Ex-senadora por Alagoas, terceira candidata a presidente mais votada em 2006 e pré-candidata a deputada federal pelo Rio, Heloísa Helena é a convidada nesta quarta (20) do Folha no Ar, a partir das 7h da manhã, na Folha FM 98,3. Ela falará da sua trajetória do Senado pelo PT, a fundadora e presidenciável pelo Psol, para depois ajudar a fundar o Rede Sustentabilidade, do qual é porta-voz (presidente) nacional.
Heloísa falará também dos motivos da sua pré-candidatura a deputada federal pelo Estado do Rio. E tentará projetar as eleições de outubro a governador e presidente da República. Quem quiser participar ao vivo do Folha no Ar desta quarta pode fazê-lo com comentários em tempo real, no streaming do programa. Seu link será disponibilizado alguns minutos antes do início, na página da Folha FM 98,3 no Facebook.
Ex-deputado federal, ex-secretário estadual de Esportes e pré-candidato a deputado federal, Marco Antônio Cabral (MDB) é o convidado do Folha no Ar, a partir das 7h da manhã desta terça (19), na Folha FM 98,3. Ele falará das condenações na Justiça e do legado do pai, o ex-governador Sérgio Cabral. Analisará também o saldo do seu mandato de deputado federal (2015/2019) e a sua pré-candidatura para voltar ao cargo.
Por fim, Marco Antônio tentará projetar as eleições de outubro a governador do RJ e presidente da República. Quem quiser participar ao vivo do Folha no Ar desta terça pode fazê-lo com comentários em tempo real, no streaming do programa. Seu link será disponibilizado alguns minutos antes do início, na página da Folha FM 98,3 no Facebook.
Por fim, Edvar falará da posição do empresariado, em Campos, no Estado do Rio e no Brasil, diante das eleições a deputado, governador e presidente de outubro. Quem quiser participar ao vivo do Folha no Ar desta segunda pode fazê-lo com comentários em tempo real, no streaming do programa. Seu link será disponibilizado alguns minutos antes do início, na página da Folha FM 98,3 no Facebook.
Por Aluysio Abreu Barbosa, Arnaldo Neto, Cláudio Nogueira e Matheus Berriel
“De fato, já não é uma novela, é uma tragédia”. Foi assim que o historiador Marcelo Gantos, professor da Uenf, definiu a situação da Câmara Municipal de Campos, após anulação pela situação da eleição que deu a presidência da Casa à oposição. Que, em represália, passou a esvaziar as sessões legislativas, em atitude agora ameaçada com cassação de mandatos pela atual Mesa Diretora. Foi no programa Folha no Ar da manhã da última quinta (14), na Folha FM 98,3, quando também foram entrevistados os cientistas políticos Hamilton Garcia e Hugo Borsani, outros professores da Uenf, e George Gomes Coutinho, também sociólogo e professor da UFF-Campos. “É uma bomba atômica”, classificou George a ameaça do governo de cassação dos mandatos da oposição. “Está se olhando o umbigo nesse conflito”, advertiu Hugo. “Enquanto alguns legislativos locais (de Rio das Ostras e Macaé) conseguem dar à população mostras de responsabilidade social, de democracia, aqui (em Campos) a gente se perde no labirinto de luta pelo poder da máquina legislativa”, comparou Hamilton.
Os quatro professores também falaram sobre as eleições da Hungria, que manteve o ultradireitista Viktor Orbán como primeiro-ministro, e das eleições do dia 24 a presidente da França, no segundo turno entre o atual, o liberal Emmanuel Macron, e a extrema direta de Marine Le Pen. Os entrevistados começaram analisando a desconfiança sobre a democracia na América Latina. Sobre este tema, George, Hamilton, Hugo e Marcelo promovem o debate “A renovação chilena e os desafios da democracia na América Latina e no Brasil”. Que terá a participação especial também do historiador Alberto Aggio, professor da Universidade Estadual de São Paulo (Unesp), especialista em História da América Latina. Será a partir das 9h desta segunda (18), com transmissão ao vivo na Folha FM.
George Gomes Coutinho, Hamilton Garcia, Hugo Borsani e Marcelo Gantos (Montagem: Eliabe de Souza, o Cássio Jr.)
Folha da Manhã – Como analisa o crescimento na desconfiança sobre a democracia na América Latina?
George Gomes Coutinho – Acho que talvez possamos discutir essa questão fazendo um panorama geral e depois regionalizando, ou seja, trazendo para a América Latina. Acho que é mais ou menos consenso, seja no Atlântico Sul ou Norte, que nós temos um problema em torno da legitimidade de alguns princípios e valores da democracia representativa liberal. Acho que a questão pode ser resumida bastante nessa questão: o quanto os estados nacionais são capazes ou não de ofertar bem-estar às suas populações, respostas concretas de bem-estar das populações. Na medida em que há dificuldade de acesso ao mercado formal de trabalho ou um rebaixamento inclusive da massa salarial nesses países, você gera um problema de legitimidade do sistema político vigente. Acho que cabe a gente ficar atento a eventuais tentações autoritárias, sem dúvida alguma. Se você pegar as eleições recentes no Legislativo na Argentina; se você pegar o plebiscito apertado no Uruguai, recentíssimo; se pegar, por exemplo, a efervescência da disputa eleitoral no Brasil; está emergindo essa multiplicidade de interesses. O exemplo chileno é muito alvissareiro. Nós temos aí, talvez, possibilidades.
Hamilton Garcia – Nós não temos uma tradição democrática na América Latina. A modernização política no mundo ocidental deveu-se sobretudo às revoluções burguesas no Velho Continente. Foi um processo ao longo dos séculos, recriando os pactos sociais e políticos que constituíram o Ocidente. Nós somos um Ocidente onde tudo isso aconteceu como um processo de dominação colonial. E isso torna tudo bastante mais difícil. Nos aproxima muito da tradição russa, também forjada no despotismo. O elemento das populações fundidas nesse processo de constituição das nações latino-americanas se deu de maneira subordinada. A democracia na América Latina sempre foi marcada pela ojeriza das classes dominantes às diferenças étnicas na nossa formação econômica social, pelo temor de que esse processo de exploração desaguasse na subversão das relações de poder. A nossa modernização sempre foi marcada pelo medo do povo, pelo medo da participação popular. Nesse apartheid implícito, o nosso processo, dentro do Ocidente, foi periclitante. E é instável neste momento.
