Paula Vigneron — 23

Paula Vigneron, Paulo Victor Crespo, João Paulo Crespo e Marilúcia Souza (Foto: arquivo pessoal)
Paula Vigneron, Paulo Victor Crespo, João Paulo Crespo e Marilúcia Souza (Foto: arquivo pessoal)

 

 

Era uma quinta-feira. Dezesseis de junho de 2016. Vinte e três anos antes, a família comemorava o nascimento de uma menina. Branca. Excessivamente branca, para desgosto da mãe morena. A mulher contava que a criança era tão bonita que encantou a médica. A profissional a apresentou à mãe horas depois do nascimento, quando esta se assustou com a cor inesperada.

Naquela noite, o pai foi para a casa de sua tia, tia-avó da bebê, para compartilhar a alegria do segundo filho. O primogênito tinha seis anos e, ao conhecer a irmã, exclamou: “mãe, a sua filha é linda”. O homem estava contente com a nova cria. Falava sobre ela. Tinha orgulho da menina branca e bonita que a esposa acabara de entregar ao mundo. Todos comemoravam a vida dela, que se tornou uma criança alegre e séria, uma adolescente emburrada e uma adulta tida como forte. As graças futuras renderam risadas aos parentes.

Vinte e três anos se passaram. No dia de seu aniversário, acordou satisfeita. Gostava, nesses momentos, de ver o tempo passar. Tinha um dia de trabalho pela frente e uma noite para festejar com os que lhe eram caros. Durante o dia, recebeu uma ligação. Era a tia-avó, uma mulher sincera e de personalidade marcante a quem ela admirava e amava.

Após os desejos de feliz aniversário, saúde e paz, conversaram um pouco antes do término da ligação:

— Você é minha sobrinha favorita. Minha casa sempre estará aberta para você.

— Que honra, tia! Fico muito feliz por saber disso.

Meses antes, a aniversariante havia lançado um livro de contos. A tia compareceu, parabenizou e, tempos depois, comentou com a sobrinha sobre a obra, da qual gostou.

— Até que você dá para escritora — e ambas riram. Havia afinidade, carinho e respeito na relação. Elas conversavam sobre diversos temas: de política ao cotidiano, passando por casos de família e rotina profissional. Mais do que tia e sobrinha, eram amigas.

No dia dos 23 anos, ela comemorou com amigos e família. Mas a data foi marcada pelas palavras sinceramente carinhosas da tia-avó, que também é a sua favorita.

 

Ocinei Trindade — Os governantes já condenados pela opinião pública

Ocinei 22-11-16 (1)

Ocinei 22-11-16 (2)

      Milagres, dizem, acontecem.  Alguns chegam a surpreender. Em uma mesma semana, dois ex-governadores do Rio de Janeiro foram presos por crimes relacionados à esquemas de corrupção, suborno ou propina. Anthony Garotinho é acusado de comprar votos através do cheque-cidadão, programa assistencial do governo de sua mulher, Rosinha Matheus.  Já Sérgio Cabral é o novo indiciado da operação Lava-Jato, acusado de desviar dinheiro público, cobrança de propinas em obras públicas superfaturadas, enriquecimento ilícito. Os dois inimigos políticos foram parar no complexo penitenciário de Bangu. Com medo, Garotinho esperneou, alegando que seria morto por traficantes na cadeia. Surgiu um infarto, manobras judiciais, internação em hospital particular, cateterismo e, sabe-se lá o que mais virá depois. Cabral ainda está preso. Mas, por quanto tempo?

 

       Dizem que o Brasil está mudando. Será que os políticos desonestos estão com dias contados? Infelizmente, ainda não. Para termos políticos que não dão golpes financeiros se apropriando do dinheiro público, é necessário que nós, cidadãos e eleitores, façamos o mesmo. A democracia brasileira é tão jovem e frágil. No país dos golpes, quase tudo de ruim é possível acontecer. Os episódios envolvendo os dois políticos e suas famílias que há tempos se relacionam com gente poderosa e influente de diversos setores, parecem cenas de uma série de televisão, onde dinheiro, poder e traição são o fio condutor da narrativa. Há muita violência e ameaças no roteiro, nem todas explícitas. Entretanto, há também muito humor e sadismo com os dois acontecimentos. A população e os adversários dos dois ex-governadores demonstraram regozijo nas manifestações públicas e nas mídias sociais. Muitos desejam o pior em termos de castigo para Garotinho e Cabral. E você?

