “Babilônia”. Assim como em “Cantando na chuva”, não por acaso exibido na tela de cinema como epílogo do filme mais recente.

Quem não se adaptou virou um dos “bonecos de cera” retratado em “Crepúsculo dos deuses”. Cuja protagonista, a então esquecida estrela do cinema mudo Gloria Swanson, brilhante ao se interpretar na personagem Norman Desmond, também não surge ao acaso em “Babilônia”.

Em diálogo por telefone, Swanson tenta cavar um papel com o Conrad de Pitt. É um pouco depois deste cair bêbado da varanda à piscina da sua mansão. Onde boia por instantes como o Joe Gillis interpretado por William Holden, “Brás Cubas” do clássico de Billy Wilder.

 

Referência para o Jack Conrad de Brad Pitt em “Babilônia”, o Joe Gillis interpretado por William Holden em “Crespúsculo dos deuses” está para a narrativa de Billy Wilder como Brás Cubas para a de Machado de Assis

 

Sessenta e cinco anos após o sucesso de “O cantor de jazz” ferir de morte o cinema mudo, Quentin Tarantino revolucionaria o falado. Foi logo em seu filme de estreia, “Cães de Aluguel”, de 1992. Onde dialogou com tudo que veio antes para produzir algo absolutamente original.

 

Com “Cães de aluguel”, de 1992, Quentin Tarantino provocou um impacto que o cinema só tinha sido sentido antes, no primeiro filme de um diretor, com Orson Welles e “Cidadão Kane”, em 1941

 

Também roteirista e produtor, Chazelle não tem e dificilmente terá essa mesma gravidade. Mas tem uma carreira original. Muito baseada no jazz, como mostrou desde “Whiplash: em busca da perfeição” (2014), antes da afluência dessa fonte em “La La Land” e “Babilônia”.

 

Em “Whitplash: em busca da perfeição”, Miles Teller e J. K. Simmons, em papel que lhe valeu o Oscar de coadjuvante em 2015

 

O elefante e o batismo do novo filme de Chazelle em “Bom dia, Babilônia” (1987), dos irmãos Taviani

No elefante real do começo do novo filme, antes de o paquiderme se revelar só um adereço à vertigem de sexo, drogas e jazz dos anos 1920, numa Hollywood muito antes do rock and roll, “Babilônia” evoca seu batismo em outra ode de amor ao cinema: “Bom dia, Babilônia” (1987), dos irmãos Vittorio e Paolo Tavianni. Que, por sua vez, é uma homenagem italiana ao cinema do seu primeiro grande mestre nos EUA, David W. Griffith.

A exemplo de Tarantino, Chazelle usou e abusou da metalinguagem em “Babilônia”. Mergulhou até “Intolerância” (1916), de Griffith, para emergir com seu cinema sobre cinema. Com o snorkel natural de suas trombras, elefantes são excelentes nadadores.

 

“Intolerância” (1916), sua Babilônia e seus elefantes, de David W. Griffith, primeiro grande mestre do cinema dos EUA

 

 

O SALDO E O SAMBA

Pela poderosa atuação de Margot Robbie, como a inevitável identificação de Brad Pitt com quem interpreta, dá para não conhecer cinema e gostar de “Babilônia”. Como saber um pouco mais dos EUA e do mundo naqueles “loucos” anos 1920, sem nunca ter lido F. Scott Fitzgerald ou Ernest Hemingway. Só não dá para mergulhar. Nem reconhecer o fundo. Pelo avesso.

Como o carioca Noel Rosa cantaria em 1933, logo ao primeiro verso do samba “Não tem tradução”: “O cinema falado é o grande culpado da transformação”.

 

 

Abaixo, o trailer de “Babilônia”:

 

 

Lula e a diversidade de um homem branco por outro no STF

 

O artigo da Madeleine Lacsko no UOL é de ontem (6). Mas vale hoje, nesta Sexta-Feira Santa, quanto depois que o presidente Lula consumar a indicação do seu advogado pessoal, Cristiano Zanin, à vaga de Ricardo Lewandowski, velho companheiro de São Bernardo do Campo, ao Supremo Tribunal Federal (STF). Quando um homem branco sucederá um homem branco na mais alta Corte do país, que tem duas mulheres e nenhum negro entre os 11 ministros.

Agudo como adaga, o texto da craque Lacsko é antídoto ao capachismo de político. Imuniza tanto às paquitas que ainda se prestam a defender um contrabandista internacional de joias, quanto à hipocrisia de boa parte da nossa intrépida esquerda identitária:

 

Cristiano Zanin, próximo ministro do STF, e seu cliente, o presidente Lula (Foto: Ricardo Stuckert/Divulgação PT)

 

Madeleine Lacsko, jornalista e escritora

Diversidade era para valer ou teremos mais um homem branco no STF?

Por Madeleine Lacsko

 

O presidente Lula não se comprometeu a indicar uma mulher, um negro ou a primeira mulher negra para o Supremo Tribunal Federal. Eu, pessoalmente, não entendo que esse método seja inclusivo.