Hugo Borsani – Há vários indicadores sobre a democracia, e praticamente todos vão nessa direção da perda de confiança, mais autoritarismo, perda de direitos. Isso é mundial, não só na América Latina. Nos últimos dois anos, somente Uruguai e Chile melhoraram no índice. Na América Latina, todos (os demais) retrocederam. Um dos grandes problemas é a corrupção. E tradicionalmente há a fragmentação política, uma incapacidade de fazer acordos. Junto, se tem uma polarização muito grande, que é também reflexo da sociedade. Existe a questão do populismo, algo tradicional na América Latina, desde a extrema direita à extrema esquerda. Isso está, sem dúvida, afetando muito essa capacidade de resposta do sistema democrático representativo. Hoje em dia, você tem um desafio muito alto pela extrema direita, negando a divisão poderes, querendo fortalecer exclusivamente poderes presidenciais. É um momento de muita tensão, de muito conflito. É um desafio sério e é preciso encarar isso. Porém, eu vejo uma certa resiliência da democracia. Que não sabemos até quando irá se manter.
Marcelo Gantos – Experiências autoritárias muito fortes estão na lembrança e na experiência da população, muito frescas. Então, há um aprendizado democrático ainda em fase preliminar, frágil em termos de institucionalidade. A gente está vivenciando não só no território latino-americano, mas no mundo esse desgaste desse modelo republicano, democrático, que está erodindo até nos Estados Unidos. São fenômenos que não só atingem os países periféricos; são realidades que a gente está vivenciando como um problema que tem que a ver com outra dinâmica do mundo do trabalho, da globalização, do poder financeiro. Quando a gente fala da democracia, também fala de uma possibilidade concreta de participação, de discussão pública de agendas que se ampliaram dentro das nações latino-americanas. O caso da integração indígena na participação política é um ponto muito favorável que a gente hoje pode reconhecer na Bolívia, no Chile, na Argentina. Com todas as consequências negativas, ainda considero que estamos num momento crucial de afirmação democrática.
Folha – Como viu a reeleição no dia 3 do ultradireitista Viktor Orbán, aliado dos Bolsonaro, a primeiro-ministro da Hungria? E projeta o 2º turno do domingo do dia 24 a presidente da França, entre o liberal Emmanuel Macron e a extrema direita de Marine Le Pen?
George – Vou reiterar que a legitimidade do sistema precisa lidar com a entrega de resultados aos eleitores. Quando uma série de medidas não se traduzem em bem-estar, você gera a crise de legitimidade, que é algo, inclusive, cíclico. Você já viu essas crises de legitimidade da democracia no século XX: nos anos 1920 (o fascista Benito Mussolini chegou ao poder na Itália em 1922) e nos anos 1970 (crises do petróleo de 1973 e 1979) também. Nós estamos de novo numa crise de legitimidade, que é nítida nos discursos à esquerda e à direita, de um conjunto de medidas: aquilo que se compreende como um consenso liberal de gerência da sociedade. É algo que está por trás das medidas de austeridade que você vê emanadas de Bruxelas (capital da Bélgica e da União Europeia) para os diferentes estados nacionais, no caso europeu. No caso francês em particular, uma parte da esquerda vota na Le Pen, em protesto ao consenso gerencial que coloca a sociedade de joelhos, com prioridades de austeridade, e não entrega ganhos sociais, num momento de perda de qualidade até mesmo do trabalho formal.
Hamilton – A democracia dependeu da ascensão econômica da Europa. A chamada Pax Americana (Paz Americana, imposta pelos EUA) a partir da 2ª Guerra Mundial (1939/1945), baseado nessa prosperidade e na Guerra Fria (1947/1991), na ameaça soviética e no discurso dos partidos comunistas sobre as massas trabalhadoras na Europa, fizeram com que liberais e socialistas moderados acordassem um pacto de sustentabilidade da democracia. Não só baseada nas regras de mercado, mas também na proteção social. Com Margareth Thatcher (primeira-ministra britânica conservadora entre 1979 e 1990), o chamado neoliberalismo se impõe, com forte impacto social. Com essas massas populares empobrecidas, junta à leva de imigrantes, temos um quadro explosivo da Europa, onde essa direita tem condições de prosperar, diferente do fascismo, propondo a permanência de uma certa normalidade liberal. Eles se dizem iliberais, não antiliberais, inclusive falando em reindustrialização da Europa via protecionismo. Uma pauta antes exclusiva da esquerda agora faz parte da direita radical.
Hugo – A Hungria, para muitos analistas, não é considerada mais um estado democrático, não há uma efetiva separação de poderes. Algumas pesquisas independentes confirmam que na Rússia o Putin tem amplo apoio. Mas os opositores vão para prisão, são envenenados. Isso facilita a manipulação desde o poder para a opinião pública. A situação da França é completamente diferente, mas com risco parecido: a proximidade da Le Pen com Orbán, com dificuldade em condenar a invasão russa na Ucrânia. O que há é uma fragilização da ideia de diálogo, de negociação. Há a ideia de impor, dada a dificuldade dos resultados e da negociação. A democracia nunca foi investimento fácil. O mais fácil é o rolo compressor, resolver as coisas pela imposição. Apesar de os radicais se basearem no conceito de liberdade, eles são iliberais. Chegam no poder e querem barrar a possibilidade de discussão. Eu acho fundamental justamente o que estamos fazendo aqui. Os setores acadêmicos, da mídia, políticos, precisam entrar nesse debate. A questão do discurso é fundamental.
Marcelo – Enfrentamos um cenário singular, pela pandemia e o conflito na Ucrânia. Tenho tido oportunidade de estar com bastante frequência nestes últimos anos na Europa, sobretudo na parte mediterrânea (sul), e há um comprovado aumento da extrema direita. O que é bastante preocupante a essa ideia da Europa, com princípios democráticos que foram constituídos ao longo do tempo a partir da Revolução Francesa (1789) e se constituíram como valores sociais. O caso da França é talvez o mais pragmático. Os medos a partir de situações para nós distantes, como os problemas migratórios, evidenciam também uma desconfiança na ideia de uma Europa integrada. Isso gera um descontentamento que se atribui geralmente às formas de governo. Os ideais democráticos ao longo do século 20 estão em franca decadência. As formas tradicionais de organização de partidos também não representam os interesses, sobretudos dos jovens, que se voltam a propostas internacionalistas, ecológicas, ou decisões muito mais radicais em torno de nacionalismos essencialmente antidemocráticos.
Folha – Como enxerga a crise aberta na Câmara Municipal de Campos, com a ameaça governista de cassação dos parlamentares de oposição que não aceitam a anulação da sua vitória na eleição a presidente da Casa? É mais um confronto Garotinhos x Bacellar?