 

        O Rio de Janeiro virou um estado assombrado por dívidas, muita violência banalizada, corrupção e dois ex-governadores presos em Bangu. Dá para comemorar o que exatamente? Bem, somos um castelo em ruínas faz tempo, mas no país do carnaval, futebol e jogos olímpicos, impunidade e uma pausa para fotos e encenações diante de uma câmera e microfone ligados, a gente dá um jeito de fazer quase sempre. As cenas de Garotinho resistindo em sair do quarto do hospital, obrigado por policiais federais na transferência para o presídio; a gritaria de sua filha e sua esposa dizendo que ele estava doente e que não era bandido; depois, na entrada da ambulância, quando Garotinho deitado de olhos fechados resolve levantar-se como quem ressuscita do túmulo e ataca com fúria os seus algozes; e Clarissa e Rosinha dizendo que queriam ir juntas com ele, entraram para a história de 2016. Foi um momento patético, tragicômico e impagável. Campos também tem seu castelo abandonado e é uma terra da fantasia, ilusões e mentiras imperdoáveis. Mas, havendo arrependimento e confissões de políticos criminosos dá para perdoá-los e deixá-los livres? Há cadeia suficiente para todos os criminosos do Brasil? Em qual categoria de crimes estaremos enquadrados?

 

       Eu acho que posso me compadecer do ser humano Garotinho ou Cabral,  mas não sinto pena do político Garotinho ou Cabral acusados de crimes, e nem dos que cometem crimes premeditada e conscientemente. Há várias pessoas comovidas com a humilhação pública que os dois ex-governadores vêm passando. Dizem que brasileiro tem coração mole. Porém, a punição ainda nem começou, apenas há prisões preventivas. Sabe-se lá o que os advogados e os tribunais tratarão para livrá-los de julgamento e condenação na cadeia. Em outra época, a solução seria mais radical com o uso da guilhotina em praça pública. Houve, ainda, a utilização de cavalos amarrados em pernas, braços e pescoço do criminoso, cada um disparando em direções distintas dilacerando o corpo do condenado como forma exemplar de punição. Eram práticas comuns, e se eram injustas e bárbaras, cada juiz ou vítima poderá avaliar e discordar. Vigiar e Punir, livro de Michel Foucault para os ex-governadores do Rio seria uma dica de presente natalino e de leitura nestes dias de condenação, quem sabe. É mais brando que guilhotina e cavalos furiosos estraçalhando os condenados, sem dúvida.  Abandonarem a política voluntariamente, seria um milagre e tanto.

 

    Refletindo com o escritor  Machado de Assis e comparando um de seus  textos com as prisões de nossos ex-governadores Sérgio Cabral e Anthony Garotinho, além da sanha dos que se deliciaram com suas humilhações em público transmitidas por todas as mídias, e ainda sobre aqueles que os apoiam e os defendem, fico analisando sobre o que escreveu o bruxo do Cosme Velho: “Imagino que o pior que há na necessidade não é a privação de alguns apetites ou desejos, de sua natureza transitórios, porém essa escravidão moral, que submete o homem aos outros homens”. Postei esta reflexão em minha conta no Facebook, e que contou com alguns comentários como este de Gustavo Oviedo: “Há uma outra escravidão moral, aquela que coloca o cidadão comum em desigualdade econômica e legal em relação aos políticos. Talvez por isso se comemore a prisão de um poderoso. Ainda mais quando, como comprovamos hoje no caso de Garotinho, eles contam com a rápida assistência de desembargadores e ministros”.