Concordo com o líder do governo no Senado, Randolfe Rodrigues, que analisa a questão menos pelos símbolos e mais pela prática. Na prática, promovemos inclusão se a visão de mundo do escolhido for inclusiva. Ele pode ser de uma minoria e contra a inclusão, isso existe.

A escolha de mulheres e negros para posições de destaque não garante inclusão de mulheres e negros, é mais simbólica do que prática. Não faltam exemplos recentes que não nos deixam mentir.

Eu não vou questionar que o presidente Lula escolha para o STF seu advogado pessoal, que lhe tirou da cadeia e está relacionado à narrativa enganosa de que não houve corrupção nos governos petistas. Confundir os exageros da Lava Jato com a existência de corrupção foi uma jogada de mestre. Para paquitas de político, pouco importa que muita gente tenha devolvido milhões ao governo e dito que foi fruto de corrupção.

Mesmo assim, não questiono o presidente. Se ele manda essa e ainda tem gente que se agacha, numa olimpíada nacional de capachismo, tem mesmo de seguir em frente. Eu faria. Se Bolsonaro indicasse Frederick Wassef e a reação fosse a mesma, ele teria feito. Enquanto houver otário, malandro não morre de fome.

Antes que alguma paquita de político – bolsomínion ou luloafetiva – lance a carta mágica da “falsa simetria”, eu sei que Zanin e Wassef são diferentes. Também sei que Bolsonaro e Lula são diferentes. Igual seria a ação de indicar o advogado que defende criminalmente o presidente.

A imagem do STF foi monumentalmente abalada nos anos de bolsonarismo. Toda espécie de jogo sórdido de desinformação foi feita para levar a crer que a Suprema Corte era um puxadinho do petismo, agia apenas politicamente, se submetia a Lula e, sobretudo, perseguia Bolsonaro e os bolsonaristas. É uma narrativa que colou para muita gente, principalmente entre quem não faz ideia do que é ou como funciona o STF.

Agora o STF começa a tentar reverter essa crise de imagem e se aproximar do cidadão. Bem no meio disso, Lula pensa em mandar para lá, para ser integrante da Corte, seu advogado pessoal. Quem já via o STF como puxadinho do petismo vai se aferrar à posição e, se bobear, convencer quem não pensava isso mas também não sabe como o STF funciona.

Os Três Poderes funcionam num sistema de freios e contrapesos. Acirrar a opinião pública contra o STF deixa o Judiciário mais fraco. Isso é bom para o presidente da República, o contrapeso fica mais leve e ele mais livre e poderoso. Só que é excelente também para nossos probos políticos que circulam tanto no Congresso Nacional quanto nas páginas policiais, muitos deles réus no STF.

Compreendo a manobra política, mas agora temos algo importante a tratar. Diversidade e inclusão não podem ser perfumaria, discurso para dar dinheiro a influencer ou sinalizar vitude. Tem de ser algo sério e definitivamente não está sendo tratado dessa forma.

Quando interessa bater em adversários, perseguir críticos ou sinalizar virtude, se adota o discurso de que colocar mulheres e negros em posições de destaque é a coisa mais importante do mundo. A reação contra qualquer questionamento é implacável. Mas, quando interessa atender a vontade de Lula, esse axioma é relativizado.

Quando as ações seguem esse padrão, fica claríssimo que inclusão e diversidade não são a coisa mais importante. A prioridade é usar esse discurso para ações de marketing. É a era do justiceiro social do tipo Justo Veríssimo.

 

Definidos os 17 vereadores para aprovar contas de Rafael

 

(Montagem: Eliabe de Souza, o Cássio Jr.)

 

Como este blog adiantou desde o início da madrugada, as contas do ex-prefeito Rafael Diniz (Cidadania), relativas a 2020, devem ser votadas e aprovadas daqui a pouco, na sessão da Câmara Municipal. Como o parecer do Tribunal de Contas do Estado (TCE) foi pela reprovação, são necessários 2/3 do Legislativo, ou 17 votos, para aprovação. Serão 10 votos do grupo dos Bacellar e sete dos governistas. Votarão a favor:

No grupo dos Bacellar:

1 – Marquinho Bacellar (SD)

2 – Helinho Nahim (Agir)

3 – Fred Machado (Cidadania)

4 – Raphael Thuin (PTB)

5 – Bruno Vianna (PSD)

6 – Igor Pereira (SD)

7 – Marquinho do Transporte (PDT)

8 – Rogério Matoso (União)

9 – Dandinho Rio Preto (PSD)

10 – Luciano Rio Lu (PDT)

 

E no grupo do governo:

11 – Juninho Virgílio (União)

12 – Edson Batista (Podemos)

13 – Abdu Neme (Avante)

14 – Fred Rangel (PSD)

15 – Paulo Arates (PDT)

16- Bruno Pezão (PL)

17 – Nilso Cardoso (União)