George – Estamos vendo o embate de elites políticas no nosso Legislativo, que, expressam interesses em um jogo local, mas também regional e estadual, na medida em que o próprio grupo Garotinho volta à cena eleitoral ao Governo do Estado. Há elementos jurídicos e institucionais que oferecem instrumentos para solução dessa crise, à medida em que há um regimento, há uma lei orgânica municipal. Cabe a aplicação dos mesmos. O direito à oposição deve ocorrer dentro desses marcos legais. A oposição, posteriormente, tomou decisões, inclusive de esvaziar a Câmara. Isso depois redundou numa abertura de cassação, que é uma bomba atômica. Você ia caçar uma parte expressiva, quase metade da Câmara de Campos. A própria base se colocou a rever essa decisão, teve consciência das consequências negativas. Agora cabe ao Legislativo local buscar soluções dentro dos marcos legais, que não produzam consequências piores do que as que já estamos vendo. Isso em uma cidade com mais de meio milhão de pessoas, muitas sem saneamento, sem acesso a direitos básicos.
Hamilton – Eleger a Mesa da Diretora da do Legislativo é coisa rotineira em qualquer instituição legislativa. Você não consegue eleger normalmente uma Mesa Diretora? Como assim? É um lugar que, como eles mesmo dizem, é a Casa do Povo. A ausência de regras, o vale-tudo demonstra o afastamento dessa responsabilidade social como Casa do Povo. Isso fica claro quando se fala só em grupos políticos, não em partidos políticos. Em Rio das Ostras, há uma importante ação de restauração ambiental, discutida com a sociedade, com os técnicos, as autoridades na Câmara. Em Macaé, o Legislativo tem observatórios, tem lugares de fala à sociedade civil organizada. Não estou falando de paraíso, lá tem todos os problemas daqui: compra de votos, política acirrada. Enquanto alguns legislativos locais conseguem dar à população mostras de responsabilidade social, de democracia, aqui a gente se perde no labirinto de luta pelo poder da máquina legislativa. Aí é que faz falta a ideia do controle social, para inibir, inclusive, esses ímpetos de privatização do espaço público legislativo.
Hugo – Estava longe de Campos, fui me informando mais recentemente dessa novela. Realmente, é algo difícil de compreender. Os efeitos são absolutamente negativos. Está se olhando o umbigo nesse conflito. O problema é a dificuldade em resolver, o tempo, o desgaste de energia, a paralisia do poder público. É muito problemática a situação em que se originou naquela sessão em que uma eleição foi anulada. Acabam surgindo novas situações de confusão. A aplicação da cassação à totalidade da oposição, através da resolução de três pessoas que estão à frente da (atual) Mesa da Câmara, seria politicamente inviável, geraria mais transtorno. É um problema que mostra a dificuldade da classe política de Campos em chegar a acordos, algo que a gente já falou. E há um distanciamento das preocupações reais. Obviamente, percebo que há rivalidade histórica de famílias que se alastra no tempo. Mas, tem também questão futura, do Governo do Estado, a influência, o apoio. Denota também falta de lideranças experimentadas na negociação política. Realmente, está lamentável.
Marcelo – De fato, já não é uma novela, é uma tragédia. Uma tragédia da democracia assistir a essas disputas anacrônicas. Lembro das análises de Hamilton, quando caracteriza trajetórias históricas da formação da semente política da região e atribui os traços do atraso dessas forças. É muito triste o quão longe essas disputas estão do interesse do cidadão comum. Isso é o mais grave. O que se vê é uma teatralização da política e um conjunto de cidadãos bestializados, que assistem a essa encenação da democracia. Quando nós analisamos a descrença que se instala na população e promove adesões a modelos autoritários, isso passa pelo descrédito dessas lideranças como modelos de vida política. Afeta a legitimidade da democracia levar tudo à esfera legal e jurídica, empobrece a capacidade de participação da cidadania. Estamos perante a um cenário lamentável para a sociedade campista. Mas é uma instância que pode também ser um aviso para que a classe média tome consciência do seu papel na participação ativa, a partir de uma regeneração do modelo democrático.
Edinalda Almeida, professora de Literatura, Língua Portuguesa e Língua Latina do Instituto Federal Fluminense (IFF), e membro da Academia Campista de Letras (ACL)
Por Edinalda Almeida
Março de 2022.
Descubro e entrego-me, neste verão queniano, em estado de intensa celebração sensorial, à leitura dos textos de Aluysio Abreu Barbosa, guardando total fidelidade à etimologia da palavra, nascida do Latim ‘intregare’ que significa restituir.
Lá fora, é veloz a rotação do moinho de acontecimentos que nos revira, da pandemia às crises na saúde, na política, na economia, à russo-ucraniana: ‘um terremoto geopolítico europeu revelador de subalternidades latino-americanas’.
Estou comovida no momento em que começo a escrever esta tão simples apresentação para os primorosos e sofisticados textos desse generoso poeta.
E agradecida. E feliz. E honrada. E… restituída.
Sim, a poesia de Aluysio restituiu minha calma. Leio, releio, navego em ‘fragata no espaço’, saboreio, quase respinga sal, espero a ‘virada do tempo’… Sim, impossível prosseguir nessa via, que, radicalizada, conduziria ao impasse total de um discurso na beira da não linguagem ou do silêncio absoluto.
Seus textos desconstroem, dialeticamente, a desconstrução, pela ‘erosão das construções’, reintegrando o signo à esfera da comunicabilidade. A preferência ostensiva pelo verso e estrofação livres revelam a extrema sensorialização — tátil, visual e olfativa — da realidade; a pulsação lírico-amorosa; e o tempero do humor, às vezes ácido; em outras, pura epifania…
Assim é em ‘barricada em kiev (ou aos especialistas em rússia)’, um tempo de contar, em que proclama a vocação agregadora da palavra poética, convidando a que todos — especialistas e não especialistas — nela se reconheçam. A densa e escura carga de sofrimento — tão Lispector! — encapsulada na barricada de livros, mote do texto, cede espaço à esperança de luz/lua que se reflete no engenhoso desenho oriental do seu ‘haicai do engenheiro’. O banquete é delicadamente servido aos nossos paladares que recusam o cansativo amargo de uma rotina de isolamento, como bichos que não aceitam a extinção. Nossa voluptuosa atmosfera dos trópicos encontra neste belíssimo hai cai a leitura do estio, de certa serena idade madura, cartografada por frestas de encantamento, dessas que anseiam por beber um pouco das paixões que nos consolam, se possível à luz da lua, entre casuarinas. É o poeta que nos oferece tamanhas delicadezas!