 

      Em um diálogo com Gustavo Oviedo que se tornou público, cheguei à seguinte constatação: “Dizem que não há pena de morte no Brasil, mas todas essas canalhices dos políticos com o dinheiro público, seus desvios e mentiras já nos penalizam, os cidadãos comuns e sem dinheiro. Temos sido condenados e sentenciados e executados por gente assim em todas as esferas de poder”. Ainda acho que todas as acusações que envolvem políticos brasileiros parecem tramas de ficção, mas não são. A realidade é tão chocante que soa inverossímil. Ainda acho que Garotinho se tornou um personagem que beira à ficção. Dramaturgia não lhe falta nestes tempos de novos escândalos envolvendo o seu nome e de sua família. Mais discreto, Cabral ainda não teve chance de se pronunciar, mas ele também merece ser caricaturado.  Se a realidade política inspira a ficção cinematográfica e televisiva, temos acompanhado ultimamente uma modalidade peculiar de reality show envolvendo governantes e parlamentares, advogados, juízes e promotores, além de ministros dos tribunais superiores. É a espetacularização do que há de pior nos seres humanos que roubam, matam, mentem e se vingam como se não houvesse amanhã. Mas, dizem, há milagres legais até para punir e eliminar políticos inescrupulosos de nossas vidas.  Oremos, pois.

 

       Dependemos dos homens sempre, sejam nos governos, parlamentos ou nas instâncias judiciais. Pesam sobre todos eles suspeitas de corrupção e descumprimento de leis que só existem para proteger a sociedade da barbárie e do individualismo ameaçador. Dentro dos sistemas corrompidos ou comprometidos, há ainda homens que lutam pela ordem, pela justiça social e pelo equilíbrio de convívio na sociedade. Sabemos que os políticos brasileiros têm se mobilizado contra juízes e promotores acusando-os de abuso de autoridade ou arbitrariedade. Haveria razões? Estamos em guerra, faz tempo. Trata-se de uma guerra do “salve-se quem puder”. Não deixa de ser significativo na semana em que se comemorou 127 anos de República (mas que ninguém se lembrou, a não ser do feriadão de 15 de novembro), valores republicanos sendo praticados com a prisão do ex-governadores Garotinho e Cabral. Se eles serão condenados ou não pela justiça do país, uma coisa é certa: eles e outros políticos já estão condenados pela opinião pública. 

 

     Semanas antes, nas eleições municipais, a enorme quantidade de votos brancos, nulos e abstenções já demonstra o quão insatisfeita está a população, principal responsável em manter ou não os políticos no poder. Estamos mudando? Há alguma esperança para o Brasil que é potência econômica mundial se tornar de fato um país de potência em dignidade humana? O voto é importante, mas não resolve tudo. Se não houver entendimento coletivo sobre nossos deveres e direitos, pressionar e denunciar os políticos ruins, o atraso social  só vai se arrastar. Mudar é preciso, sem dúvida, a começar por cada um de nós sobre o que é corrupção (não somos santos e honestos tanto o quanto queremos que os políticos sejam). No reality show envolvendo Garotinho, Cabral, Rosinha, Lula, Pezão e todos os políticos incriminados por algum motivo, há ainda muitos episódios eletrizantes para serem assistidos pelo público. Difícil é escolher quem é o pior perdedor, além do povo brasileiro.

Transição: governo Rafael pede suspensão de mais terceirizações

Atual procurador Matheus José cumprimenta quem vai substituí-lo no governo Rafael, José Paes (Foto: Divulgação)
Atual procurador Matheus José cumprimenta quem vai substituí-lo no governo Rafael, José Paes (Foto: Divulgação)

 

 

Acabou há poucos minutos a segunda reunião de transição entre os governos Rosinha Garotinho (PR) e Rafael Diniz (PPS). Em outro encontro tranquilo, sem a presença de Rosinha ou do seu marido, Anthony Garotinho (PR), exonerado (aqui) da secretaria de Governo, o momento mais importante foi o pedido, feito pelo futuro procurador José Paes Neto, para que os rosáceos suspendessem quatro licitações das terceirizações publicadas no jornal carioca “Extra” e relevadas (aqui) pelo blog “Ponto de vista”, do Chistiano Abreu Barbosa.

Confira na reprodução abaixo:

 

(Reprodução da publicação das licitações de mais terceirizações, fetas pelo governo Rosinha, no jornal “Extra”)
(Reprodução da publicação das licitações de mais terceirizações, fetas pelo governo Rosinha, no jornal “Extra”)

 

Como resposta, ficou acordada uma outra reunião tratar tratar especificamente do assunto, provavelmente já amanhã, entre integrantes do governo Rosinha com o coordenador de transição Felipe Quintanilha (Controle Orçamentário e Auditoria). Do governo que se despede do poder, após oito anos, a partir de 1º de janeiro de 2017, participaram do encontro de hoje o procurador Matheus José e os secretários Roberto Landes (Fazenda), Frederico Rangel (Educação), Fábio Ribeiro (Gestão de Pessoas e Contratos) e Edilson Peixoto (Infraestrutura e Mobilidade Urbana).

 

Leia a cobertura completa da segunda reunião de transição na edição de amanhã (22) da Folha

 

 

Equipe de Rafael Diniz espera para segunda reunião de transição

Primeiar reunião de transição, comandada por Rafael, no último dia 8 (foto de Rodrigo Silveira - Folha da Manhã)
Primeiar reunião de transição, comandada por Rafael, no último dia 8 (foto de Rodrigo Silveira – Folha da Manhã)

 

 

Após mais um adiamento (aqui), está tudo pronto para começar na sede da Prefeitura mais uma reunião de transição entre os governos Rosinha Garotinho (PR) e Rafael Diniz (PPS). Deste, estão presentes e aguardando a equipe rosácea o futuro procurador geral do município, José Paes Neto, mais os coordenadores da transição do novo governo Leonardo Wigand (Fazenda), Felipe Quintanilha (Controle Orçamentário e Auditoria), Brand Arenari (Educação), André Oliveira (Gestão de Pessoas e Contratos) e Alexandre Bastos (Chefia de Gabinete).

Dessa vez, por compromissos anteriormente assumidos, não participam a futura secretária de Saúde Fabiana Catalani, o coordenador da transição Fábio Bastos (Governo) e o próprio prefeito eleito Rafael Diniz, presente na reunião anterior, realizada (aqui) do último dia 8.

 

Mais informações em instantes

 

Fabio Bottrel — Navio Brasileiro

 

Sugestão para escutar enquanto lê: José Siqueira – Oração aos Orixás

 

 

 

 

“Navio Negreiro” (1830), de Johann Moritz Rugendas
“Navio Negreiro” (1830), de Johann Moritz Rugendas

 

 

Porto de Luanda
Angola, 1648

 

— Ndunduma, olhe pra frente!

— Pai, essas correntes me ferem.

Meu pai seguia atrás de mim com as correntes que nos uniam a centenas de outros da nossa tribo caminhando para entrar num navio chamado tumbeiro, hoje sei, era um navio negreiro. Sentia o cheiro de sangue seco brilhando nas peles marcadas pra longe do aconchego que só a nossa terra poderia nos dar, era desesperador não saber pra onde ir, era desesperador saber que a morte era melhor que prosseguir. Estava um tumulto muito grande próximo ao navio grande como eu nunca houvera visto nada igual, fiquei a imaginar como surgia aquilo que via. Os homens no entorno nos batiam sem motivo, vi muitos amigos caindo de cansaço e dores dos ossos quebrados sem entender por que os orixás calados os haviam abandonados de braços atados. Quando subimos no navio recebemos baldes de água na cabeça enquanto passavam algo que espumava em nossa pele, alguns mais bravios se tornavam arredios e apanhavam muito, às vezes perdiam os dentes ou os dedos das mãos. Logo após puxavam as correntes nos levando para um buraco no meio do navio onde tinham várias tábuas como prateleiras muito próximas umas das outras… mais uma vez foi desesperador quando começaram a nos colocar deitados naqueles buracosentre as tábuas espremidos um ao lado do outro a ponto de nem mesmo conseguirmos nos mexer, como se fôssemos mercadoria, até mesmo respirar era difícil, e a todo momento eu pensava que a prateleira de cima cairia sobre nós com todos que estavam deitados ali. Haviam muitos gritos, muita confusão, as prateleiras em pouco tempo se mancharam de sangue e quando os homens brancos que falavam uma língua desconhecida a nós voltaram para cima do navio, o silêncio veio, todos quietos, estávamos apavorados, em pouco tempo comecei a escutar os golfos das respirações desnortear e alguns choros logo se tornaram livres, as lágrimas começaram a limpar as manchas de sangue que umedeciam a prateleira de cima a ponto de pingar sobre a minha face, é dura a vida dos que entraram num beco sem saída.