O viajante Ulisses Abreu, recolhido em sua pasárgada atafonense entre fragatas, ondas e nuvens, é escritor no conto, na crônica, no ensaio, no memorialismo, nos pedaços insubmissos do poema, fazendo às vezes confluírem no mesmo e esperançado texto a experiência social e a experiência sensual. Tem sabença reconhecida de que ‘carcará traduz matéria de ninho no bico operário’ e maneja com maestria a almajarra, ferramenta capaz da pulsão que move sua preciosa atafona de palavras e versos.
Sua poesia não tem lero lero. Sua ‘liturgia’ de escrever não é uma atividade fashion, um modismo que desfila pelas passarelas do Word. Seu texto não se furta à denúncia! Ao contrário, é o complemento necessário para o homem que vai ‘do batente pro batuque’, em sua altivez teimosa, inscrita num ethos do trabalho, uma ordenação de mundo, pois é nesse sentido que sua poesia revela o subjetivo como arma secreta e insuspeita do homem comum. ‘A gente não quer só comida’. Aluysio inscreve e escreve em seus textos a parede, a pedra, a paz, o pão, algo ao mesmo tempo imanente e transcendente, apto ao uso cotidiano e portador de verdade tão profunda. Sabe que ‘pequenos burgueses do teatro encarnado de gorki/ os especialistas em rússia que não leram dostoiévski/ morrerão sem sabê-la irmã karamasov da ucrânia’. Sabe das asperezas deste tempo de sertões, de astúcias e de tantas travessias e que, como alerta Guimarães Rosa, ‘Deus, mesmo, se vier, que venha armado’.
A clareza de seu texto extrai e expõe o evento diário e sua dimensão trágica, épica, triste. Como um lapidador, com meia dúzia de golpes precisos, confronta o urubu que bate asas para ajustar o resto do ano no ar, vendo de cima o horizonte, com a carniça que espreita, para se lambuzar no piquenique autorizado.
Os mesmos argumentos contra formalismos e avessos a instituições que permitiram a fascinação pelo fascismo no poder têm a capacidade de desmoralizá-lo, ‘agudos e necessários como um estilete pros dentes’. O mesmo ceticismo que recusa a política tende a recusar mitos.
Ah! São muitos Abreus em um só Aluysio!
Há um inquietante mistério em seu ofício, poeta! Arrisco: talvez o de sintetizar em poucos versos não uma engenharia de desdobramentos semióticos ou que tais, mas a vivência específica de algo com tamanha força, referências e consistência que parece se tornar memória pessoal.
É verdade que o que escrevo não importa. Importam os versos de Aluysio Abreu Barbosa. Que os leitores os recebam como uma contribuição vital para dignificação do homem e da palavra, como um corpus único de nossa língua. Que possam, de posse de seus textos, encostar a orelha na terra para escutar o mundo.
Então eu me calo para deixar falar a Poesia de um poeta que consegue dar às palavras tonalidades sem fim. Um poeta de gênio, nas infinitas faces de uma poesia porejante que envolve, cerca, enrosca, desata e arrasta em cada palavra uma espera.
Vai que o tempo vira…
Nascer do sol de 23 de março de 2022, diante das ruínas da antiga Caixa d’Água de Atafona (Foto: Aluysio Abreu Barbosa)
TRÊS POEMAS DE ALUYSIO ABREU BARBOSA:
barricada em kiev
(ou aos especialistas em rússia)
pequenos burgueses do teatro encarnado de gorki
os especialistas em rússia que não leram dostoiévski
morrerão sem sabê-la irmã karamasov da ucrânia
sob as pedras de caim no holodomor e chernobyl
guerra e paz de tolstói para correr com napoleão
tchuikov a sangrar hitler de stalingrado a berlim
nestes tempos de vladimir, não maiakóvski, o putin
a nuvem de calças é a fumaça dos mísseis sobre civis
sem braguilha, cessar-fogo ou corredor humanitário
contra humanidade ursa de quem ignora soljenítsin
resistem atrás de livros os que nos deram lispector
agudos e necessários como um estilete pros dentes
atafona, 06/03/22
***
haicai do engenheiro
lua de asa aberta a um lado
dois morcegos para o outro
depois das três casuarinas
atafona, 10/03/22
***
desconstrução
beija-flor veraneia a manhã no jardim de inverno
ao lado da rede de leitura, sua língua por néctar
carcará traduz matéria de ninho no bico operário
transversal ao regresso do primeiro banho de mar
depois do carnaval, na praia à tarde do domingo
urubu bate asas para ajustar o resto do ano no ar
e ver de cima o horizonte entre lula e bolsonaro
carniça espreita, terceira via, outra copa a neymar
céu azul chega a doer contra o vão branco da porta
mas fragatas surfam no espaço a virada do tempo
são mais íntimas dos pescadores como tesoura
bifurcados seus rabos recortam sudoeste o vento
beija-flor, carcará, urubu e fragatas em pensamento
Treinador campista Rafael Soriano agrediu, com uma cabeçada na boca, a bandeirinha Marcielly Netto, em jogo pelas quartas de final do Campeontato Estadual do Espírito Santo, no último domingo (Montagem: Eliabe de Souza, o Cássio Jr.)
Covardia de campista na mídia nacional
Presente por motivos ruins na mídia nacional dos últimos anos, Campos voltou a ser referência negativa no último final de semana. Dessa vez pela covardia do técnico campista de futebol Rafael Soriano. Treinador do time capixaba Desportiva Ferroviária, ele deu uma cabeçada na bandeirinha Marcielly Netto ao final do primeiro tempo do jogo contra o Nova Venécia. Disputada no último domingo, a partida era válida pelas quartas de final do Campeonato Estadual do Espírito Santo. Expulso pelo árbitro Arthur Rabello e demitido horas pelo clube depois, as imagens da agressão correram o noticiário nacional no domingo.
Sem margem à dúvida
Soriano também foi suspenso preventivamente por um mês pelo Tribunal de Justiça Desportiva do Espírito Santo (TJD-ES), que ainda julgará o caso. Como deve ser julgado pela Justiça comum, já que a bandeirinha agredida deu queixa do caso na Polícia Civil. Com passagem de destaque no Americano e no Campos Atlético, o treinador não atendeu ou retornou às tentativas de contato da reportagem da Folha da Manhã, ciosa do direito ao contraditório. Mas as imagens não dão margem à dúvida. Ele reclamava da arbitragem. E, diante de dois outros árbitros também homens, escolheu a única mulher como alvo da sua violência física. Revelou-se um covarde.
Revelados pelo Santos, Robinho e Neymar protoganizaram na Eurpoa casos opostos em denúncias de violência sexual contra mulheres (Montagem: Eliabe de Souza, o Cássio Jr.)