Ali permanecemos durante muitos dias, alguns não aguentavam a imobilidade e acabavam se debatendo até enlouquecerem e machucavam os acorrentados ao lado. Comíamos muito pouco, às vezes comíamos pasta de alguma coisa uma vez de dois em dois dias, muitos sentiam fome e fraqueza, mas eu não sentia, em pouco tempo percebemos que meu corpo era diferente, eu não enfraquecia, mal emagrecia. Enquanto enfrentávamos tempestades no mar, alguns nauseavam com o balanço das ondas e vomitavam em quem estava ao lado ou em si próprio, demorava muitos dias para o cheiro sair e o vômito secar. Vi algumas mulheres parirem ali mesmo e padecerem sobre os filhos que seriam jogados ao mar para o oceano abraçar e cuidar, não conseguia me mexer, mas conseguia escutar algumas mulheres da minha tribo sendo estupradas por aqueles que nos colocaram ali, rangiam feito cachorros e ofegavam feito ratos, era um povo nascido da maldade. Fazíamos nossas necessidades onde estávamos e o odor das fezes e urinas às vezes se tornava tão forte que alguns desmaiavam, outros desesperavam e enlouqueciam também.

Passamos 43 dias assim, havíamos conhecido o pior do ser humano, mas tínhamos mais a descobrir quando chegamos a costa do Brasil. Recebemos mais baldes de água e de novo as espumas voltaram para o nosso corpo. Muitos não conseguiam ficar em pé, diante da fraqueza e após tanto tempo deitado parece que as pernas se esqueceram para que servem ou morreram antes do corpo falecer. Eu consegui me levantar sem dificuldade e minha vitalidade logo conquistou a admiração dos nossos malfeitores, fui colocado como prêmio, virei mercadoria a ser vendida a preço caro. Enquanto as lágrimas escorriam em silêncio sobre a minha face me despedi de meu pai e sobre açoites fui sofrer num engenho de cana-de-açúcar na capitania de São Tomé.

A vida era dura e por anos a fio sofri o frio e o suor sangrento do meu corpo sob o sol a dilacerar minhas costas quando meu corpo ainda era de uma criança. Eu ficava com todos num lugar muito ruim, não quanto o navio, mas era sujo e sem janela para vento, às vezes ficávamos amarrados para não fugirmos, não raro as mulheres eram estupradas enquanto acorrentadas, mal dormiam e teriam de trabalhar cedo na lavoura, era a senzala. Quando fazíamos algo do desagrado dos malfeitores, nem mesmo entendíamos o que, e nossas unhas já eram arrancadas inteiras deixando a pele em carne viva, tão dolorosa a ponta de querermos tirar o dedo da mão. O mais comum era apanharmos acorrentados ao tronco enquanto um capataz açoitava nossa carne até dilacerar, e quando rasgava a nossa carne colocavam pimenta e sal, o que fazia a vontade de morrer ser maior. Um grande amigo que fiz no engenho morreu no tronco, o que deixou o capitão muito bravo, pois ele havia lhe custado muito dinheiro, havia ordenado para que sofresse como se não pudesse mais viver após não ter alcançado a meta da colheita por três dias seguidos, mas o capataz acabou matando, hoje sei que meu amigo estava doente e por isso não conseguira suprir as expectativas do malfeitor. Chamavam-me de criança velha, enquanto todos envelheciam meu corpo muito lento se desenvolvia, enquanto alguns morriam com a pele enrugada, eu nem mesmo esticava a minha pele para me tornar homem grande.

Gerações de malfeitores e de escravos se foram e surgiram, eu ainda era jovem e me destacava no recinto, minha história era espalhada por todos os cantos, alguns acreditavam, muitos não. Quanto mais o tempo passava, mais eu me inteirava da região que me escravizava, procurava sempre uma maneira de me livrar daquela condição, sabia que não poderia contar nem mesmo com os povos escravizados, pois eram de tribos distintas e instigados a entrar em conflito uns com os outros a fim de evitar os riscos de fuga para os malfeitores. Mas uma coisa é certa, todos odiavam os capatazes e malfeitores, quando os índios goitacás invadiram a fazenda para tomar de volta o que lhes era por direito, não foi preciso muitos olhares um para o outro para perceberem a oportunidade, agarramos com os dentes e atacamos tão ferozes quanto os índios cabeludos e bravios dessa região. Matei todos os que marcaram o meu coração com ódio e dor todo esse tempo e senti um enorme alívio quando olhavam assustados para mim enquanto triturava suas partes com a pequena faca na minha mão. Os índios não nos atacaram, perceberam que estávamos do seu lado e partiram sem nenhum cumprimento após a batalha terminar, apenas um olhar firme antes de se embrenharem pela mata. Quando olhei em volta percebi todos sem saber o que fazer, ainda se inteirando da novidade, estávamos livres, nossos capatazes estavam mortos e naquele momento todos se tornaram um povo só. Eu era o mais conhecido, pelo tempo e pela história, liderei o grupo para longe dali, caminhamos um dia inteiro até chegar às montanhas, onde haviam muitas cachoeiras e matas, era um lugar fantástico. No cume da montanha montamos um quilombo disfarçado em seus entornos com folhas de bananeiras e árvores grossas para que ninguém nos achasse, lá de cima conseguíamos ver toda a região que se estendia numa imensa planície. Enquanto o tempo passava observávamos os índios bravios atacando todos que entravam em seu território e vibrávamos com cada vitória, logo tropas e mais tropas chegaram e quando chegaram os sete capitães os índios foram dizimados.

Mais de 100 anos haviam se passado desde o dia em que eu pisara naquela terra e meu corpo ainda continuava jovem, era nítido que algo acontecia comigo, eu não era como todos, meu corpo insistia em resistir, enquanto o tempo passava a população no quilombo aumentava, separamos as tarefas muito bem definidas até mesmo em guerreiros para o dia que suspeitava precisarmos usar, vivíamos bem até esse dia chegar. Enquanto um dos rapazes do quilombo caçava, alguns traficantes o seguiram para o nosso quilombo, lutamos como guerreiros fortes que somos e os expulsamos, com seus corpos adubamos a terra. Mas outros voltaram e nosso quilombo não resistiu, fomos capturados e me levaram para longe, preso a uma carroça fui para uma fazenda no Rio de Janeiro. Enquanto olhavam para o meu corpo e os meus dentes, me davam 20 e poucos anos, mal sabiam eu já passara dos 150 anos e já havia acumulado mais conhecimentos que todos eles juntos.