Casos e casos
A defesa da mulher, diante da lei e da covardia de homens como Soriano, requer intransigência. Está aí o caso do ex-atacante brasileiro Robinho, transformado em pária após condenado em última instância por estupro na Itália, em janeiro deste ano, a servir como exemplo. Embora, ao contrário do que as feministas preguem, não baste a palavra da mulher. Como está aí o caso de Neymar na falsa denúncia de agressão sexual pela modelo Nagila Trindade, em junho de 2019, a também servir como exemplo. A verdade foi igualmente revelada em vídeo. Ainda que o atacante não seja nenhum exemplo, a agressora foi a mulher que o denunciou. E acabou desmascarada.
Futebol dentro do campo (I)
No que se refere exclusivamente ao futebol, o dia de ontem (12) foi pródigo. No, talvez, melhor jogo até aqui deste ano que ainda reserva a Copa do Mundo em novembro, o Real Madrid eliminou na prorrogação o Chelsea, por 2 a 3, nas quartas de final Liga do Campeões da Europa. No placar agregado ficou 5 a 4 para o clube espanhol, que havia derrotado o inglês no jogo de ida por 3 a 1, no último dia 6. Na partida de volta de ontem, dois brasileiros tiveram participação fundamental: Rodrygo, que entrou no segundo tempo para marcar o primeiro gol do Real; e Vini Júnior, que deu o passe para o artilheiro francês Benzema fechar a fatura na prorrogação.
Meia croata Luka Modric foi eleito pela Fifa melhor jogador do mundo em 2018
Futebol dentro do campo (II)
Os três jogadores do Real Madrid foram capitais na passagem à semifinal. Onde agora espera quem passar das quartas de final de hoje, entre o conterrâneo Atlético de Madrid e outro inglês, o Manchester City. Futebol, num dos seus chavões, “é uma caixinha de surpresas”. Certeza é que ontem, acima de Benzema, Vini e Rodrygo, quem mais brilhou no Real foi o veterano croata Modric. Aos 36 anos, com seu time perdendo por 3 a 0 e a vaga até os 35 minutos do segundo tempo, ele encaixou um passe em curva de trivela ao arremate preciso de Rodrygo. Mesmo a quem acompanha futebol há 40 anos ficou a impressão de ter visto o passe mais belo da sua vida.
Manchete da capa da Folha da Manhã de 27 de outubro de 2021 antecipou em mais de cinco meses o quadro de abandono de SJB que a levou Carla a renunciar como prefeita
Marcelo Freixo, Rodrigo Neves e Cláudio Castro (Montagem: Eliabe de Souza, o Cássio Jr.)
Orlando Thomé Cordeiro, consultor em estratégia
PT pode deixar Freixo na mão
Por Orlando Thomé Cordeiro
No domingo passado, o diretório do PT-RJ aprovou o nome de Marcelo Freixo como pré-candidato a governador. O resultado da votação foi 52 a 3. O interessante é verificar que esses três votos contrários foram dados por dirigentes ligados à política de Niterói, mais especificamente às administrações de Rodrigo Neves e de seu sucessor, Axel Grael.
Considerando o padrão dominante no partido, pode-se afirmar que foi uma reunião muito rápida, com duração de apenas 2 horas. A pressa teve uma justificativa formal: o enterro do filho da deputada Benedita da Silva. Mas o que se tinha em mente era se antecipar ao anúncio que seria feito dias após pelo PSB, confirmando a manutenção da candidatura de Alessandro Molon ao Senado.
Ora, todo mundo sabe que será impossível o PT engolir uma chapa “puro sangue” de outro partido. E, nesse caso, contam também os atritos históricos com os dois deputados socialistas ambos ex-petistas.
Freixo vem atuando fortemente contra as pretensões de Molon, incluindo repetidas declarações públicas de apoio à candidatura de Ceciliano ao Senado. Porém, até o momento, suas ações não tiveram êxito. E tudo indica que o impasse permanecerá.
Um dado relevante é a prioridade que Lula vem dando à eleição para o Congresso Nacional, particularmente o Senado Federal. Ressalte-se que na recente visita ao nosso estado, o ex-presidente teve um encontro reservado com o governador, onde ficou acertado um pacto de não agressão. E gerou reações iradas de bolsonaristas, que passaram a acusar Castro de traição.
No mesmo sentido, o presidente da Alerj vem realizando um trabalho sistemático de articulação, cujo resultado é o compromisso assumido por muitos prefeitos e prefeitas. Estima-se que a adesão à sua pré-candidatura, até o momento, já tenha chegado a 70 alcaides, independentemente de filiação partidária.
Contribui para isso o público e notório clima de camaradagem que marca a relação de Ceciliano com Cláudio Castro. Aliás, é comum ouvir entre apoiadores dos dois que a chapa ideal é “Castro-Lula”. Até mesmo Quaquá, ex-prefeito de Maricá e influente liderança petista, gravou um vídeo no ano passado em sua cidade ao lado do governador defendendo essa ideia.
Segundo pude apurar junto a fontes petistas, um dos argumentos já circulando nos bastidores para justificar o abandono de Freixo mais à frente é sua histórica elevada rejeição, candidato conhecido por ter piso alto e teto baixo. Ninguém se esquece de que ele conseguiu a proeza de ser derrotado por Crivella na disputa pela Prefeitura do Rio de Janeiro em 2016.
A pesquisa Datafolha divulgada na quinta-feira reforça esta percepção. Nela, o pré-candidato do PSB é o segundo com maior índice de rejeição (26%), ficando atrás apenas de Garotinho (49%), enquanto Cláudio Castro aparece com 18% e Rodrigo Neves apenas 12%. Já no quesito intenção de voto, o socialista lidera com 22% seguido por Castro com 18% e Neves com 7%.
Outro fator relevante é a necessidade imperiosa de aproximar a campanha de Lula dos evangélicos que hoje, majoritariamente, caminham ao lado de Bolsonaro. É verdade que o pré-candidato do PSB tem feito um esforço para diminuir as resistências a seu nome nesse segmento. Em dezembro Freixo chegou a se apresentar para 90 bispos e 900 pastores na Assembleia de Deus de Madureira, mas pouco progresso foi obtido. Certamente, uma aliança com ele não ajudaria muito o projeto presidencial do PT nessa área.
Adicionalmente, diversas pesquisas têm revelado que, se o apoio de Lula a Freixo pode representar um ganho de escala para o socialista na disputa pelo governo estadual, a recíproca não se confirma. Pouco acrescenta às intenções de voto para o ex-presidente aqui no estado.
Não bastassem esses obstáculos, a atitude de Molon indica que sua decisão é esticar a corda até a convenção. Afinal, ele tem o controle do PSB no estado e tem procurado formar alianças em torno de sua pré-candidatura. A última é a aproximação com o PDT, que poderia abrir mão do nome de Daciolo para apoiá-lo na disputa pela vaga no Senado.