Anos de sofrimento me atordoaram a vida novamente, mas nada daquilo era novidade para mim, havia regalias, beirando os 200 anos havia tanto conhecimento e histórias para encantar as famílias de malfeitores que mal fazia trabalho braçal, me ensinaram a ler e a escrever. Com isso pude me inteirar dos assuntos dos senhores de terra, uma terra distante chamada Inglaterra pressionava os senhores daqui para nos soltar, eu estava com 206 anos quando soube de uma tal lei Eusébio de Queirós que proibia que trouxessem o meu povo para serem escravizados por essas bandas, mas continuavam a chegar por tráfico clandestino talvez em condições até piores das que eu cheguei nesse lugar. Dali em diante as coisas começaram a mudar, quando eu completei 227 anos foi assinada a Lei do Ventre Livre, onde vi os primeiros filhos negros ganharam a liberdade e logo depois a princesa Isabel sancionou a Lei Aurea, libertando todos nós.

Assim como formávamos os quilombos ocupamos os morros próximos d’onde houvesse trabalho, a vida era dura mesmo assim, éramos desprezados, maltratados e explorados. Fiz minha morada no Morro da Providência, que ao receber os soldados carentes de seus soldos da guerra de Canudos apelidaram o morro de favela, com referência ao Morro da Favela em Canudos, explicando que favela era uma planta que cobria todo o morro daquela região, logo percebi que os morros com os ex-escravos e gente pobre forçadas a morar longe dos centros passaram a se chamar favela. Mas não arredei o pé, tentei de boa-fé fazer com que essa gente mané entendesse o ser humano que és, pura ilusão meu irmão, gerações e gerações eu aqui lutando para quebrar nossos grilhões, essa gente nasce náufraga de-mente.

Eu já tinha quase trezentos anos quando vi as máquinas chegarem e os povos do campo migrarem para os nossos morros, mais gente pobre quem vem enganado dar errado na vida, mais gente que nasce pra sofrer as benesses que os ricos a de ter, pergunto a não sei mais qual natureza, divindade ou esperança depois de ter sido tão ludibriado até mesmo em religião, fé e crença, por que me deixaste tanto tempo nesse inferno e nem me dá um sinal de que um dia me levará? Via o cinismo nos olhos maldosos olhando para as minhas gerações que se renovavam nos morros ruidosos de corações injustiçados, minhas mãos ásperas passavam aos mais novos todos os sofrimentos que eles ainda hão de enfrentar.

Quase 400 anos depois ainda estou aqui, e do alto desse morro pergunto a mim se um dia sairei daqui, a luta é eterna.

 

Exames de Garotinho na UPA de Bangu sem nenhuma anormalidade

Se Anthony Garotinho (PR), beneficiado agora há pouco (aqui) com a permissão de ser transferido para um hospital particular e cumprir regime de prisão domiciliar, em mais uma decisão favorável (relembre aqui) da ministra Luciana Lóssio, do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), o argumento usado pela defesa do réu e endossado pela magistrada não corresponde à realidade apontada pelo laudo médico da Unidade de Pronto Atendimento (UPA) do Complexo Penitenciário de Bangu.

Após a nervosa transferência na noite de ontem, do Hospital Municipal Souza Aguiar, onde houve denúncia de regalias pelos próprios funcionários, os exames de controle de glicemia capilar e eletrocardiograma de Garotinho em Bangu “não apresentaram nenhuma anormalidade”. Também ao contrário das alegações da defesa e da família, bem como do entendimento da ministra do TSE, foi atestado: “a UPA Gericinó encontra-se em plenas condições de oferecer uma assistência adequada ao interno Anthony William Garotinho Matheus de Oliveira”.

Confira abaixo a íntegra do laudo assinado pela médica Joene Castro, coordenadora da UPA do Complexo Penitenciário de Bangu:

 

UPA Garotinho

 

Presidente do TCE, Jonas Lopes acusado de cobrar propina do esquema de Cabral

Jonas Lopes de Carvalho foi apontado como negociador da cobrança de propina (Foto: Urbano Erbiste)
Jonas Lopes de Carvalho foi apontado como negociador da cobrança de propina (Foto: Urbano Erbiste)

 

 

A Operação Calicute terá desdobramentos no Superior Tribunal de Justiça (STJ), que tem a atribuição para processar e julgar integrantes de tribunais de contas. Delações de executivos da Andrade Gutierrez apontam o presidente do Tribunal de Contas do Estado (TCE), Jonas Lopes de Carvalho, como um dos favorecidos pelo esquema de pagamentos paralelos nas grandes obras do governo fluminense. Um dos operadores investigados seria Jorge Luiz Mendes Pereira da Silva, o Doda, que teria a função de fazer a ligação do órgão com as empreiteiras.

Para não serem incomodadas pelo TCE, órgão encarregado da fiscalizar os gastos do governo fluminense, as empreiteiras pagavam uma caixinha de 1% do valor dos contratos, supostamente repartida entre conselheiros, afirmam os delatores da investigação. Um dos delatores, Ricardo Pernambuco Júnior, acionista da Carioca Engenharia, cujo conteúdo ainda não foi compartilhado com a força-tarefa da Lava-Jato no Rio, citou nominalmente o presidente do TCE como negociador direto do pagamento da propina. Jonas Lopes Carvalho teria cobrado cinco parcelas de R$ 200 mil da empreiteira.

Em nota, o TCE afirmou repudiar “as calúnias relativas à sua atuação, feitas por executivos em delações premiadas no âmbito da Operação Lava-Jato”. Segundo o tribunal, a Corte vem sendo alvo de “maldosas especulações, que foram repelidas administrativa e judicialmente”. E diz que “as empresas envolvidas na Operação Lava-Jato vêm sendo duramente incomodadas e penalizadas pelas decisões do plenário deste tribunal”.

 

Leia aqui a matéria completa de O Globo

 

Wladimir: “Jamais me envergonharei do meu PAI, do meu HERÓI”

Após um tempo de ausência da democracia irrefreável das redes sociais, Wladimir Garotinho (PR) voltou hoje a elas para postar um texto sobre a polêmica da nervosa transferência (aqui) do seu pai, Anthony Garotinho (PR), do Hospital Municipal Souza Aguiar  ao Complexo Penitenciário de Bangu. Acima de que qualquer manifestação política de revolta, regozijo ou indiferença, é o relato de um filho sobre um pai — e como tal merece o devido respeito.

Abaixo, a foto da postagem, feita aqui, e a transcrição do seu texto:

 

Wladimir e GarotinhoFaz tempo que tirei minha página social do ar, faz tempo que me cansei de ler tanta coisa inútil na internet.

Hoje venho aqui como FILHO expressar meu coração partido, minha indignação, mais também a minha FÉ. Meu pai não é bandido, não está preso por roubo, desvio de dinheiro, contas no exterior ou qualquer absurdo como vemos acontecendo no país da Lava-Jato. A acusação contra ele, e até agora sem provas, é de distribuição ilegal de benefício social para pessoas pobres. Existem muitas situações obscuras ao longo dessa investigação, a verdade aparecerá.

As imagens, vídeos e áudios que estão sendo divulgados e tripudiados por muitos nas redes sociais, são de uma família aflita e em pânico ao ver o seu PAI e MARIDO sendo levado a força bruta para um presídio onde ele prendeu muitos dos bandidos que lá estão, sendo assim corre risco de morte. Além disso foi levado mesmo com recomendação médica contrária pelo estado de saúde debilitado.

Obrigado pelas mensagens e manifestações de carinho, até de pessoas que são politicamente contra.

A história política do Garotinho é pautada por lutas e embates polêmicos, sempre acumulou adversários fortes e poderosos por isso. Dessa vez passaram dos limites, existem pessoas, corações e vidas destroçadas por um ato arbitrário e covarde.

Jamais me envergonharei do meu PAI, do meu HERÓI.

Nossas cabeças estarão sempre erguidas, pois Deus conhece nossos corações.

Aos meu irmãos: NÃO DESTRUIRÃO NOSSA FAMÍLIA, ELA É PROJETO DE DEUS.

#forçapai #Deuséfiel

 

Atualização às 13h48: a reprodução da postagem de Wladimir já havia sido feita aqui, no “Blog do Ralfe Reis”, e aqui, no blog “Na curva do rio”