Por outro lado, se, como tudo indica, Eduardo Paes se acertar com Carlos Lupi e resolver apoiar o ex-prefeito de Niterói na disputa pelo Palácio Guanabara, essa pré-candidatura ganha um impulso relevante. Permitiria atrair os votos daquela parcela do eleitorado que considera Freixo um representante da esquerda radical. Línguas ferinas dizem que ele saiu do Psol, mas o Psol não saiu dele.
É nesse cenário que cada vez mais vem ganhando força nas hostes petistas a ideia de dar o chamado “cavalo de pau”, levando o partido a trabalhar para substituir Freixo por Rodrigo Neves. Até porque Paes e Lupi mantêm relações amistosas com Lula e não fariam objeção de oferecer-lhe esse palanque aqui no estado.
Os próximos meses serão de fortes emoções e tudo isso pode ou não se confirmar. Porém, é bom registrar que não seria a primeira vez em que Freixo e Molon ficariam a ver navios na relação com o PT. Só nos resta acompanhar e conferir.
Por Aluysio Abreu Barbosa, Arnaldo Neto, Cláudio Nogueira e Matheus Berriel
Não há nenhuma possibilidade de aliança do PSD do prefeito da cidade do Rio de Janeiro, Eduardo Paes, com o governador Cláudio Castro (PL). A afirmação foi feita no início da manhã de ontem, no programa Folha no Ar, da Folha FM 98,3, pelo pré-candidato a governador do PSD, Felipe Santa Cruz. Ex-presidente nacional da OAB, ele definiu a situação fluminense como a do “rico, mas no Serasa”. Referiu-se aos mais de R$ 14,4 bilhões que a venda da Cedae rendeu aos cofres do Estado do Rio de Janeiro, que se encontra em regime de recuperação fiscal com a União. Não descartou, no entanto, a possibilidade de aliança do seu PSD com o PDT do também pré-candidato a governador Rodrigo Neves, ex-prefeito de Niterói.
Santa Cruz ressaltou a importância de projetos ao estado, sobretudo voltados à recuperação de empregos formais, no que usou como exemplo o Porto do Açu, em São João da Barra. Sobre Campos, embora tenha elogiado o prefeito Wladimir Garotinho (sem partido), que deixou o PSD, ele saudou a entrada na legenda de Caio Vianna e do vereador Bruno Vianna. Também falou de Campos como provável último destino do seu pai, o militante de esquerda Fernando Santa Cruz, preso pela ditadura militar (1964/1985) em 1974. Segundo a livro “Memórias de Uma Guerra Suja”, do ex-delegado Cláudio Guerra, o corpo de Fernando teria sido incinerado nos fornos da antiga usina Cambaíba. Atacado por isso pelo presidente Jair Bolsonaro (PL), ele disse o que aprendeu no episódio: “Ele (Bolsonaro) é basicamente uma pessoa que não ama o próximo. Ele é um grande porta-voz do ódio no país”.
Felipe Santa Cruz (Foto: Divulgação)
Na Datafolha, 3% das intenções de voto – Primeiro, falta que eu seja conhecido. Eu sou conhecido de um pequeno setor, setor de classe média basicamente, setor da advocacia, pessoas que têm interesse maior pelo debate público. Nós sabemos que não é essa a realidade da grande maioria da população do Rio de Janeiro, que hoje está mais preocupada em sobreviver. Ela tem problemas maiores para tratar do que saber quem é o Felipe Santa Cruz. A pesquisa de ontem (quinta, dia 7) mostra, e isso é muito preocupante para nós que somos apaixonados pelo nosso estado, que quase 50% dos fluminenses não têm candidato ou não vão votar. Isso já tem acontecido nas últimas eleições, uma abstenção maciça, voto em branco e nulo maciços. O Rio de Janeiro é um dos piores estados, talvez o com o pior percentual, mais baixo percentual de jovens tirando título entre 16 e 18 anos. O que a pesquisa mostra basicamente é desesperança. Nós estamos muito convictos de que, na hora em que a comunicação se der dos projetos que temos para o Rio de Janeiro, da experiência administrativa que o PSD tem, principalmente da Prefeitura do Rio de Janeiro, nós vamos subir nas pesquisas. Já vamos ter agora um espaço para isso, que são as inserções partidárias, que começam no início de maio, onde certamente eu serei mais conhecido. Então, as pesquisas nesse momento não nos preocupam. O que elas mostram para nossa preocupação é essa desesperança.
Liberdade de expressão x fake news – São as contradições do nosso país. Uma qualidade: a liberdade. Nós todos aqui somos filhos de uma geração que lutou pela liberdade de imprensa plena. Na Rússia, Putin controla as notícias sobre a guerra, e a sua popularidade aumenta, mesmo com o descalabro que ele está cometendo. O Brasil tem plena liberdade. Graças a Deus, as pessoas falam o que querem. O Judiciário, claro, quando chamado, pontua e responsabiliza. Não é um território sem lei, mas há uma liberdade, especialmente a liberdade de imprensa, liberdade de manifestação, liberdade de expressão. Também temos aí as nossas contradições: é um país com baixo percentual de formação cultural, formação acadêmica, baixa qualidade pedagógica. As nossas escolas vivem um processo de decadência muito marcante nos últimos 30 anos. Quem de nós aqui não ouviu falar da lembrança dos nossos pais da escola pública? Eu sou filho da escola pública, eu cresci no Rio Grande do Sul, estudei em escola municipal até o terminar o meu primeiro grau. Há essa decadência marcada nos últimos anos, especialmente no Rio de Janeiro, que está nos últimos postos nas avaliações nacionais. E as pessoas têm dificuldade de ler e interpretar a realidade. Então, o Brasil viveu e vive cenas surreais. Nós tivemos no Brasil aliados do vírus. As pessoas foram contra a vacina, foram contra o isolamento. Morreram quase 700 mil brasileiros. Eu, como presidente da Ordem, tive que fazer, em menos de 24 horas, uma ação que garantia aos estados e municípios a capacidade de combater a Covid. Hoje, eu me pergunto quantas pessoas teriam morrido se, naquele momento em que o vírus tinha tantos aliados no Brasil, nós não tivéssemos conseguido aquela liminar.
Critérios para definir candidatura própria do PSD ou aliança com Rodrigo Neves – O critério é político. O critério é uma discussão que passa pelo palanque nacional. O PSD do Rio, hoje, está disposto a apoiar o candidato do PDT. É óbvio que o PSD não pode ser um apêndice do PDT. O prefeito Eduardo Paes, que é o nosso presidente estadual, entende que o PSD deve ter a titularidade da campanha para governador. É esse o impasse hoje. Nós gostaríamos muito de caminhar com os companheiros do PDT, com o Rodrigo Neves. Eu, pessoalmente, sou amigo do Rodrigo, conheço o Rodrigo há mais de 20 anos, desde jovem. Eu sei da capacidade dele, foi um grande prefeito de Niterói. Agora, o critério pesquisa para nós não parece correto. Como eu te disse, nunca fui candidato a um cargo majoritário, nunca fui prefeito de uma grande cidade. E eu tenho dito até para os amigos que eu estou envaidecido com meus 3%, porque eu sou conhecido de 6%. Eu brinco: de cada dois que me conhecem, um está votando em mim. Então, dado esse critério, não seria eu candidato, necessariamente. Então, o critério é político. Espero que siga essa conversa, é importante para o Rio de Janeiro que se construa. Eu não gosto do termo terceira via, porque está ficando meio pejorativo nacionalmente. Mas, se há um estado onde é possível montar uma via alternativa entre a polarização do bolsonarismo e uma visão também polarizada, digamos assim, no campo do presidente Lula, mais à esquerda, é o Rio de Janeiro. Um campo em que é possível construir um palanque progressista. Eu me entendo uma pessoa progressista. Um palanque de centro, centro-esquerda, centro-direita, com chances de vitória.
Por que se candidatar a governador? – Eu, na verdade, fui chamado por pessoas em quem eu confio muito, em especial pelo Eduardo. As pessoas brincam se eu seria deputado federal. Digo que seria para mim um sacrifício ir a Brasília toda semana, eu sou aquela pessoa que ama o Rio de Janeiro. Sofro muito com a decadência do estado. O Brasil está em decadência, mas o Rio de Janeiro, uma decadência muito grande. O que eu posso trazer para esse debate é isso aqui: o que eu entendo do mundo, representação das forças políticas que eu represento, e essa vontade de contribuir com o debate público. De mim, não se espera ataque pessoal. Eu sou um advogado, essencialmente. As pessoas estranharam que eu fui ao aniversário do governador. Existe profissão mais caracterizada pela capacidade de conviver com a divergência que a advocacia? Então, é isso que eu falo em construir uma alternativa à polarização. Eu não estou diminuindo as pessoas que estão polarizadas, mas nós temos que voltar o debate público para o que importa. É isso que me atrai nesse momento. Com o apoio do Eduardo, com a força do PSD e, espero de outros partidos, já tem o PSDB se aproximando, o Cidadania, nós vamos construir uma candidatura forte.
Possibilidade de aliança de Paes com Cláudio Castro – Com Cláudio Castro? Nenhuma. Primeiro que o governo do Cláudio fez uma opção de sobrevivência pela entrega do governo às forças políticas. Eu acho que faz parte, é uma escolha legítima. Mas é um governo que tem muito pouco a oferecer do que nós queremos. Nós queremos um governo com capacidade de realização, um governo técnico, com política também, mas com política voltada a resultados. E nós estamos vendo aí os resultados. Você vê: entregou a secretaria de Transporte unicamente para o mundo da política, e há o colapso na SuperVia. Ele vendeu seu último quadro de valor, que é a Cedae. Se vai dar certo ou não a privatização da Cedae, nós vamos descobrir em poucos anos. A população vai descobrir. Agora, o dinheiro da Cedae já está no caixa do estado. Ele passa a fazer um discurso de riqueza quando está em regime de recuperação fiscal. Rico, mas está no Serasa. Ele está rico, mas está sem crédito. Ele está rico, mas é a União Federal quem está pagando suas dívidas. Então, nos parece que esse projeto não é um projeto a médio e longo prazo aceitável. E, além de tudo, o Cláudio fez uma opção, com todo o respeito, mas uma opção para nós que, parece, não é cabível no PSD, que é a opção pela continuidade do governo Jair Bolsonaro. Volto a dizer: nada pessoal contra o presidente Jair Bolsonaro, mas é o pior governo da história do país. O governo aliado do vírus, o governo que não entregou nada. O presidente Jair Bolsonaro fez uma reunião de ministério no ano de 2022. Para quê? Para tratar da desincompatibilização dos seus ministros. É um governo que faz a política pela política, não tem qualquer projeto para o Rio de Janeiro. O PSD quer e tem projeto para a população. Então, nós não teríamos como apoiar o governador Cláudio Castro, de forma muito franca, de forma direta, e esperamos o apoio ainda do PDT, como vamos ter do PSDB, do Cidadania e de outros partidos que queiram fazer conosco esse movimento de recuperação do estado.
No PSD de Campos, sai Wladimir Garotinho, entram Caio e Bruno Vianna – Estamos muito confiantes com Caio, com Bruno. Como eu disse, é um partido novo, renovado. Quero mandar um abraço ao nosso diretório aí de Campos, aos nossos companheiros do PSD. E, com todo o respeito ao prefeito (Wladimir), uma pessoa muito gentil; nas poucas vezes em que estive com ele, tive uma ótima impressão; nós temos um projeto e esse projeto está, em Campos, muito bem representado pelo Caio e pelo Bruno. Estamos muito animados com a perspectiva do ingresso dos dois ao partido. O Eduardo tratou disso pessoalmente. Para nós, foi uma grande vitória a entrada do Caio e do Bruno em Campos.
Porto do Açu – Eu já ouvi a frase de que esse porto é o verdadeiro projeto do Rio de Janeiro para o século XXI. Ele tem que ser central para a recuperação do nosso estado. Essa frase eu já ouvi de empresários que entendem do tema muito mais do que eu. Então, essa centralidade de emprego e renda eu acho que é a grande resposta que a gente tem que dar para o nosso projeto. No Rio de Janeiro, o que falta é emprego. Segurança pública é um grave problema do Rio de Janeiro. Se nós não dermos esperança e emprego, principalmente à juventude do nosso estado, nós vamos ter um estado em permanente decadência social e um estado que vai gerar um ambiente de violência, necessariamente. Então, é essa centralidade que primeiro vai ser resgatada, com transparência e honestidade. Parece pouco, mas eu fui conversar com empresários de São Paulo, chamado para uma dessas mesas onde você conversa com o PIB, eu e o Eduardo, e as pessoas têm medo de investir no Rio de Janeiro. O Rio de Janeiro é um estado hostil ao investimento privado. Nós precisamos atrair esse investimento para que a gente possa gerar emprego. A gente tem que fazer uma profunda reestruturação do nosso mapa de crescimento das regiões do estado do Rio de Janeiro. Quais são as nossas vocações? Essas vocações estão esquecidas. O Rio de Janeiro vive hoje uma ausência de projetos a médio e longo prazo. O Porto do Açu foi um dos últimos grandes projetos. Quando o Rio de Janeiro mergulha na crise em 2014, some do nosso mapa a possibilidade de pensar novos projetos para o futuro. Então, nós temos que dar essa centralidade ao Porto do Açu, atrair esse empresariado. Qual é a grande última notícia de geração de empregos do Rio de Janeiro? Não tem. Nós estamos há quase oito anos quase submersos numa realidade negativa, de pessimismo. Vamos recuperar isso. Esse é o grande ponto que nos faz não ter hoje o número de empregos que tínhamos em 2014, com carteira assinada, que possam acudir a nossa população.
Ataques do presidente Bolsonaro, pela morte do pai, Fernando Santa Cruz, na ditadura militar, cujo corpo teria sido queimado na usina Cambaíba, em Campos – Na minha posse (como presidente nacional da OAB) eu falei uma frase de Marcos Freire (advogado, ex-deputado federal, ex-senador e ex-ministro, morto em 1987) que foi um grande resistente à ditadura militar, também da terra originária da minha família, que é de Olinda (PE): “Sem medo, sem ódio”. Eu acho que as pessoas não têm que ter ódio. É olhar para o futuro. Mas eu tenho muito orgulho da história do meu pai. Meu pai resistiu à ditadura. Meu pai não foi da luta armada, era um militante da Juventude Católica. A Juventude Católica funda a Ação Popular, já na ditadura, e parte dela vai depois, nos anos 1970, para a APML, que é a Ação Popular Marxista Leninista. Meu pai nunca foi um militante da resistência armada à ditadura. Não que se justifique o assassinato desses militantes sob guarda do Estado. Mas nunca foi. Meu pai era um estudante de direito, prestes a se formar, com filho pequeno. Ele era funcionário público da companhia de águas e esgotos de São Paulo e tinha vindo ao Rio de Janeiro visitar um amigo de infância dele, da AP, que militou com ele, chamado Eduardo Polier. Os dois desapareceram e os corpos teriam sido incinerados em Campos. Essa história para mim é uma história bem resolvida, com os traumas de qualquer filho que perdeu, muito pequeno, o pai. O presidente da República é uma pessoa cruel, e aí eu acho isso marcante do que penso sobre Jair Bolsonaro, acho que esse episódio me ensinou isso. É uma pessoa sem empatia. Ele é basicamente uma pessoa que não ama o próximo. Ele comunica o ódio. Ele é um grande porta-voz do ódio no país. Ele é o grande porta-voz dos ressentimentos, é muito hábil nisso. Então, ele nos leva a debates superados. O debate da ditadura é da História, pertence aos historiadores. A população tem que saber dele através desses historiadores. Pois o presidente reabre essas antigas feridas, traz para o presente, muito para não ter que responder. O que, por exemplo, ele fez por Campos? O que o presidente Bolsonaro trouxe para o Rio de Janeiro? Me diz aí uma linha férrea, uma estrada, um hospital. Nada. Ele estava debatendo comigo um tema (em julho de 2019) que não tem absolutamente nada a ver com isso (proteção ao sigilo telefônico dos advogados de Adélio Bispo, que esfaqueou Bolsonaro em Juiz de Fora, na campanha presidencial de 2018). A todos os advogados que possam estar nos ouvindo (lendo): é óbvio que é inviolável o telefone do advogado, porque o advogado não trata ali apenas daquele cliente. O telefone de um advogado hoje é um escritório de advocacia. Muitos desses assuntos são sigilosos. É a garantia da democracia, é uma obrigação da Ordem, que o presidente não entende ou finge não entender. Daí ele faz um ataque pessoal a mim, à minha família, extremamente cruel. Não tanto a mim, que sou uma pessoa pública. Mas, por exemplo, em relação às minhas tias, em relação à minha avó, que ainda era viva. Ele pratica um segundo homicídio contra o meu pai. Primeiro, ele distorce a vida do meu pai, que nunca pegou numa arma. Era um estudante de Direito. Usa essa máquina que ele tem de pessoas ignorantes que ficam reproduzindo as coisas nesses grupos de WhatsApp, sem conhecer a História. O meu pai estava sob guarda do Estado, e isso foi reconhecido pelo Golbery do Couto e Silva, que era o principal general de sustentação do governo (Ernesto) Geisel (1974/1979). Então, o presidente reabre essas feridas, leva a discussão a um campo que não interessa a ninguém. Faz isso como estratégia para fugir do debate que importa. Assim, eu aprendi muito sobre Jair Bolsonaro, inclusive sobre a sua covardia. É um presidente extremamente covarde. Ele ataca e depois recua. Como fez no 7 de setembro.
“Quem é Bolsonaro?” – Quem é o Jair Bolsonaro? É o Jair Bolsonaro que pediu desculpas escritas ao Alexandre de Moraes? Ou é o Jair Bolsonaro que quer o fechamento do Supremo? Qual é o Jair Bolsonaro que vai surgir no 1º de janeiro, se ele for reeleito? Esse Jair Bolsonaro que entregou o governo para o Centrão e para os deputados, através do Orçamento Secreto, ou o Jair Bolsonaro pitbull que quer o golpe militar? Mas, o presidente ele ataca e depois ele recua. Então, eu fiz uma peça, assinada por todos os presidentes vivos da OAB, fui ao Supremo e pedi que o presidente me contasse. Ele não disse que ia me contar? Tudo o que eu quero na minha vida é saber o que houve com o meu pai. Eu sei que o meu pai não volta mais. Minha mãe sabe isso. Minha avó sabia isso. Mas para saber o que aconteceu no desfecho, nos últimos momentos da vida do meu pai. Quem perdeu um parente sabe a importância disso. Se chama fechar o luto, encerrar a história, saber o que aconteceu. As pessoas querem essa verdade. O presidente disse que sabia. Ele é o presidente da República, é o supremo mandatário do país. Então, eu fui ao Supremo, e o Supremo pediu que o presidente dissesse. O presidente fez o quê? Como costuma fazer: “não foi bem isso”. O presidente foi covarde, foi mentiroso. Ele explora a ignorância e nos obriga a fazer um debate que não tem mais o menor cabimento. Mas, em vez de estarmos debatendo o que vai acontecer no Porto do Açu, os 700 mil empregos que o Rio de Janeiro perdeu em uma década, nós estamos debatendo o que aconteceu na ditadura militar.
Confira em vídeo, nos três blocos abaixo, a íntegra da entrevista de sexta (08) com Felipe Santa Cruz ao Folha no Ar: